{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/my-europe/2016/05/12/o-tabu-que-malta-criou-em-torno-do-aborto" }, "headline": "O tabu que Malta criou em torno do aborto", "description": "Malta continua a encarar a quest\u00e3o do aborto como um crime. Em todas as suas vertentes, mesmo que tenha havido uma viola\u00e7\u00e3o ou haja risco de vida. No", "articleBody": "Malta continua a encarar a quest\u00e3o do aborto como um crime. Em todas as suas vertentes, mesmo que tenha havido uma viola\u00e7\u00e3o ou haja risco de vida. No exterior, muitos denunciam uma pol\u00edtica arcaica. Mas, neste arquip\u00e9lago, como constat\u00e1mos, parece imperar a lei do sil\u00eancio. \u201cFiquei gr\u00e1vida aos 17 anos. Decidi ir a Inglaterra para abortar. Mas as coisas correram mal durante a opera\u00e7\u00e3o. Acordei a meio, s\u00f3 queria sair dali. Eles disseram-me \u2018n\u00e3o, n\u00e3o, n\u00e3o\u2019 e voltaram a deitar-me. Depois acho que fizeram tudo \u00e0 pressa porque, quando sa\u00ed no dia seguinte, tinha muitas dores. Comecei a sangrar imenso no avi\u00e3o, co\u00e1gulos de sangue.\u201d \u201cFoi pouco antes de fazer 44 anos. Falei com o meu marido e decidimos que o melhor para a fam\u00edlia, para os nossos quatro filhos, era fazer um aborto. \u00c9 muito duro, porque em Malta n\u00e3o podemos falar com ningu\u00e9m sobre isto. Temos de guardar segredo como se tiv\u00e9ssemos cometido um crime.\u201d Dois depoimentos an\u00f3nimos, uma realidade. Em Malta, a interrup\u00e7\u00e3o volunt\u00e1ria da gravidez \u00e9 \u00edvel de pena de pris\u00e3o entre 18 meses e tr\u00eas anos, mesmo em casos de viola\u00e7\u00e3o, de riscos para a sa\u00fade da m\u00e3e ou de malforma\u00e7\u00e3o do feto. O culto da maternidade O aborto em Malta \u00e9 um tema verdadeiramente tabu. \u00e1mos horas e horas a tentar obter depoimentos, sobretudo por parte daqueles que s\u00e3o a favor da despenaliza\u00e7\u00e3o. Eles existem, s\u00e3o bastante ativos nas redes sociais. Mas ningu\u00e9m quer dar a cara. N\u00e3o \u00e9, de todo, o caso de Paul Vincenti, um empres\u00e1rio que se tornou numa das principais figuras do Gift of Life, um movimento pr\u00f3-vida malt\u00eas. \u201ara mim, e para a maior parte das pessoas aqui em Malta, a vida come\u00e7a no momento da conce\u00e7\u00e3o. \u00c9 impens\u00e1vel matar um outro ser humano simplesmente porque ele n\u00e3o foi desejado. N\u00f3s definimo-nos como pr\u00f3-vida, n\u00e3o como antiaborto. Matar \u00e9 errado. \u00c9 errado matar uma crian\u00e7a. O correto \u00e9 ajudar uma m\u00e3e que se encontre nesse tipo de situa\u00e7\u00e3o\u201d, declara. O culto da maternidade \u00e9 muito pronunciado neste arquip\u00e9lago mediterr\u00e2nico, com cerca de 450 mil habitantes. O Minist\u00e9rio da Educa\u00e7\u00e3o ajudou a criar o Servizz Ghozza, um centro para m\u00e3es adolescentes. T\u00eam entre 12 e 18 anos, e integram um programa que lhes fornece acompanhamento durante a gesta\u00e7\u00e3o e nos primeiros meses ap\u00f3s o parto. A respons\u00e1vel, Melanie Bonavia, salienta que \u201co programa em si ajuda-as a tomar consci\u00eancia n\u00e3o s\u00f3 do papel de jovens m\u00e3es, mas tamb\u00e9m de estudantes e de mulheres. E talvez ainda como parceiras numa rela\u00e7\u00e3o e como membros de uma fam\u00edlia.\u201d Deborah Bartolo recorreu ao centro h\u00e1 cinco anos. Hoje em dia, sempre que pode, esta professora vem dar uma m\u00e3o nas atividades. \u201cFazer este programa torna-nos seres humanos mais fortes. Eu acredito que todas as vidas t\u00eam direito a nascer e a serem valorizadas. A responsabilidade era minha, o que \u00e9 que eu podia fazer? Se procurarmos ajuda, encontramo-la e conseguimos ir at\u00e9 ao fim\u201d, afirma. \u201cComo \u00e9 que se vive depois de ar por uma situa\u00e7\u00e3o destas?\u201d Mas h\u00e1 quem n\u00e3o queira seguir o mesmo caminho. Para essas mulheres, a op\u00e7\u00e3o mais comum \u00e9 procurar uma cl\u00ednica no Reino Unido ou na Sic\u00edlia, mesmo ao lado. Ao que tudo indica, o n\u00famero de abortos clandestinos em Malta \u00e9 praticamente inexistente. Os m\u00e9dicos incorrem numa pena de 4 anos de pris\u00e3o e a expuls\u00e3o da atividade. Ali\u00e1s, entre os profissionais de sa\u00fade, abordar o tema \u00e9 mal visto e mesmo arriscado. Fal\u00e1mos com uma m\u00e9dica que tamb\u00e9m preferiu o anonimato. \u201cH\u00e1 muita gente que se mostra intransigente na quest\u00e3o do aborto, mas depois vai faz\u00ea-lo na mesma. Conhe\u00e7o est\u00f3rias de mulheres que regressaram ainda sedadas, a sangrar. Isto \u00e9 um facto. Um dos aspetos que ser\u00e1 talvez mais compreens\u00edvel nesta quest\u00e3o tem a ver com as m\u00e3es que n\u00e3o s\u00e3o autorizadas a abortar, mesmo sabendo que o feto n\u00e3o ter\u00e1 hip\u00f3teses de sobreviver. Eu pr\u00f3pria j\u00e1 vi, no espa\u00e7o de algumas horas, duas crian\u00e7as nascerem, uma anenc\u00e9fala, ou seja sem c\u00e9rebro, outra com o S\u00edndrome de Edwards, que n\u00e3o \u00e9 compat\u00edvel com a vida. E as m\u00e3es tiveram de as ver morrer na incubadora. Como \u00e9 que se vive depois de ar por uma situa\u00e7\u00e3o destas?