A digitalização vai ajudar os inspetores a fiscalizar a pesca, libertar os pescadores de escreverem longos relatórios e, eventualmente, tornar esta atividade menos dura.
Båtsfjord é uma aldeia piscatória na costa norte da Noruega, muito além do Círculo Polar Ártico. Apesar de ter apenas alguns milhares de moradores, é um centro vital do setor piscatório desta zona.
Muitas das pessoas que aqui moram são pescadores. Um trabalho duro em águas frias e imprevisíveis.
“Pode ser difícil, especialmente no outono e inverno”, diz Tommy Jonassen, que é proprietário de um barco. “O tempo é muito imprevisível. Faz muito frio e, claro, o barco pode ficar muito agitado”
Jonassen usa grandes redes para apanhar a maior quantidade de peixe possível. O grande interesse é o bacalhau, porque rende mais dinheiro, mas as redes trazem uma mistura de espécies.
O peixe indesejado não pode ser simplesmente devolvido ao mar. Cada espécie tem de ser pesada e registada separadamente. É que a qualquer momento pode haver uma inspeção e um erro no relatório de captura pode ter consequências graves, como multas e até uma redução das quotas.
“O setor da pesca na Noruega está muito regulado. Portanto, é muito importante para nós ter o número exato do que pescamos para o declarar ao Governo”, explica Tommy Jonassen.
Pesar e separar o peixe
Mas como é que se pesa toneladas de peixe, de diferentes tipos, de forma rápida e precisa? Normalmente, os pescadores fazem uma estimativa do peso total ao contar as caixas de peixe, mas há agora um novo dispositivo desenhado para tornar esta contagem mais fácil e rigorosa.
O scanner de captura, que ainda está fase de em desenvolvimento, usa inteligência artificial para identificar espécies, tamanho e peso, enquanto o peixe a numa correia transportadora.
Mas as novas ferramentas digitais nas embarcações de pesca podem fazer muito mais do que apenas contar as capturas. A Europa está a intensificar o combate à pesca ilegal e, nos próximos anos, isto este controlo vai contar com grandes inovações tecnológicas.
O EveryFish é um projeto europeu que desenvolve ferramentas inteligentes para o registo de captura de pesca. É liderado por Rachel Tiller, cientista-chefe no SINTEF Ocean, em Trondheim.
“Estamos a observar vários desenvolvimentos na tecnologia de câmaras, visão por computador e inteligência artificial e a tentar encontrar soluções para colocar sensores nas embarcações de pesca que nos ajudem a registar automaticamente todo o peixe que sai do mar”, explica Tiller.
Trabalhar com os pescadores
Mas há ainda muitos desafios de engenharia pela frente, como tornar os scanners fiáveis e precisos para que pescadores, cientistas e inspetores confiem nos dados que a inteligência artificial produz a bordo.
Para atingir este objetivo, os investigadores do EveryFish desenvolveram métodos de inteligência artificial em código aberto para identificar as espécies de peixe e fazer uma estimativa do peso.
Os engenheiros também trabalham de perto com pescadores para garantir que estas soluções respondem às necessidades do mundo real e funcionam bem em barcos que balançam nos mares frios e salgados.
“É muito importante obter retorno do setor para moldar o que estamos a fazer aqui no laboratório”, diz Elling Ruud Øye, que é cientista no SINTEF Ocean.
Para contar a captura de peixe em barcos mais pequenos, os investigadores estão a desenvolver sistemas de visão computacional que conseguem identificar e medir o peixe amontoado. Isto vai permitir que pescadores amadores e artesanais possam declarar o peixe capturado através câmaras de videovigilância ou até mesmo de telemóveis.
Mas esta tecnologia também pode ter outra aplicação. Pode a guiar braços robóticos para fazer algumas das tarefas manuais mais difíceis.
“Há muito trabalho árduo na indústria de pesca em geral, por isso é difícil para os ombros, difícil para as costas”, diz o cientista do SINTEF Ocean Jonatan Sjølund Dyrstad.
“O que se pode fazer é talvez automatizar alguns destes processos com braços robóticos. E a chave para fazer isso é ter bons sistemas de visão que sejam capazes de analisar e compreender as cenas que estão a observar”, explica o cientista.
Vigilância causa ceticismo
A União Europeia vai exigir a instalação câmaras de vigilância em embarcações de alto risco, para combater a pesca ilegal e outras infrações. Esta videovigilância vai ter de cumprir as leis de privacidade e proteção de dados. Mesmo assim, os pescadores mostram-se céticos em relação à medida.
“Muitos pescadores já estão muito céticos em relação ao sistema de ter algum tipo de câmara a bordo da embarcação e isso é absolutamente compreensível. Eu também ficaria cética se o meu chefe quisesse instalar uma câmara no meu escritório”, diz Rachel Tiller.
“Por isso, estamos a desenvolver sistemas que vão desfocar automaticamente elementos humanos, para que possamos cumprir com os regulamentos da GDPR”, explica.
Para além das câmaras de vigilância, a União Europeia também vai exigir sistemas de rastreamento por satélite em todos os barcos de pesca. Esta ferramenta ajuda a Agência Europeia do Controlo das Pescas, sedeada em Vigo, a monitorizar a pesca e coordenar inspeções.
O problema é que, com mais embarcações de pesca equipadas com rastreadores, os centros de controlo vão muito mais dados para processar. A solução vai ser recorrer aos algoritmos no processo de filtragem e sinalização de suspeitas.
“Temos algumas ferramentas automáticas que podem realizar algumas análises, por exemplo, relacionadas com uma área fechada ou com as áreas de restrição de pesca que temos, por exemplo, no Mar Mediterrâneo”, diz Carlos Couce, que é de operações da Agência Europeia do Controlo das Pescas.
Apesar destas ferramentas digitais serem vantajosas, os especialistas alertam para as limitações destes equipamentos que, por vezes, podem falhar. Por isso, as fiscalizações do futuro devem combinar as inspeções tradicionais com estas tecnologias.
“Tudo isto é muito bom. Mas, no fim de contas, apesar de toda esta tecnologia, ainda vai ser necessário o contributo profissional do inspetor das pescas”, diz Sven Tahon,especialista em tecnologias de vigilância da Agência Europeia do Controlo das Pescas.
A ideia é que a tecnologia digital possa dar aos pescadores novas ferramentas, para que possam ar mais tempo a pescar e menos tempo a preencher formulários. Também ajuda os cientistas a encontrar novas formas de proteger a saúde dos oceanos para garantir que há peixe no mar durante muitos anos.