Primeiro-ministro português quer antecipar objetivo de 2% do PIB de despesa com defesa para acompanhar esforço europeu. Luís Montenegro acredita que reforço das capacidades militares deve ser visto como oportunidade de desenvolvimento da indústria e inovação da União Europeia.
Uma janela de oportunidade. É assim que, pelo menos, Luís Montenegro encara o maior investimento em defesa por parte de Portugal e dos restantes Estados-membros da União Europeia (EU).
“Investir mais na área da defesa também significa investir mais na nossa capacidade industrial, investir na criação de emprego, criação de tecnologia, oportunidades de negócio” afirmou o primeiro-ministro português na chegada à cimeira em Bruxelas para discutir a situação na Ucrânia e o investimento do bloco no setor da defesa.
Para Montenegro, a atual discussão não dever ser encarada apenas como um “momento que vamos gastar mais dinheiro a comprar material militar e tecnologia de defesa aos EUA, à China ou a Coreia, mas para investirmos nas nossas próprias capacidades, na nossa indústria, no nosso conhecimento, na nossa inovação e podermos, a médio prazo, ter essa capacidade instalada na Europa de forma coordenada e articulada”.
Apesar da visão aparentemente mais otimista, Luís Montenegro reconhece que a atual conjetura implica um esforço adicional, porém justificado.
“Trata-se de nos defendermos a nós próprios, dos nossos valores democráticos, dos nossos territórios e da soberania das nossas democracias, é isso que está em jogo. Também está em jogo no futuro termos uma política de defesa, de segurança de dissuasão que não dependa tanto de outros parceiros e aliados, independentemente de nos querermos manter nessas parcerias e alianças. É um esforço grande e significativo”, explicou.
“Nós temos feito um esforço grande na sequência dos nossos compromissos com a UE, com a NATO, mas também com os nossos compromissos bilaterais com a Ucrânia, no sentido de darmos apoio político, militar, económico e humanitário após a invasão injusta e injustificada que sofreu por parte da Federação Russa. Temos cumprido os nossos compromissos e vamos continuar a fazê-lo no seio do esforço coletivo europeu” garantiu.
Antecipar a meta dos 2% do PIB em defesa
Há muito que o investimento dos países na Aliança Atlântica é discutido com o conflito na Ucrânia e a eleição de Donald Trump a trazerem, de novo, o tema para o centro da discussão. Será talvez difícil recordar um momento em que as palavras “despesa com defesa” foram tão repetidas como agora.
Portugal respeita a tendência, mas não os números.
No ano ado, segundo estimativas da NATO, Portugal investiu quase 4,3 mil milhões de euros no setor — cerca de 1,55% do PIB português e a maior percentagem dos últimos dez anos.
Ainda assim, Portugal está na cauda dos países em termos de investimento no setor, sendo o sétimo que menos investe para a organização atlântica. Pior só Itália, Canadá, Bélgica, Luxemburgo, Eslovénia e Espanha.
A NATO e o seu secretário-geral querem um investimento acima dos 2% do PIB nacional de cada Estado-membro. O presidente dos Estados Unidos fala em 5%.
Luís Montenegro diz que Portugal está empenhado em antecipar o objetivo dos 2% do PIB até 2029. Só para cumprir o objetivo representa um acréscimo de 1,7 mil milhões de euros a sair do orçamento português.
Durante a visita do secretário-geral da NATO, Mark Rutte, a Lisboa, Luís Montenegro reforçou que “Portugal está fortemente empenhado em ser uma parte ativa na valorização da estratégia da nossa Aliança”.
Mesmo sem sair da cauda dos países que menos contribuem, Portugal não se afasta dos compromissos com a Aliança Atlântica, quanto mais não seja, porque nenhum o está a fazer.
“Eu creio que também tem a ver com alguma contingência europeia. No fundo, há um reforço, que tem de existir, porque nós estamos a viver tempos de maior desafio a nível da defesa, muito mais exigentes e até imprevisíveis, e parece-me que acaba por ser também uma medida de precaução, que tem que ser calculada e tem que ser incluída sob pena de sermos apanhados desprevenidos”, explica a politóloga Paula Espírito Santo à Euronews.
Portugal estabeleceu o compromisso de alcançar os 2% do PIB em despesa com defesa para 2029 o que, segundo Montenegro, “significa um esforço financeiro grande” ainda que este represente o "forte compromisso do Governo e das demais forças políticas, em particular do principal partido da oposição em salvaguardar este trajeto”. Além deste compromisso, o governo português revelou-se disposto ainda a antecipá-lo, “o que dependerá muito do que formos capazes de fazer internamente”.
O primeiro-ministro português reforçou que o desenvolvimento da indústria e maior investimento do setor devem ser acompanhados de uma visão integradora, entre aquilo que são as expetativas e esforços da União Europeia e aquilo que cada Estado-membro poderá oferecer.
Esta perspetiva foi reforçada por Montenegro durante o Fórum Económico Luso-Francês e a visita oficial de Emmanuel Macron ao país.
“Será mais inteligente» a União Europeia avançar com um “plano articulado” de investimento, que indique, por exemplo, a localização e geografia das indústrias de defesa na Europa, potenciando a compra entre países membros, afirmou Luís Montenegro, dando o exemplo de Portugal e França.