\u201d, pergunta. Eleanor Borg trabalha como psicoterapeuta. \u00c9 diretora de um programa de apoio a gr\u00e1vidas em situa\u00e7\u00f5es de dificuldades e tamb\u00e9m d\u00e1 aconselhamento a mulheres que j\u00e1 abortaram. Uma coisa, assegura, \u00e9 certa: o trauma fica. \u201cComo o aborto \u00e9 ilegal em Malta, h\u00e1 muito medo do julgamento dos outros. Se eu, por exemplo, decidisse faz\u00ea-lo, teria receio de partilhar essa experi\u00eancia com quem quer que fosse. Guardaria tudo para mim. S\u00f3 que, dessa forma, n\u00e3o h\u00e1 hip\u00f3tese de sarar. N\u00e3o se faz o luto. A experi\u00eancia permanece interiorizada, os sintomas v\u00e3o piorando ao longo dos anos. S\u00e3o in\u00fameras as implica\u00e7\u00f5es que isto tem na vida de uma mulher\u201d, considera Borg. O consenso no poder e os movimentos espont\u00e2neos O governo de Malta n\u00e3o prev\u00ea, por agora, qualquer altera\u00e7\u00e3o na lei. Tanto os trabalhistas que est\u00e3o no poder como a oposi\u00e7\u00e3o conservadora se anunciam contra eventuais mudan\u00e7as. Segundo as sondagens, 60% dos malteses defende a mesma posi\u00e7\u00e3o. Renee Laiviera, \u00e0 frente da Comiss\u00e3o Nacional para a Promo\u00e7\u00e3o da Igualdade, diz que \u201cao longo dos anos, alguns grupos da sociedade come\u00e7aram a mexer-se. Na verdade, 60% da popula\u00e7\u00e3o \u00e9 contra, o que em si j\u00e1 demonstra que houve mudan\u00e7as. Antes, a percentagem era muito maior. No entanto, os dois grandes partidos pol\u00edticos mant\u00eam a mesma posi\u00e7\u00e3o. Ou seja, diria que tem de haver um debate p\u00fablico. O grupo que pretende mudar alguma coisa tem de trabalhar nesse sentido.\u201d O governo trabalhista fez aprovar outras leis relativas \u00e0 uni\u00e3o civil de casais homossexuais, por exemplo, ou \u00e0 liberdade de identidade de g\u00e9nero. Mas ningu\u00e9m toca no assunto do aborto, numa sociedade que faz eco de princ\u00edpios cat\u00f3licos profundamente enraizados. Mas a explica\u00e7\u00e3o n\u00e3o reside apenas a\u00ed. \u00e1mos v\u00e1rios soci\u00f3logos para tentar procurar respostas. Nenhum deles aceitou uma entrevista. Foi na localidade de Zabbar que encontr\u00e1mos finalmente a luz. Na rua da Imaculada Concei\u00e7\u00e3o\u2026 Segundo Andrea Dibben, investigadora em pol\u00edtica social, h\u00e1 um fator que pesa muito neste pa\u00eds: a prote\u00e7\u00e3o dos elementos que comp\u00f5em a identidade nacional, ali\u00e1s uma quest\u00e3o que gerou muitas preocupa\u00e7\u00f5es durante a ades\u00e3o \u00e0 Uni\u00e3o Europeia. \u201cMalta \u00e9 um pa\u00eds muito pequeno. Os elementos de controlo social, a estigmatiza\u00e7\u00e3o, tendem a ser muito mais significativos do que em sociedades maiores. \u00c9 uma ilha que foi colonizada h\u00e1 7 mil anos. H\u00e1 um medo da invas\u00e3o, e quando digo invas\u00e3o n\u00e3o me refiro apenas \u00e0 invas\u00e3o f\u00edsica\u2026 H\u00e1 todo um receio da invas\u00e3o concetual, de que os nossos pensamentos, o nosso estilo de vida, a nossa identidade nacional, os nossos comportamentos se comecem a decompor por causa da influ\u00eancia de pa\u00edses mais liberais\u201d, real\u00e7a Dibben. Mas se impera o sil\u00eancio em torno da interrup\u00e7\u00e3o volunt\u00e1ria da gravidez, o mesmo n\u00e3o acontece com a quest\u00e3o da p\u00edlula do dia seguinte, tamb\u00e9m proibida em Malta. sca Fenech Conti criou uma p\u00e1gina no Facebook reservada a mulheres para discutir o tema, mas o objetivo \u00e9 iniciar um debate p\u00fablico. Segundo ela, \u201cas escolhas que existem, neste momento, s\u00e3o perigosas. Em vez de poderem utilizar uma contrace\u00e7\u00e3o de emerg\u00eancia \u2013 a p\u00edlula que se vende em todas as farm\u00e1cias noutros pa\u00edses -, as mulheres s\u00e3o obrigadas a tomar os contracetivos normais em grandes quantidades. Isso tamb\u00e9m pode ser perigoso. N\u00f3s queremos iniciar um debate informado. Esperemos que isto seja o in\u00edcio da mudan\u00e7a aqui em Malta. Pelo futuro. 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O tabu que Malta criou em torno do aborto

