“Um país não pode existir sem o seu povo. Por isso, estamos aqui a ajudar as pessoas para que o nosso país não seja completamente destruído”, afirma Anna Nikonenko, cofundadora da Dignitas Ukraine.
Viver perto da linha da frente significa mais do que sobreviver à ameaça constante de um ataque - é também uma batalha diária para dar resposta às necessidades básicas, como o o a cuidados médicos.
Nas áreas libertadas da região ucraniana de Kharkiv, uma organização chamada Dignitas Ukraine está a intervir onde muitas clínicas foram forçadas a encerrar, após a invasão total da Rússia em fevereiro de 2022.
Apesar dos perigos, que incluem ataques de drones e estradas minadas, a equipa de voluntários trabalha sete dias por semana, cobrindo 27 comunidades nas regiões de Kharkiv e Donetsk.
Algumas aldeias tornam-se iníveis devido às condições rigorosas do inverno que cortam as estradas, isolando-as.
Na comunidade da outrora ocupada Biskvitne (situada a cerca de 25 quilómetros de Kharkiv), a Dignitas Ukraine instalou-se num barracão durante as horas seguintes, com os residentes a aguardarem pacientemente a sua vez para serem vistos pelo médico.
A organização oferece apoio médico e psicológico às pessoas que, por opção ou não, ficaram na comunidade. Na maior parte das vezes, a população que optou por ficar é composta principalmente por pessoas idosas, apegadas às suas casas e terrenos e que não estão dispostas a ser retiradas.
Entretanto, a maior parte dos jovens fugiu para oeste, para cidades como Lviv, longe da linha da frente.
A cofundadora Anna Nikonenko trabalhava com veteranos antes de criar a clínica móvel. Ao explicar o papel da clínica, afirmou que um dos aspetos mais importantes das suas visitas a por, simplesmente, mostrar aos habitantes locais que não foram esquecidos.
“Quando chegamos, para eles, é importante sentirem que alguém se preocupa com eles. É uma forma de apoio. É bom para eles ouvirem que vão conseguir. Estamos aqui apenas para os apoiar”, referiu Anna.
E acrescentou: “Um país não pode existir sem o seu povo. Por isso, estamos aqui a ajudar as pessoas para que o nosso país não seja completamente destruído.”
Os bombardeamentos diários causaram uma enorme destruição. Escolas, hospitais, casas - tudo tem sido alvo de ataques, bem como infraestruturas energéticas vitais, como a água, o gás e a eletricidade.
No entanto, independentemente do desafio, Anna diz que encara o dia a dia com otimismo. “Sobreviver. Aguentar, aconteça o que acontecer. Isso é o mais importante. E não desistir, acho que é isso”, acrescentou. “E manter o otimismo. Não importa o quão, desculpem a minha linguagem, as coisas se tornem merdosas, temos de encontrar algo positivo. Sempre. Sempre.”
Muitos dos habitantes das zonas rurais têm o limitado a transportes e a recursos financeiros, uma situação agravada pela guerra.
Yevhenia Mykolaivna Palkhovna nasceu na capital da região, Kharkiv, mas vive em Biskvitne há mais de 40 anos, onde está sepultada toda a sua família, incluindo dois dos seus filhos.
Yevhenia foi retirada da zona devido à invasão russa, acompanhada do seu filho com deficiência, de 35 anos, Anatoliy, mas regressou quando a região foi libertada. Quando lhe perguntaram se voltaria a abandonar se existisse outra ocupação, abanou a cabeça, engoliu as lágrimas e disse:
“Vou ser sepultada aqui. Não vou a lado nenhum. Vou ficar aqui por ele. Não quero que ele seja deixado para trás. Esta é a nossa terra. Esta é a nossa casa.”
Esta mulher de 77 anos depende da clínica para se deslocar a casa e para que cuidem dela e do filho, mas a Dignitas Ukraine também ajuda com outras necessidades, ao fornecer comida e lenha.
Hipertensão, diabetes, infeções virais e traumatismos
A médica voluntária Ishchenko Tetiana Borisivna, de Kharkiv, é pediatra, hematologista (médica especializada em doenças sanguíneas) e também ensina pediatria na Universidade de Medicina de Kharkiv. No entanto, disse sentir que não estava a fazer o suficiente. “Sentia que o que estava a fazer não era tudo o que podia fazer pela sociedade, pela Ucrânia e pela nossa região.”
Quando lhe perguntaram o que achava do perigo constante apresentado pelos drones Shahed, Tetiana respondeu: “Não me importo. Não contamos com eles; aguentamos o melhor que podemos”. Acrescentando depois: "Adaptamo-nos." Infelizmente, a maioria dos ucranianos habituou-se a viver nestas condições.
Tetiana está disposta a trabalhar independentemente das condições, desde que receba autorização da organização. “Não prestamos atenção ao contexto ou ao estatuto social dos doentes. Se nos disserem para fazer algo, nós fazemos. Fazemos o que tem de ser feito. Quanto a mim, se me disserem que existe uma necessidade, vou trabalhar.”
Tetiana referiu que as doenças mais comuns que tratam são a hipertensão, a diabetes, infeções virais e traumatismos.
A Dignitas Ukraine é uma das muitas ONG que trabalham incansavelmente para desempenhar o seu papel nesta guerra que afeta os civis. Mas durante o tempo que ámos com os voluntários, ficou claro que a persistência e a resiliência eram o único caminho a seguir.