{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/my-europe/2015/10/30/ser-curdo-na-turquia-a-vida-e-a-morte-em-periodo-eleitoral" }, "headline": "Ser curdo na Turquia: A vida e a morte em per\u00edodo eleitoral", "description": "As elei\u00e7\u00f5es turcas instalaram ainda mais tens\u00f5es no seio da comunidade curda. No sudeste do pa\u00eds, a popula\u00e7\u00e3o vive ao ritmo do conflito entre Ancara e os rebeldes curdos.", "articleBody": "Estamos no sudeste da Turquia. Do outro lado das montanhas, \u00e9 o Iraque. Este \u00e9 o caminho mais utilizado pelo contrabando local, a atividade que movimenta mais dinheiro na regi\u00e3o. Chamam-lhe tamb\u00e9m de \u201ccom\u00e9rcio fronteiri\u00e7o\u201d, um nome que atenua as implica\u00e7\u00f5es daquele que para muitos \u00e9 o \u00fanico trabalho poss\u00edvel nas redondezas. A milenar cria\u00e7\u00e3o de gado tornou-se impratic\u00e1vel devido \u00e0 presen\u00e7a de minas que ficaram do conflito entre o ex\u00e9rcito turco e os separatistas curdos nos anos 90. \u201cEste \u00e9 o caminho que fazemos para chegar ao Iraque. \u00c9 longe. \u00c0s vezes, as mulas escorregam pelas escarpas abaixo e morrem. Mas continuamos a ir na mesma, carregamos a mercadoria e voltamos. H\u00e1 avi\u00f5es que nos andam a vigiar. \u00c0s vezes, largam bombas lacrim\u00f3geneas e chegam a disparar sobre n\u00f3s, matam as nossas mulas. Mas n\u00e3o temos outro rem\u00e9dio sen\u00e3o ir\u201d, conta-nos um habitante local. Nas aldeias da regi\u00e3o, os militares costumam fechar os olhos ao contrabando. Mas n\u00e3o aqui. Estamos em Uludere ou Roboski, o nome curdo de uma localidade que se tornou conhecida pelas piores raz\u00f5es. Em 2011, 34 habitantes foram mortos num bombardeamento dos F-16 da For\u00e7a A\u00e9rea turca. Eram contrabandistas que atravessavam a fronteira. As fam\u00edlias continuam a pedir a abertura de um processo. Mas ainda nada avan\u00e7ou. Segundo Wahid Encu, um dos respons\u00e1veis da associa\u00e7\u00e3o de familiares criada ap\u00f3s o ataque, as autoridades turcas prop\u00f5em pagar indemniza\u00e7\u00f5es em troco do sil\u00eancio. \u201c\u00c9 dinheiro que est\u00e1 manchado de sangue, n\u00e3o o vamos aceitar. Vamos lutar para que o processo ande para a frente. Por isso \u00e9 que o Estado nos est\u00e1 a pressionar. Houve deten\u00e7\u00f5es, h\u00e1 pessoas na cadeia. Porqu\u00ea? Porque querem calar-nos\u201d, afirma. Esta prov\u00edncia tem o nome de Sirnak. A popula\u00e7\u00e3o, maioritariamente curda, \u00e9 confrontada h\u00e1 anos com o bra\u00e7o de ferro entre o ex\u00e9rcito turco e o PKK, o movimento separatista curdo que foi interditado por Ancara. Em 2013, houve um cessar-fogo entre ambas as partes. Mas as elei\u00e7\u00f5es do ado m\u00eas de junho despeda\u00e7aram as tr\u00e9guas. Na capital da prov\u00edncia, com o mesmo nome \u2013 Sirnak -, t\u00eam-se sucedido confrontos nas ruas. Marc\u00e1mos encontro com Leyla Birlik, deputada do HDP, o principal partido pr\u00f3-curdo que conseguiu tirar a maioria absoluta ao AKP, o partido do presidente Recep Tayyip Erdogan, no \u00faltimo escrut\u00ednio. Desde ent\u00e3o, afirma Leyla, o Estado exprime-se somente atrav\u00e9s das armas em Sirnak. No in\u00edcio de outubro, o cunhado de Leyla foi executado por pol\u00edcias, na sequ\u00eancia de mais uma vaga de embates entre as autoridades e os militantes separatistas curdos. A imagem do cad\u00e1ver arrastado por um blindado ao longo das ruas de Sirnak foi amplamente difundida nas redes sociais. Para Leyla, \u201co problema do AKP \u00e9 o sucesso que alcan\u00e7\u00e1mos. E para o tentar arrasar, as for\u00e7as policiais intensificaram a viol\u00eancia depois das elei\u00e7\u00f5es de 7 de junho. Sob todas as formas: deten\u00e7\u00f5es, bombardeamentos das montanhas do Curdist\u00e3o\u2026 Estamos todos a ser atacados \u2013 os militantes do HDP e todas as correntes pol\u00edticas curdas que lutam pela liberdade. Aquilo que fizeram ao meu cunhado n\u00e3o foi in\u00e9dito. Os filhos do povo curdo j\u00e1 s\u00e3o preparados para o pior, j\u00e1 viram decapita\u00e7\u00f5es. S\u00e3o coisas a que j\u00e1 assistimos. O que acontece, neste momento, \u00e9 que o resto do mundo come\u00e7a a ter no\u00e7\u00e3o do que se a. E s\u00e3o as pr\u00f3prias for\u00e7as de seguran\u00e7a que gravam as imagens que s\u00e3o difundidas.