O tabu que Malta criou em torno do aborto
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De Valérie Gauriat
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Malta continua a encarar a questão do aborto como um crime. Em todas as suas vertentes, mesmo que tenha havido uma violação ou haja risco de vida. No

Malta continua a encarara questão do aborto como um crime. Em todas as suas vertentes, mesmo que tenha havido uma violação ou haja risco de vida. No exterior, muitos denunciam uma política arcaica. Mas, neste arquipélago, como constatámos, parece imperar a lei do silêncio.

“Fiquei grávida aos 17 anos. Decidi ir a Inglaterra para abortar. Mas as coisas correram mal durante a operação. Acordei a meio, só queria sair dali. Eles disseram-me ‘não, não, não’ e voltaram a deitar-me. Depois acho que fizeram tudo à pressa porque, quando saí no dia seguinte, tinha muitas dores. Comecei a sangrar imenso no avião, coágulos de sangue.”

“Foi pouco antes de fazer 44 anos. Falei com o meu marido e decidimos que o melhor para a família, para os nossos quatro filhos, era fazer um aborto. É muito duro, porque em Malta não podemos falar com ninguém sobre isto. Temos de guardar segredo como se tivéssemos cometido um crime.”

Dois depoimentos anónimos, uma realidade. Em Malta, a interrupção voluntária da gravidez é ível de pena de prisão entre 18 meses e três anos, mesmo em casos de violação, de riscos para a saúde da mãe ou de malformação do feto.

O culto da maternidade

O aborto em Malta é um tema verdadeiramente tabu. ámos horas e horas a tentar obter depoimentos, sobretudo por parte daqueles que são a favor da despenalização. Eles existem, são bastante ativos nas redes sociais. Mas ninguém quer dar a cara.

Não é, de todo, o caso de Paul Vincenti, um empresário que se tornou numa das principais figuras do Gift of Life, um movimento pró-vida maltês. “Para mim, e para a maior parte das pessoas aqui em Malta, a vida começa no momento da conceção. É impensável matar um outro ser humano simplesmente porque ele não foi desejado. Nós definimo-nos como pró-vida, não como antiaborto. Matar é errado. É errado matar uma criança. O correto é ajudar uma mãe que se encontre nesse tipo de situação”, declara.

O culto da maternidade é muito pronunciado neste arquipélago mediterrânico, com cerca de 450 mil habitantes. O Ministério da Educação ajudou a criar o Servizz Ghozza, um centro para mães adolescentes. Têm entre 12 e 18 anos, e integram um programa que lhes fornece acompanhamento durante a gestação e nos primeiros meses após o parto. A responsável, Melanie Bonavia, salienta que “o programa em si ajuda-as a tomar consciência não só do papel de jovens mães, mas também de estudantes e de mulheres. E talvez ainda como parceiras numa relação e como membros de uma família.”

Deborah Bartolo recorreu ao centro há cinco anos. Hoje em dia, sempre que pode, esta professora vem dar uma mão nas atividades. “Fazer este programa torna-nos seres humanos mais fortes. Eu acredito que todas as vidas têm direito a nascer e a serem valorizadas. A responsabilidade era minha, o que é que eu podia fazer? Se procurarmos ajuda, encontramo-la e conseguimos ir até ao fim”, afirma.

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