O responsável da Oxam diz que "O que está a acontecer na fronteira é uma crise humanitária e de direitos humanos e temos de encontrar soluções humanitárias e de direitos humanos para esta situação".
As organizações de defesa dos direitos humanos criticaram a decisão da Polónia de suspender temporariamente o direito de os migrantes que chegam através da fronteira com a Bielorrússia pedirem asilo, receando que tal possa agravar a atual crise humanitária.
"O que já é uma realidade de facto na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia nos últimos três anos pode ser ainda mais institucionalizado com a implementação da nova lei", escreveu a Oxfam num relatório publicado na semana ada.
O Presidente polaco, Andrzej Duda, aprovou a lei na quarta-feira, depois de a ter criticado anteriormente, e afirmou que a decisão era "necessária para reforçar a segurança das nossas fronteiras".
A aplicação da lei surge numa altura em que a Polónia está a reforçar a fronteira externa da União Europeia, num esforço para se proteger da Rússia e da Bielorrússia, que alegadamente utilizam os fluxos migratórios para a UE.
A Polónia acusou Minsk de oferecer vistos de turismo facilmente obtidos a pessoas de países frágeis de África e do Médio Oriente e de enviar o fluxo de pessoas para a fronteira polaca num esforço para desestabilizar a Polónia e semear o caos.
A rota da Bielorrússia para a Polónia através da floresta de Białowieża tornou-se popular pela primeira vez em 2021.
As autoridades de Varsóvia estão convencidas de que a campanha foi orquestrada pelo Presidente bielorrusso Alexander Lukashenko em retaliação às sanções que a UE impôs ao seu país na sequência das controversas eleições presidenciais de 2020, amplamente consideradas como não sendo livres nem justas.
Lukashenko, dizem eles, dá ordens em conjunto com o Presidente russo Vladimir Putin, que alegadamente tentou várias formas de punir o bloco devido ao seu apoio contínuo à Ucrânia.
A zona fronteiriça é conhecida pelo seu terreno perigoso e pelas condições difíceis, incluindo a exposição a temperaturas negativas no inverno e o o inadequado a alimentos, abrigo e ajuda. Juntamente com as barreiras físicas impostas pelo governo polaco, a floresta tornou-se uma armadilha para as pessoas que viajam para a fronteira, resultando frequentemente num número significativo de feridos, desaparecidos e mortos.
Além disso, os testemunhos de organizações humanitárias, jornalistas e migrantes fornecem provas substanciais de violações generalizadas dos direitos humanos por parte dos guardas de fronteira polacos e bielorrussos.
"O que está a acontecer na fronteira é uma crise humanitária e de direitos humanos", disse à Euronews Sarah Redd, líder da Oxfam para a defesa da Ucrânia.
Sarah Redd, líder da Oxfam na Ucrânia, disse à Euronews que, ao olhar para o problema de uma perspetiva de segurança nacional, a Polónia não está a olhar para a situação "como uma crise humanitária e de direitos humanos", que requer "soluções humanitárias e de direitos humanos".
"As pessoas devem poder pedir asilo, independentemente do jogo político em causa. É por isso que temos leis em vigor, para defender as normas independentemente da política", afirmou.
O que é um pushback?
"A Polónia adoptou uma política de rejeição, apesar de esta ser ilegal à luz do direito internacional, do direito europeu e da Constituição polaca", afirma a Oxfam no seu relatório.
A devolução, ou seja, o ato de forçar os migrantes a atravessar a fronteira sem uma avaliação individual das suas necessidades de proteção, é considerada uma violação do princípio da não-repulsão consagrado no direito internacional e no direito comunitário.
Este princípio proíbe os Estados de deportarem pessoas para um país onde possam enfrentar ameaças à sua vida ou liberdade.
Inicialmente, a Comissão Europeia manifestou a sua desaprovação em relação à proposta de lei de Tusk, recordando aos Estados-Membros da UE a sua "obrigação de facultar o o ao procedimento de asilo". No entanto, dois meses depois, Bruxelas alterou inesperadamente a sua posição e emitiu uma nova declaração, permitindo agora que os Estados-Membros "actuem de forma decisiva" para "garantir a segurança e a integridade territorial".
