No dia em que morreu o pai da extrema-direita europeia, a Euronews recorda os momentos mais chocantes de Le Pen durante o tempo em que foi eurodeputado.
Jean-Marie Le Pen morreuesta terça-feira aos 96 anos. O líder da Frente Nacional (FN), mais tarde rebatizada de Rassemblement National (RN) quando a sua filha Marine assumiu a liderança, foi eurodeputado durante 35 anos. Durante este tempo, deixou uma marca duradoura no hemiciclo. De insultos e negações do Holocausto a problemas legais, eis os momentos mais polémicos do falecido eurodeputado.
1) "As câmaras de gás foram apenas um pormenor da Segunda Guerra Mundial"
Sempre provocador, Le Pen trouxe o tema do Holocausto a uma edição de 1987 do programa Le Grand Jury da RTL. "Não estou a dizer que as câmaras de gás não existiram. Mas penso que não am de um pormenor na história da Segunda Guerra Mundial", afirmou.
Voltou a afirmá-lo no Parlamento Europeu em 2009: "Mantenho-me firme na minha posição de que as câmaras de gás são apenas um pormenor na história da Segunda Guerra Mundial", disse Le Pen, irritado, revirando os olhos enquanto um grupo deputados o vaiava ruidosamente.
Foi uma ideia que repetiu ao longo das décadas. Apesar de ter lamentado o facto em 1995, voltou a insistir em 1997, dizendo: "Num livro de mil páginas sobre a Segunda Guerra Mundial, os campos de concentração ocupam duas páginas e as câmaras de gás, 15 linhas. É a isto que chamamos um pormenor".
2) Tudo menos Le Pen
Le Pen era tão controverso entre os seus colegas do Parlamento Europeu que estes alteraram as regras para o impedir de presidir às sessões.
Até 2009, era tradição que o deputado mais velho presidisse à primeira sessão plenária do Parlamento, enquanto se aguardava a eleição de um novo presidente.
Para evitar este cenário, os eurodeputados de centro-direita e de esquerda fizeram alterações ao regulamento interno do Parlamento Europeu. Atualmente, o presidente em exercício preside à primeira sessão e, se não for reeleito, o vice-presidente mais antigo ou o deputado com o mandato mais longo assume o cargo.
3) "Sinto-me como se estivesse entre os bolcheviques!"
Setembro de 2011. Durante um debate sobre os atentados na Noruega, ocorridos dois meses antes, Le Pen associou a integração das populações imigrantes ao massacre perpetrado por um extremista de extrema-direita. O eurodeputado francês dos Verdes, Daniel Cohn-Bendit, ficou ofendido e declarou "É intolerável que o Parlamento Europeu receba um deputado que faz comentários tão racistas e abomináveis".
Em resposta, Le Pen, furioso, retorquiu: "Fui atacado pelo pedófilo Cohn-Bendit (...). Tenho o direito de lembrar às pessoas que ele foi implicado aqui por ter dado abrigo um terrorista do Exército Vermelho! Tenho o direito de defender a minha honra!". A sua filha Marine Le Pen foi vista a rir.
Quando o então Presidente do Parlamento Europeu, Jerzy Buzek, lhe cortou o microfone, Le Pen gritou: "Sinto-me como se estivesse entre os bolcheviques!"
4) Deputados contra jornalistas: uma luta parlamentar
O poder de polarização de Jean-Marie Le Pen era tal que as tensões aumentavam mesmo quando ele não estava na sala. O exemplo mais emblemático? Em abril de 2002, houve uma briga entre deputados e jornalistas que se encontravam numa das salas de imprensa do Parlamento.
Le Pen tinha cancelado à última hora uma conferência de imprensa, receando ser interrompido por colegas hostis que faziam campanha contra ele. Mas o ambiente era tão desagradável que a sua ausência provocou uma luta entre os jornalistas que tinha deixado pendurados e os deputados que estavam presentes na sala.
O resultado foi uma situação caótica, com jornalistas e deputados a confrontarem-se e insultarem-se mutuamente.
Mas enquanto a imprensa se confrontava com os deputados, para onde é que Le Pen desapareceu? O político "usou as portas das traseiras" para regressar ao seu gabinete, onde cumprimentou um jornalista e garantiu que "não estava desmotivado" com toda a agitação em torno da sua personalidade.
5) Um ano de expulsão do Parlamento
Le Pen não era estranho aos tribunais, tendo sido frequentemente acusado de glorificar crimes de guerra, de negar o Holocausto, de incitar ao ódio ou de insultos públicos. No entanto, foi uma condenação por violência que lhe custou o lugar no Parlamento Europeu durante um ano.
Em 1997, o eurodeputado agrediu um candidato socialista durante as eleições legislativas na região de Paris. Um ano mais tarde, foi condenado pela agressão. Esta condenação levou-o também a perder temporariamente o seu cargo de conselheiro regional da Provença-Alpes-Côte d'Azur.
Após uma batalha judicial em França e a nível europeu, acabou por ser expulso em abril de 2003, tendo regressado às eleições europeias no ano seguinte. "Uma grande injustiça e sanções totalmente desproporcionadas", declarou na altura da sua expulsão.
6) Adeus ao "inútil" Parlamento Europeu
Após 35 anos sentado no hemiciclo, Jean-Marie Le Pen não derramou lágrimas ao despedir-se do Parlamento Europeu. Em vez disso, usou o seu último discurso - um monólogo amargo de quatro minutos em francês - para lamentar a alegada "inutilidade" do Parlamento Europeu em relação à "invasão de imigrantes".
"Os senhores deputados, que ficaram cegos, surdos e mudos, serão amaldiçoados pelo futuro. A Europa é impotente. Pior: paralisa as reações nacionais que deveriam mobilizar os seus povos."
Depois de se ter queixado de que a instituição "não a de um moinho de vento", que carrega sacos de areia "em vez de sacos de cereais", Le Pen observou que a sua única recordação, após oito mandatos parlamentares consecutivos, é "um sentimento de ineficácia". Terminou o discurso sob as palmas dos eurocéticos.
7) O escândalo dos falsos empregos da Frente Nacional
Le Pen e o seu partido, a FN, foram acusados de desvio de fundos entre 2004 e 2016. A sentença está prevista para 31 de março de 2025, mas devido à sua morte, Le Pen nunca será condenado.
O julgamento sobre o alegado desvio de fundos europeus pelo partido de Le Pen teve início em setembro.
Vinte e cinco pessoas, entre as quais Jean-Marie Le Pen, foram acusadas de desviar fundos europeus, destinados a pagar assistentes parlamentares a eurodeputados, para indivíduos que, na realidade, trabalhavam para o partido.
Jean-Marie Le Pen foi declarado incapaz de comparecer no julgamento devido à sua saúde frágil. O seu advogado declarou que "já não pode viajar e as suas faculdades estão gravemente diminuídas".