Embora não seja uma surpresa, a decisão executiva do presidente Trump de abandonar pela segunda vez o esforço internacional para travar o aquecimento global foi recebida com consternação deste lado do Atlântico.
O acordo mundial para limitar o aumento da temperatura global continua a ser "a melhor esperança para toda a humanidade", afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no Fórum Económico Mundial em Davos, um dia depois de Donald Trump ter ordenado a saída dos EUA do Acordo de Paris no seu primeiro dia de regresso à Casa Branca.
"Todos os continentes têm de acelerar a transição para o carbono zero e lidar com o peso crescente das alterações climáticas", afirmou von der Leyen aos líderes mundiais e à elite empresarial que se deslocaram à exclusiva estância de montanha suíça para o encontro anual.
"O impacto é impossível de ignorar: ondas de calor em toda a Ásia, inundações do Brasil à Indonésia, de África à Europa, incêndios florestais no Canadá, na Grécia e na Califórnia, furacões nos Estados Unidos e nas Caraíbas", afirmou.
O comissário europeu para o Clima, Wopke Hoekstra, que também se encontra em Davos, reagiu às palavras de von der Leyen lamentando a decisão de Trump.
"É um desenvolvimento verdadeiramente infeliz que a maior economia do mundo e um dos nossos aliados mais próximos no combate às alterações climáticas se retire do Acordo de Paris", disse Hoekstra, sublinhando que a ciência sobre as alterações climáticas é "cristalina".
"O Acordo de Paris tem bases sólidas e veio para ficar", continuou Hoekstra, que deve propor, ainda este ano, um novo objetivo para as emissões de gases com efeito de estufa até 2040, que, segundo os cientistas da UE, deve ser pelo menos 90% inferior aos níveis de 1990.
Os Estados Unidos vão juntar-se em breve ao Irão, ao Iémen e à Coreia do Norte, e ficar fora do acordo de 2015 que visa manter a temperatura não ultrae em 2°C a média do séc. XIX, no fim da era pré-industrial. Depois de um novo recorde no ano ado, o mundo já está à beira de ultraar o limite de 1,5°C.
Numa das dezenas de ordens executivas assinadas no dia da tomada de posse, Trump decidiu que os EUA fora de quaisquer acordos ambientais que "canalizem os dólares dos contribuintes americanos para países que não requerem, ou não merecem, assistência financeira", e também pede a suspensão do financiamento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que supervisiona a implementação do acordo de Paris e as cimeiras anuais da COP.
Trump retirou os EUA do pacto climático durante a sua primeira presidência, apenas para Joe Biden reverter a decisão em 2020.
"Já estivemos aqui antes", foi a reação do secretário executivo da UNFCCC, Simon Stiell, durante um de discussão separado em Davos hoje, e "a porta permanece aberta" se a América quiser voltar a participar. "O mundo está a ar por uma transição energética que é imparável", afirmou Stiell. "Só no ano ado, mais de 2 mil milhões de dólares foram investidos na transição, e isso compara-se com mil milhões em combustíveis fósseis."
Trump abordou a questão dos combustíveis fósseis numa ordem executiva separada sobre a “libertação” das enormes reservas de petróleo e gás dos Estados Unidos, que descreveu durante o seu discurso de tomada de posse como “ouro líquido” que utilizaria para fazer baixar os preços da energia no seu país e exportar “para todo o mundo”. Num outro, proibiu a emissão de novas licenças para parques eólicos em terra e no mar.
O eurodeputado Michael Bloss, líder da política industrial e climática dos Verdes, afirmou que Trump está "deliberadamente a romper com a ordem global", mas também criticou a decisão de von der Leyen de "assumir a liderança" na ação climática global antes deste "desenvolvimento previsível".
"Se a Europa quer manter a sua autonomia económica e geopolítica, precisa agora de uma estratégia industrial determinada que promova especificamente a inovação, acelere a transformação e traga a Europa de volta ao palco global como uma entidade única", afirmou Bloss.
O Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, é visto pelos Verdes como o mais forte opositor da política ambiental da UE.
"Estamos comprometidos com o Acordo de Paris sobre o Clima, queremos ser neutros em termos climáticos até 2050 e queremos que a Europa seja o primeiro continente neutro em termos climáticos do mundo", disse David McAllister, deputado do PPE, à Euronews.
O Acordo Verde, que foi objeto de uma série de legislação climática e ambiental adoptada nos últimos cinco anos, é "o caminho a seguir", disse o deputado alemão, acrescentando que o seu grupo defende que tudo isto deve ser revisto para garantir que não "prejudica a nossa competitividade".
Tonino Picula, eurodeputado croata do Grupo dos Socialistas e Democratas, disse ver sinais "preocupantes" da "forma de pensar de Trump" na UE. "É possível encontrar em muitos cantos da União Europeia muitas pessoas que pensam que o Acordo Verde é algo abstrato e que não é importante para as suas vidas quotidianas".
Adam Bieland, deputado polaco do partido eurocético ECR, afirmou que a decisão de Trump de abandonar o Acordo de Paris no primeiro dia da sua presidência foi a "decisão soberana de uma nova istração". O eurodeputado polaco criticou o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, por ter rejeitado a ideia de uma cimeira especial sobre as relações entre a UE e os EUA, lançada pelo presidente polaco Andrzej Duda.