«Eu combinei com o Presidente Macron comprar equipamento militar à França», mas «acertando que, na troca, o Presidente Macron também compre equipamento militar a Portugal. É isto que precisamos de fazer na Europa. Vamos deixar-nos de rodriguinhos e dizer as coisas como elas são”, afirmou.
De recordar que Portugal e França am um acordo de cooperação bilateral em várias áreas, nomeadamente na defesa, no qual ambos afirmam vontade de estudar várias capacidades, entre as quais, artilharia, sistemas navais, ciber, e sistemas aéreos não tripulados (drones).
Países “estão a ser convocados”
Segundo explica Paula Espírito Santo o tema não é novo, mas aparentava estar adormecido. “Pode-se considerar que a aposta na defesa era permanente, mas não era uma prioridade, e o que está a acontecer neste momento é que tem que haver pelo menos uma reserva, neste caso, tem que haver um fundo, uma maneira de perceber que, se houver um imprevisto ou algum desafio” Portugal e os outros países serão capazes de responder, afirmou.
É, no fundo, uma chamada à ação.
“Eu penso que todos os países, Portugal em especial, estão a ser convocados de uma maneira mais proativa”, explicou. Uma convocatória que se configura como “uma impressão natural de três anos de guerra e também a impressão do que é nova ordem mundial, os novos imperativos do ponto de vista das estratégias de defesa e das instituições”.
No caso de Portugal, que, apesar da presença na NATO, apresenta histórico de alguma neutralidade, o atual governo parece querer responder ao apelo do armamento e não deverá ter grandes impedimentos por parte dos outros partidos, com eventuais exceções à esquerda, nomeadamente do P. “Certamente que da parte dos comunistas não parece que seja um aspeto prioritário em que se deva apostar”, afirmou Paula Espírito Santo.
Esta questão ganha especial importância quando a situação política em Portugal enfrenta um período turbulento, com o parlamento a votar uma moção de confiança ao governo na próxima terça-feira e que poderá ditar a queda do executivo e levar a eleições legislativas antecipadas.
À margem da cimeira europeia de quinta-feira em Bruxelas, Luís Montenegro garantiu que “não há razão nenhuma para olharem para Portugal como um foco de instabilidade na UE”.
“Portugal é hoje um dos países com maior estabilidade económica e financeira da UE. Um país com orçamento aprovado, que está a executar o PRR, um país que tem um desempenho económico dos melhores da UE", reforçou o primeiro-ministro, itindo, no entanto, que do ponto de vista económico e social "é desejável que não haja nenhuma perturbação política".
Resta saber até que ponto a instabilidade política e os resultados eleitorais de uma eventual eleição poderão afetar os objetivos portugueses em matéria de defesa.
Portugal acompanha linha europeia
Ainda assim, Montenegro garantiu que o país irá cumprir os objetivos definidos.
Ursula von der Leyen anunciou um pacote de 800 mil milhões de euros para fortalecer a defesa do continente europeu. "Nesse ponto de vista, as decisões da Comissão europeia apontam num caminho muito coincidente com o que já tínhamos proposto" afirmou Luís Montenegro, esta quinta-feira.
"Tive ocasião de defender que era preciso reforçar os meios de financiamento para este processo e de articular e coordenar as estratégias para que não haja duplicação de investimento e possa haver coordenação para termos uma posição comum nesse sentido", afirmou o primeiro-ministro.
As medidas anunciadas por Ursula von der Leyen foram prontamente apoiadas pelo governo português. Na rede social X, o ministério dos Negócios Estrangeiros diz aplaudir a “iniciativa da Comissão Europeia para criar uma verdadeira capacidade de defesa na UE, através de novas propostas concretas e viáveis”
O ministério reforça ainda que a União Europeia “conta com Portugal para uma Europa mais forte, com voz no palco mundial”. Uma voz que canta em uníssono com o bloco europeu e que pode marcar a diferença pelo estatuto de antiguidade.
“Eu julgo que a posição de Portugal será sempre uma posição de alinhamento com a posição europeia”, explicou Paula Espírito Santo, reforçando ainda que, apesar da sua dimensão, “Portugal acaba por ter sempre uma vontade ativa, porque é um país, é um Estado-membro já de longa duração”. Aqui, importa não esquecer também o recente trunfo português no campo diplomático, localizado bem no topo da hierarquia europeia.
“Portugal tem uma figura de peso no plano europeu, que é o presidente do Conselho Europeu. Claro que esta influência não tem a ver com nenhum Estado em particular ou com Portugal, mas Portugal não deixa de ser escusado e não deixa de ser também um elemento importante no estabelecimento europeu”, afirmou a especialista.
Sobre a Ucrânia, à semelhança do que já fez várias vezes, Luís Montenegro reforçou o compromisso português com o país.
"Cada um faz o esforço que pode e adequado à sua situação económica, financeira e geopolítica. Estamos a fazer o que nos compete. Fomos sempre solidários, desde a primeira hora, cumprimos os nossos compromissos, estamos ao lado da Ucrânia. Estamos agora empenhados em promover um processo de paz com a Ucrânia, com a UE, que possa garantir, no futuro, uma situação de estabilidade na Europa, para que possamos encarar com segurança os próximos anos e para não vivermos sob a ameaça de novas guerras e de novos conflitos", afirmou.