"Todos os que estão nos territórios ocupados são reféns do regime russo", disse à Euronews o jornalista ucraniano e ativista dos direitos humanos Maksym Butkevych, que ou mais de dois anos em cativeiro russo.
O jornalista ucraniano e um dos mais proeminentes ativistas dos direitos humanos do país, Maksym Butkevych, ou mais de dois anos em cativeiro na Rússia.
Alistou-se no exército ucraniano em fevereiro de 2022, quando a Rússia iniciou a sua invasão total da Ucrânia. Butkevych participou na defesa de Kiev e, quando as forças russas foram afastadas da capital, foi enviado para o leste da Ucrânia.
Em junho de 2022, foi capturado pelo exército russo perto das cidades ocupadas de Zolote e Hirske, na região de Luhansk, no leste do país.
Os meios de comunicação social russos noticiaram a sua captura a 24 de junho, divulgando um vídeo de propaganda do interrogatório. Em setembro do mesmo ano, o ministério da Defesa russo reconheceu oficialmente a sua detenção.
Em março de 2023, as autoridades nomeadas pela Rússia nas regiões ocupadas de Luhansk e Donetsk da Ucrânia condenaram Butkevych a 13 anos de prisão.
Em 18 de outubro de 2024, regressou à Ucrânia no âmbito de uma troca de prisioneiros de guerra.
Após uma breve reabilitação de quatro semanas, Butkevych regressou ao que sempre quis fazer: defender os direitos humanos. O seu trabalho centra-se na proteção dos direitos dos civis e dos prisioneiros de guerra detidos ilegalmente e no combate à propaganda russa e ao discurso de ódio.
A Euronews falou com Butkevych, em Bruxelas, no dia em que a Rússia e os Estados Unidos da América tiveram o seu primeiro encontro frente a frente sobre um possível acordo relativo à Ucrânia.
"A ideologia russa moderna, e eu via-a, a partir de dentro, em cativeiro, é: tudo é decidido pelo Estado e pelos líderes do Estado. As pessoas são materiais dispensáveis, ferramentas que não têm vontade própria. E, de facto, a resistência que a Ucrânia opôs no início da invasão em grande escala foi enfurecedora para os russos", explicou.
De acordo com o ucraniano, a Rússia tem tentado espalhar a narrativa de que a Ucrânia e os ucranianos são "uma ferramenta" controlada pelos americanos e europeus. Ao mesmo tempo, a Rússia pensa que a Ucrânia pertence a Moscovo e tem tentado voltar a controlá-la.
"E o instrumento, esta ferramenta, de repente mostrou a sua vontade. De repente, o instrumento tornou-se independente, ativo e disse que é uma comunidade de pessoas que querem ser livres".
Esta realidade, diz, é tão inconsistente com a ideologia do "Russkiy Mir", ou o "Mundo Russo", que até provocou raiva na forma como os guardas prisionais russos tratam os ucranianos.
"O facto de serem as pessoas que estão encarregues de tomar decisões, as pessoas que estão encarregues do seu próprio futuro, causa mal-entendidos e raiva entre aqueles que nos capturaram e aqueles que nos guardam", explicou Butkevych.
E é por isso que qualquer reunião sobre a Ucrânia sem a Ucrânia cai na mesma linha.
"Receio que outros atores internacionais e intervenientes que estão a tratar a Ucrânia desta forma estejam a demonstrar a mesma - chamemos-lhe o que é - abordagem imperial que priva a Ucrânia e os ucranianos da sua própria subjetividade".
"E, nesta visão do mundo, estão muito próximos de Vladimir Putin, o criminoso de guerra, o iniciador do pior e mais sangrento massacre na Europa desde a Segunda Guerra Mundial".
É por isso que ele diz que a Ucrânia não pode ser forçada a quaisquer concessões territoriais. "Se concordarmos que partes do território atualmente ocupado devem ser entregues ao Estado agressor, estaremos a derrotar o sistema de segurança que foi criado na Europa após a Segunda Guerra Mundial".
Este seria um caso "bem-sucedido" de um Estado que invade o território de um Estado vizinho, "matando muitas pessoas, tomando partes do território e mantendo-as para si. E toda a gente concorda com isso".
Mas para Butkevych, cujo nome de guerra é "Moses", nem isso é o maior receio. "Não tenho nenhum fetiche por territórios", explicou, acrescentando que a sua maior preocupação são os milhões de ucranianos que vivem nesses territórios.
Butkevych esteve preso numa colónia penal na região ucraniana de Luhansk, ocupada pelos russos, e a julgar pelo que viu, especialmente no que diz respeito aos civis sob custódia russa, "toda a gente que está nos territórios ocupados é refém do regime russo".
São pessoas que vivem em condições em que podem ser privadas da sua liberdade a qualquer momento e em que os seus direitos podem ser violados.