"Demos mais um o decisivo para apoiar os nossos Estados-Membros da linha da frente na luta contra as ameaças híbridas da inaceitável instrumentalização da migração por parte da Rússia e da Bielorrússia", afirmou a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Apesar de Bruxelas ter aprovado o plano polémico da Polónia, as orientações insistem que as medidas implementadas em matéria de asilo devem ser "proporcionais" e "temporárias" e "devem respeitar os direitos fundamentais e o princípio da não rejeição".
Tusk enquadrou o projeto de lei como uma resposta necessária para combater os fluxos migratórios ilegais que, segundo ele, são orquestrados pela Rússia e pela Bielorrússia e que classificou como uma "ameaça séria e real" à segurança nacional.
"O Governo de Tusk tem uma narrativa muito perigosa baseada na securitização e na militarização. Estão a começar a copiar a narrativa da guerra híbrida, que é o que a Bielorrússia e a Rússia querem. Esta é a justificação para a violação de direitos - não são requerentes de asilo, não são humanos, são apenas armas", alertou Katarzyna Czarnota, coordenadora de investigação e projectos da ONG polaca Fundação Helsínquia para os Direitos Humanos.
A suspensão temporária do direito de requerer asilo prevê excepções específicas, incluindo menores, mulheres grávidas, pessoas com necessidades especiais de cuidados de saúde, pessoas consideradas em "risco ou perigo real" e, talvez surpreendentemente, cidadãos de países como a Bielorrússia.
Filip Rakoczy, advogado e membro do conselho de istração da Associação Nomada, uma organização polaca que presta apoio a refugiados, afirmou que a inclusão de disposições para aceitar refugiados que fogem da Bielorrússia foi algo que o Presidente Andrzej Duda solicitou quando a lei estava a ser preparada.
"Ele [Duda] pediu que a Polónia permitisse que os bielorrussos que procuram refúgio na Polónia tivessem o ao processo de asilo, porque os bielorrussos são agora o segundo maior grupo de pessoas a pedir asilo na Polónia", explicou à Euronews.
No entanto, os grupos de defesa dos direitos humanos manifestaram a sua preocupação relativamente a esta disposição, uma vez que atribui aos guardas fronteiriços a responsabilidade de determinar quem pode ser considerado "vulnerável".
"Agora, cabe aos guardas fronteiriços avaliar no local se alguém faz parte de um grupo vulnerável", referiu Redd. Acrescentou ainda que os indivíduos que pertencem a estes grupos nem sempre são imediatamente identificáveis.
Rakoczy afirmou que a lei não define os requisitos formais específicos que os guardas de fronteira devem cumprir quando rejeitam um pedido.
"Não existe um procedimento para a recusa de um pedido de asilo por parte dos guardas de fronteira", afirmou Rakoczy. "Tudo isto se baseia agora na boa fé do governo e dos guardas de fronteira".
Quanto ao o limitado das organizações humanitárias à chamada zona tampão, também conhecida como zona de exclusão, Rakoczy disse que não existem mecanismos externos, como a presença de organizações de direitos humanos, para monitorizar as actividades dos guardas de fronteira.
"Não temos garantias de que os guardas fronteiriços estejam efetivamente a cumprir esta nova lei", alertou.
A zona de exclusão
Em junho de 2024, o Governo polaco estabeleceu uma zona tampão temporária, uma área interdita ao público em geral.
"O seu objetivo é proteger o público em geral de possíveis ameaças e minimizar, tanto quanto possível, os encargos impostos às comunidades e empresas locais", disse o Ministério do Interior e da istração polaco à Euronews, num comunicado escrito.
Os regulamentos em vigor não impedem que as organizações humanitárias e de ajuda divulguem informações sobre situações de risco de vida na zona fronteiriça.