\u201d Em Sirnak, n\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil encontrar relatos que ilustram formas de press\u00e3o diferentes. Na istra\u00e7\u00e3o p\u00fablica, por exemplo. Uma funcion\u00e1ria turca decidiu falar connosco mas sob anonimato, uma vez que a lei impede que os funcion\u00e1rios p\u00fablicos falem aos media: \u201cA partir das 5 da tarde, n\u00e3o se pode sair \u00e0 rua. N\u00e3o se pode fazer nada. Porqu\u00ea? Porque h\u00e1 blindados a ar nas ruas, ao nosso lado. E em cima deles est\u00e3o pol\u00edcias armados, com a m\u00e3o no gatilho. As pessoas acham que, a qualquer momento, pode haver um incidente e serem abatidas. A ideia que eles am \u00e9 que podem fazer o que lhes apetece, sem que ningu\u00e9m possa reagir.\u201d A cerca de 50 quil\u00f3metros situa-se Cizre, um dos basti\u00f5es do Movimento da Juventude Patri\u00f3tica Revolucion\u00e1ria (YDG-H), pr\u00f3ximo do PKK. Os rebeldes ergueram barricadas em v\u00e1rios pontos da cidade para tentar bloquear o o do ex\u00e9rcito. As autoridades impam o recolher obrigat\u00f3rio no in\u00edcio de setembro. Houve confrontos que fizeram 21 mortos e deixaram in\u00fameras ruas em ru\u00ednas#. \u201cHavia atiradores nos telhados. Houve pessoas abatidas \u00e0 porta de casa, algumas mesmo j\u00e1 dentro de casa\u201d, descreve Emirhan Uysal, de uma associa\u00e7\u00e3o de direitos humanos. Numa outra parte da cidade, fomos ao encontro de um grupo de jovens rebeldes. Dizem que est\u00e3o preparados para a guerrilha urbana e que montam guarda, dia e noite, para proteger os habitantes locais. Afirmam tamb\u00e9m que n\u00e3o v\u00e3o baixar as armas enquanto n\u00e3o houver novas negocia\u00e7\u00f5es de paz. \u201cEles atacam-nos com bombas, com tanques. N\u00f3s temos de nos proteger, de proteger o nosso povo. Queremos a paz, n\u00e3o queremos a guerra. Somos jovens, queremos um futuro. Pedimos ao Estado que pare de uma vez por todas de nos pressionar\u201d, diz um deles. Bahram mostra-nos os buracos das balas no port\u00e3o da sua casa. Um dos disparos atingiu a sua irm\u00e3 de apenas dez anos. Como a cidade se encontrava sitiada, as ambul\u00e2ncias n\u00e3o conseguiram chegar ao local. Durante alguns dias, o corpo da crian\u00e7a foi conservado numa arca frigor\u00edfica. Bahram explica que \u201cn\u00e3o havia maneira de a enterrar, eles disparavam sobre qualquer pessoa que sa\u00edsse \u00e0 rua. \u00c9 muito triste n\u00e3o ver sen\u00e3o a morte, dum lado e do outro. Chega de mortos, chega de derramar sangue. Chega de ver as m\u00e3es a chorarem os seus filhos. A minha irm\u00e3 foi a oitava pessoa da minha fam\u00edlia a ser morta em confrontos. Outros ficaram mutilados. E mesmo assim, eu n\u00e3o acho que o conflito armado seja a solu\u00e7\u00e3o. Precisamos de paz.\u201d", "dateCreated": "2015-10-30T14:26:56+01:00", "dateModified": "2015-10-30T14:26:56+01:00", "datePublished": "2015-10-30T14:26:56+01:00", "image": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2F316187%2F1440x810_316187.jpg", "width": 1440, "height": 810, "caption": "As elei\u00e7\u00f5es turcas instalaram ainda mais tens\u00f5es no seio da comunidade curda. No sudeste do pa\u00eds, a popula\u00e7\u00e3o vive ao ritmo do conflito entre Ancara e os rebeldes curdos.", "thumbnail": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2F316187%2F432x243_316187.jpg", "publisher": { "@type": "Organization", "name": "euronews", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png" } }, "author": [ { "@type": "Person", "familyName": "Prud\u00eancio", "givenName": "Nuno", "name": "Nuno Prud\u00eancio", "url": "/perfis/542", "worksFor": { "@type": "Organization", "name": "Euronews", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png", "width": 403, "height": 60 }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] }, "jobTitle": "Journaliste", "memberOf": { "@type": "Organization", "name": "R\u00e9daction" } } ], "publisher": { "@type": "Organization", "name": "Euronews", "legalName": "Euronews", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png", "width": 403, "height": 60 }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] }, "articleSection": [ "S\u00e9rie: a minha Europa" ], "isAccessibleForFree": "False", "hasPart": { "@type": "WebPageElement", "isAccessibleForFree": "False", "cssSelector": ".poool-content" } }, { "@type": "WebSite", "name": "Euronews.com", "url": "/", "potentialAction": { "@type": "SearchAction", "target": "/search?query={search_term_string}", "query-input": "required name=search_term_string" }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] } ] }

