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Dentro de alguns anos, quem estar\u00e1 aqui n\u00e3o seremos n\u00f3s, mas sim elas, porque aquilo que estamos a fazer \u00e9 plantar uma semente\u201d, considera.As volunt\u00e1rias andam de casa em casa para convidar as mulheres a participarem nos cursos, para alargar a rede e poder identificar situa\u00e7\u00f5es de perigo. Foi o que aconteceu com Carmen, que sofria em sil\u00eancio os maus tratos do seu companheiro: \u201cMery soube da minha situa\u00e7\u00e3o atrav\u00e9s da sua comadre. Chegou no momento em que eu mais precisava. Estive prestes a perder a vida, ali\u00e1s tentei tr\u00eas vezes acabar com tudo. Sem a ajuda das Borboletas, talvez n\u00e3o estivesse aqui agora. Estava demasiado afetada psicologicamente. As Borboletas foram a minha salva\u00e7\u00e3o.\u201dO mesmo aconteceu com Cecilia, que teve de fugir de casa de um momento para outro, com as duas filhas, para se libertar das agress\u00f5es do marido. As autoridades estavam prevenidas, mas nada fizeram. \u201c\u00c0s vezes, as mulheres quando est\u00e3o desesperadas, n\u00e3o sabem o que fazer. \u00c9 importante conseguir encontrar um lugar onde nos d\u00eaem apoio e carinho. Eu estou agradecida \u00e0 rede Borboletas, porque aprendi que n\u00f3s, mulheres, temos direitos que desconhecemos e que n\u00e3o fazemos valer\u201d, afirma Cecilia.As Borboletas tamb\u00e9m trabalham no sentido de incentivar as institui\u00e7\u00f5es colombianas a defender os mesmos direitos na luta contra a viol\u00eancia de g\u00e9nero. Carlos Eduardo Vald\u00e9s, diretor-geral do Instituto Nacional de Medicina Legal colombiano, salienta que \u201cmuitas pessoas que sofrem o flagelo da viol\u00eancia nunca ir\u00e3o \u00e0 procura de uma institui\u00e7\u00e3o, porque t\u00eam medo, sobretudo, e porque est\u00e3o completamente indefesas. Esta rede permite-nos n\u00e3o s\u00f3 conhecer as situa\u00e7\u00f5es, mas tamb\u00e9m assumir um compromisso com essas pessoas.\u201dMaritza, Mery e Gloria querem transformar uma casa em Buenaventura num ref\u00fagio para mulheres v\u00edtimas de viol\u00eancia. Um sonho que, garantem, ser\u00e1 realidade. 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As mulheres que derrubam o silêncio na Colômbia

As mulheres que derrubam o silêncio na Colômbia
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De Beatriz Beiras
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Trata-se de uma cidade em torno de um porto natural abrigado do Oceano Pacífico. Um local privilegiado, na rota do Canal do Panamá, rico em recursos naturais. Falamos de Buenaventura, na Colômbia, onde as circunstâncias parecem ser ideais para a prosperidade dos seus cerca de 400 mil habitantes. O porto de águas profundas está a tornar-se no mais importante do país, em termos de volume de cargas. Mas os benefícios estão muito longe de chegar à população.

Pelo contrário, ao longo dos anos, Buenaventura atraiu narcotraficantes e paramilitares que tomaram o controlo dos bairros junto ao mar. São eles que ditam a lei. Há dois grupos armados que se impõem na luta pelo poder territorial: Los Urabeños e La Empresa. Ambos exigem dinheiro aos comerciantes e sequestram. Aqueles que questionam os seus métodos ou que tentam contorná-los são encontrados desmembrados.

Em março, cerca de 2500 militares foram mobilizados para a cidade, onde o reforço da presença policial trouxe uma calma aparente. Mas aqui é o silêncio que fala mais forte. Foram criadas fronteiras invisíveis entre os bairros que se tornaram autênticos muros. Os relatos das mulheres que vivem aqui são impressionantes: “Não podemos simplesmente atravessar de uma rua para outra, porque podem matar-nos, violar-nos, fazer-nos desaparecer. Algumas mulheres não podem sair de casa para ir trabalhar, porque um dia estes senhores decidem: ‘Hoje ninguém sai à rua, fica tudo dentro de casa’” (Mery); “Um dos miúdos das escolas que coordeno desapareceu e foi esquartejado, no ano ado” (Gloria); “Eu vi o meu filho ser morto. É muito difícil. É uma marca que fica para a vida, quando se está cara a cara com o assassino do seu filho” (Fabiola).

Gloria, Mery e Maritza pertencem à comunidade afro-colombiana, onde são as mulheres que assumem a maioria das responsabilidades, a meio caminho entre a força de caráter e a fragilidade provocada pela violência generalizada. Elas fazem parte de uma rede chamada “Borboletas com asas novas, construindo o futuro”, que junta uma centena de mulheres vindas de nove associações locais.

Gloria dá aulas todos os dias numa escola rural. É também coordenadora de um grupo de mulheres que trabalha no campo. Há trinta anos que desenvolve atividades de apoio social. Mãe de duas estudantes universitárias, Gloria é uma das fundadoras e dinamizadoras da rede Borboletas, cujo objetivo, nas suas palavras, é “acompanhar e apoiar a mulher em diferentes circunstâncias, sobretudo em etapas mais violentas.”

Nas zonas rurais, há muita gente que se viu forçada a fugir devido ao avanço da guerrilha que procura controlar o território e impedir a instalação doutros grupos armados. Foi essa a situação vivida por uma mãe de 7 filhos, que nos conta o que sofreu às mãos do seu antigo companheiro, em 2013: “Ele apontou-me uma pistola à cabeça, disse que me ia matar. Mas o tiro não saiu. Ele ia tentar outra vez, mas eu dei-lhe com a mão e o tiro atingiu-me no pé. Ele queria matar-me.” A bala continua alojada no pé. Há apenas alguns meses, esta mulher foi obrigada a fugir da sua terra: “O que nos fez sair começou por ser um pequeno problema. Tenho um filho que está traumatizado desde 2003. Não pode ouvir um tiro, fica logo muito assustado. Partimos para Buenaventura, ficámos no Coliseu de Cristal, onde nos deram um colchão e um cobertor. Dormimos no chão durante dois meses e meio, até regressarmos. A rede Borboletas ajudou-me muito. As mulheres deram-me muita atenção, tinha várias necessidades. Foram muito atenciosas.”

Uma outra dinamizadora do grupo é Mery, que cumpre o sonho que sempre acalentou de efetuar trabalho social. Neste dia, Mery participava num ateliê no bairro de San Francisco, organizado por Fabiola, que lidera a associação “Mães Pela Vida”. As voluntárias aprendem a fazer face a atos de agressão contra mulheres e a conhecer a lei 12-57, que a Colômbia aprovou em 2008, e que preconiza relações de igualdade e respeito. “Temos de continuar a lutar. Não podemos deixar que os nossos maridos nos pisem, que nos oprimam. Temos de nos levantar e dizer: ‘O que é que se a? Eu também tenho direitos, os mesmos que tu.’ Estou a ver-vos com uma cara triste, mas da próxima vez quero vê-las todas a sorrir, ok"> Notícias relacionadas

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