Embora a zona não esteja completamente interdita a jornalistas e organizações humanitárias, só é possível aceder a ela se for apresentado um pedido prévio com detalhes específicos sobre a entrada pretendida, um requisito que as organizações humanitárias se sentem limitadas.
Egala é uma ONG que presta ajuda humanitária, apoio médico e assistência jurídica às pessoas que se deslocam na fronteira. Segundo Aleksandra Gulińska, responsável pela defesa da organização, foi pedido à empresa que fornecesse uma hora e um local específicos no seu pedido para poder entrar na zona.
"É impossível com emergências, recebemos uma chamada no nosso telefone de alarme e temos de ir imediatamente. Não é um processo funcional solicitar o o a essa área", disse Gulińska.
O Ministério do Interior da Polónia afirmou que a utilização da zona tampão levou a uma queda de 64% nas tentativas de travessia irregular da fronteira.
"Desde que a zona tampão foi estabelecida, a Guarda de Fronteiras registou 6.130 tentativas de travessia irregular da fronteira. Em contrapartida, nos 89 dias que antecederam a introdução da zona-tampão, registaram-se 17 030 tentativas", afirmou o ministério.
No entanto, as organizações humanitárias com quem a Euronews falou disseram que, devido à zona de exclusão, à qual muitas vezes têm pouco ou nenhum o, é difícil estabelecer uma imagem clara da situação. Em vez disso, baseiam-se em testemunhos ou em dados fornecidos pela associação We Are Monitoring.
"É difícil falar sobre a escala desta crise e a escala das travessias", disse Gulińska. "A verdadeira escala está algures entre os nossos dados e os dados do governo".
A zona não é um conceito novo, foi estabelecida pela primeira vez em 2021, quando era então chamada de Zona de Emergência. A área restrita, que foi inicialmente criada por um período de 30 dias, foi prorrogada várias vezes até ser oficialmente levantada em junho de 2022.
Em maio de 2024, um soldado polaco foi esfaqueado mortalmente por indivíduos que tentavam atravessar a fronteira. A sua morte, associada a preocupações crescentes em matéria de segurança, levou ao restabelecimento da zona-tampão em 13 de junho de 2024.
Exatamente um mês depois, a 13 de julho, a Polónia aprovou uma lei controversa que isenta os soldados, guardas fronteiriços e agentes da polícia de responsabilidade criminal pela utilização indevida de armas de fogo na fronteira.
A regra foi criada para "contrariar os actos de agressão perpetrados por migrantes e travar as actividades ilegais de organizações criminosas envolvidas no tráfico de pessoas", segundo o Ministério do Interior.
'Os direitos humanos são quase inexistentes nesta fronteira'
A nova lei sobre as armas de fogo suscitou preocupações por parte de grupos de defesa dos direitos humanos, que consideram que não representa apenas uma ameaça para os migrantes, mas também para os trabalhadores humanitários, os residentes e o pessoal fronteiriço.
"Nesta zona, não sabemos o que está a acontecer. Por isso, se alguma das pessoas atravessar a fronteira e acabar na zona de exclusão e ficar ferida, não podemos ter o para a ajudar. E temos medo de entrar, especialmente porque a lei significaria que não haveria consequências legais para o uso de armas contra nós", disse Katarzyna Gmitrzak, oficial de campo de Egala, à Euronews.
A Oxfam escreveu que "os trabalhadores de Egala observaram que a violência se agravou a partir de junho" e, com base em testemunhos, relatam casos de espancamentos, uso rotineiro de gás lacrimogéneo ou spray de pimenta, maus tratos por cães, pessoal uniformizado que obriga as pessoas a atravessar cercas de arame farpado ou rios gelados e confisco de telemóveis, dinheiro e roupas.
"Os direitos humanos são quase inexistentes nesta fronteira", afirmou Gmitrzak.
Acrescentou que, como trabalhadora humanitária, "é um papel difícil de desempenhar, quando se quer ajudar mas não se sabe o que vai acontecer. Mesmo quando se usa a lei".