Ser curdo na Turquia: A vida e a morte em período eleitoral

Ser curdo na Turquia: A vida e a morte em período eleitoral
Direitos de autor 
De Nuno Prudêncio
Publicado a
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button
Copiar/colar o link embed do vídeo:Copy to clipboardCopied

As eleições turcas instalaram ainda mais tensões no seio da comunidade curda. No sudeste do país, a população vive ao ritmo do conflito entre Ancara e os rebeldes curdos.

Estamos no sudeste da Turquia. Do outro lado das montanhas, é o Iraque. Este é o caminho mais utilizado pelo contrabando local, a atividade que movimenta mais dinheiro na região. Chamam-lhe também de “comércio fronteiriço”, um nome que atenua as implicações daquele que para muitos é o único trabalho possível nas redondezas. A milenar criação de gado tornou-se impraticável devido à presença de minas que ficaram do conflito entre o exército turco e os separatistas curdos nos anos 90.

“Este é o caminho que fazemos para chegar ao Iraque. É longe. Às vezes, as mulas escorregam pelas escarpas abaixo e morrem. Mas continuamos a ir na mesma, carregamos a mercadoria e voltamos. Há aviões que nos andam a vigiar. Às vezes, largam bombas lacrimógeneas e chegam a disparar sobre nós, matam as nossas mulas. Mas não temos outro remédio senão ir”, conta-nos um habitante local.

Nas aldeias da região, os militares costumam fechar os olhos ao contrabando. Mas não aqui. Estamos em Uludere ou Roboski, o nome curdo de uma localidade que se tornou conhecida pelas piores razões. Em 2011, 34 habitantes foram mortos num bombardeamento dos F-16 da Força Aérea turca. Eram contrabandistas que atravessavam a fronteira. As famílias continuam a pedir a abertura de um processo. Mas ainda nada avançou. Segundo Wahid Encu, um dos responsáveis da associação de familiares criada após o ataque, as autoridades turcas propõem pagar indemnizações em troco do silêncio.

“É dinheiro que está manchado de sangue, não o vamos aceitar. Vamos lutar para que o processo ande para a frente. Por isso é que o Estado nos está a pressionar. Houve detenções, há pessoas na cadeia. Porquê? Porque querem calar-nos”, afirma.