"Isto pode acontecer a um nível sistémico e estas pessoas não recebem qualquer proteção", disse Butkevych. Além disso, os mecanismos de direitos humanos podem ser, e provavelmente serão, virados do avesso e utilizados contra eles".
Direitos desumanos em cativeiro russo
Mais de 90% dos prisioneiros de guerra ucranianos não recebem qualquer visita de instituições internacionais, incluindo o Comité Internacional da Cruz Vermelha, pelo que não existe qualquer controlo das condições de detenção.
O Ministério Público ucraniano revelou, no ano ado, que 90% dos prisioneiros de guerra regressados declararam ter sido sujeitos a tortura nas prisões russas.
Butkevych afirma que ele e outros ucranianos na mesma colónia penal foram informados diretamente, especialmente durante os primeiros seis meses de detenção, que ninguém tinha o a eles, exceto os guardas prisionais.
"Utilizam este facto como forma de minar a nossa moral e explicam que podem fazer qualquer coisa connosco. Ninguém saberia, quanto mais responsabilizá-los por isso. E nós sabíamos que era verdade porque era verdade".
Butkevych conta que no verão de 2022, logo após ter sido capturado, encontrou-se com um representante da missão de direitos humanos da ONU. Antes da visita, os ucranianos tinham recebido instruções e ameaças sobre "o que nos aconteceria se, de repente, disséssemos algo de errado".
Nunca se encontrou com os representantes do Comité Internacional da Cruz Vermelha, que, segundo ele, eram inicialmente esperados pelos prisioneiros de guerra.
"Acabámos por começar a brincar, por vezes não educadamente, mas simplesmente porque era provavelmente a única organização não governamental cujo mandato estava consagrado no direito internacional humanitário que nos deveria visitar. E isso nunca aconteceu", recordou Butkevych.
De acordo com Butkevych, os russos apenas mencionam a Convenção de Genebra como um "instrumento para intimidar e fazer falsas acusações".
O próprio Butkevych ouviu falar da Convenção de Genebra duas vezes, recorda: a primeira vez quando foi transportado com outros prisioneiros ucranianos para a colónia penal na região de Luhansk.
"Os oficiais russos disseram-nos que não éramos prisioneiros de guerra naquele momento, que tínhamos acabado de desaparecer na zona de guerra e que nos tornaríamos prisioneiros de guerra quando fôssemos levados para o nosso destino, o que significava que podíamos simplesmente desaparecer se nos comportássemos de forma inadequada", disse.
Butkevych diz que ouviu falar da Convenção de Genebra, pela segunda vez, quando foi falsamente acusado de a ter violado. "Foi a segunda vez que vi uma referência à Convenção de Genebra, mas a quarta vez que vi uma referência ao tratamento de civis na acusação do processo forjado contra mim e no veredito", explicou.
"Ou seja, fui acusado de violar a Convenção de Genebra, com base na qual fui declarado e condenado como criminoso de guerra. Esta é a única coisa para a qual utilizam a Convenção de Genebra".
Prisioneiros civis nas mãos do Kremlin
De volta à sua atividade de defensor de direitos humanos, Butkevych disse à Euronews que o seu principal objetivo e prioridade são os civis ucranianos em cativeiro nos territórios ocupados pela Rússia.
"Se tivermos em conta todos aqueles que procuram os seus entes queridos e lutam para os encontrar, centenas de milhares de pessoas estão preocupadas com a necessidade de libertar os nossos civis que se encontram em cativeiro russo. Devem ser libertados o mais rapidamente possível, através de uma troca ou de outra forma", afirmou.
Até lá, deverá existir um mecanismo de controlo independente para verificar as condições de detenção, "porque, infelizmente, conheço as condições de detenção em primeira mão, por experiência própria". A sua mensagem específica para a Europa?
A sua mensagem específica para a Europa? Parem de considerar que se trata de uma história local russo-ucraniana.
"A atividade russa tem como objetivo confirmar e destruir as bases dos valores fundamentais e o que resta do sistema de direito internacional humanitário e do sistema de segurança internacional, que é importante para todos os outros países do mundo", disse Butkevych.
"E é por isso que a Ucrânia precisa de ajudar a proteger estes valores deste sistema".
Há três anos, a maior parte do mundo dava à Ucrânia apenas um punhado de dias antes de cair nas mãos da Rússia.
No entanto, desde então, "os ucranianos já surpreenderam toda a gente tantas vezes e têm enormes recursos para continuar a surpreender quem tem memória curta", salientou Butkevych.
Mas há outro ponto, segundo ele, que é menos otimista, especialmente no que diz respeito a alguns países europeus.
"Se, estritamente de forma hipotética, a Ucrânia não conseguir atingir os seus objetivos sem a ajuda do exterior, isso significará que o 'mundo russo' virá ter com eles, e eles ficarão surpreendidos, mas poderá ser demasiado tarde", concluiu Butkevych.