Esta província tem o nome de Sirnak. A população, maioritariamente curda, é confrontada há anos com o braço de ferro entre o exército turco e o PKK, o movimento separatista curdo que foi interditado por Ancara. Em 2013, houve um cessar-fogo entre ambas as partes. Mas as eleições do ado mês de junho despedaçaram as tréguas.

Na capital da província, com o mesmo nome – Sirnak -, têm-se sucedido confrontos nas ruas. Marcámos encontro com Leyla Birlik, deputada do HDP, o principal partido pró-curdo que conseguiu tirar a maioria absoluta ao AKP, o partido do presidente Recep Tayyip Erdogan, no último escrutínio. Desde então, afirma Leyla, o Estado exprime-se somente através das armas em Sirnak.

No início de outubro, o cunhado de Leyla foi executado por polícias, na sequência de mais uma vaga de embates entre as autoridades e os militantes separatistas curdos. A imagem do cadáver arrastado por um blindado ao longo das ruas de Sirnak foi amplamente difundida nas redes sociais.

Para Leyla, “o problema do AKP é o sucesso que alcançámos. E para o tentar arrasar, as forças policiais intensificaram a violência depois das eleições de 7 de junho. Sob todas as formas: detenções, bombardeamentos das montanhas do Curdistão… Estamos todos a ser atacados – os militantes do HDP e todas as correntes políticas curdas que lutam pela liberdade. Aquilo que fizeram ao meu cunhado não foi inédito. Os filhos do povo curdo já são preparados para o pior, já viram decapitações. São coisas a que já assistimos. O que acontece, neste momento, é que o resto do mundo começa a ter noção do que se a. E são as próprias forças de segurança que gravam as imagens que são difundidas.”

Em Sirnak, não é difícil encontrar relatos que ilustram formas de pressão diferentes. Na istração pública, por exemplo. Uma funcionária turca decidiu falar connosco mas sob anonimato, uma vez que a lei impede que os funcionários públicos falem aos media: “A partir das 5 da tarde, não se pode sair à rua. Não se pode fazer nada. Porquê? Porque há blindados a ar nas ruas, ao nosso lado. E em cima deles estão polícias armados, com a mão no gatilho. As pessoas acham que, a qualquer momento, pode haver um incidente e serem abatidas. A ideia que eles am é que podem fazer o que lhes apetece, sem que ninguém possa reagir.”

A cerca de 50 quilómetros situa-se Cizre, um dos bastiões do Movimento da Juventude Patriótica Revolucionária (YDG-H), próximo do PKK. Os rebeldes ergueram barricadas em vários pontos da cidade para tentar bloquear o o do exército. As autoridades impam o recolher obrigatório no início de setembro. Houve confrontos que fizeram 21 mortos e deixaram inúmeras ruas em ruínas#. “Havia atiradores nos telhados. Houve pessoas abatidas à porta de casa, algumas mesmo já dentro de casa”, descreve Emirhan Uysal, de uma associação de direitos humanos.

Numa outra parte da cidade, fomos ao encontro de um grupo de jovens rebeldes. Dizem que estão preparados para a guerrilha urbana e que montam guarda, dia e noite, para proteger os habitantes locais. Afirmam também que não vão baixar as armas enquanto não houver novas negociações de paz. “Eles atacam-nos com bombas, com tanques. Nós temos de nos proteger, de proteger o nosso povo. Queremos a paz, não queremos a guerra. Somos jovens, queremos um futuro. Pedimos ao Estado que pare de uma vez por todas de nos pressionar”, diz um deles.

Bahram mostra-nos os buracos das balas no portão da sua casa. Um dos disparos atingiu a sua irmã de apenas dez anos. Como a cidade se encontrava sitiada, as ambulâncias não conseguiram chegar ao local. Durante alguns dias, o corpo da criança foi conservado numa arca frigorífica. Bahram explica que “não havia maneira de a enterrar, eles disparavam sobre qualquer pessoa que saísse à rua. É muito triste não ver senão a morte, dum lado e do outro. Chega de mortos, chega de derramar sangue. Chega de ver as mães a chorarem os seus filhos. A minha irmã foi a oitava pessoa da minha família a ser morta em confrontos. Outros ficaram mutilados. E mesmo assim, eu não acho que o conflito armado seja a solução. Precisamos de paz.”

Ir para os atalhos de ibilidade
Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

França depois dos atentados de 2015

A questão central das eleições alemãs é a transição energética

Certificação do queijo halloumi suscita controvérsia entre UE, cipriotas gregos e turcos