Grupo de peritos independentes do Conselho da Europa sobre a implementação da Convenção de Istambul reconhece que país fez "progressos significativos" na implementação de medidas concretas de combate à violência contras as mulheres, mas deixa alertas, sobretudo, aos tribunais.
Um relatório, divulgado esta segunda-feira, do grupo de peritos independentes do Conselho da Europa sobre a implementação da Convenção de Istambul (GREVIO) reconhece que Portugal fez "progressos significativos"nos recentes anos na aplicação de medidas concretas de combate à violência contras as mulheres.
No entanto, foram identificadas certas áreas em que são "necessárias ações urgentes" de modo a cumprir plenamente a convenção internacional que regula a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica.
Os peritos pedem às autoridades portuguesas que adotem mais medidas e apontam como "prioritária" a questão das "sanções brandas e desproporcionadas emitidas pelo poder judicial, particularmente no que diz respeito à violência doméstica e sexual".
"Para resolver este problema, o GREVIO insta as autoridades a introduzir uma formação inicial e contínua obrigatória para os membros do sistema judicial sobre todas as formas de violência contra as mulheres abrangidas pela convenção", lê-se no documento.
Entretanto, os magistrados parecem "desvalorizar" as recomendações enviadas pelo Grevio. Ao jornal Público, os magistrados portugueses "não acolheram" a formação contínua com "grande entusiasmo", embora reconheçam a sua necessidade, de acordo com a resposta do Conselho Superior da Magistratura (CSM) feita ao mesmo jornal, na terça-feira.
O CSM acrescenta ainda que a referida "formação já existe na fase inicial da formação dos juízes".
Há também um conjunto de juízes que ite o "desajuste da moldura penal" para os crimes de violência doméstica que é de cinco anos, escreve o mesmo jornal.
Grevio recomenda o combate às "atitudes patriarcais" nos tribunais
Em matéria de poder judicial, os peritos do Grevio defendem que é também preciso "combater as atitudes patriarcais ainda presentes em alguns membros do sistema judicial, que privilegiam a proteção da unidade familiar em detrimento dos direitos das vítimas". E acrescentam que "a chamada síndrome de alienação parental não deve ser utilizada em processos familiares com um historial de violência doméstica".
No que diz respeito a serviços de apoio especializado, o GREVIO refere que Portugal ainda não tem uma linha telefónica nacional dedicada às mulheres vítimas de todas as formas de violência que funcione 24 horas por dia, sete dias por semana.
São ainda necessárias mais vagas para famílias em casas de abrigo, uma vez que os requisitos da Convenção apontam para "um lugar para uma família por cada 10 mil habitantes", bem como aumentar a disponibilidade global dos serviços de apoio especializado a médio e longo prazo para as mulheres vítimas.
O grupo de peritos pede às autoridades nacionais para eliminarem o requisito que condiciona o o a uma casa de abrigo a uma denúncia por violência e removerem a imposição de uma violação ter de ser denunciada às autoridades no prazo de seis a doze meses após o crime "como condição prévia para a abertura de um inquérito".
"Por fim, o GREVIO considera que também é urgente rever os sistemas de proibição de emergência e de ordens de proteção", tendo em conta que, atualmente, as ordens de proibição de emergência demoram 48 horas a ser obtidas e só podem ser emitidas por um juiz no âmbito de um processo penal em curso, um sistema que, segundo os peritos, "não oferece proteção imediata às vítimas".
Preocupações do GREVIO fazem eco de casos recentes
Os alertas do grupo de peritos que acompanha a implementação da Convenção de Istambul sobre o poder judicial podem ser entendidos à luz de episódios recentes que têm vindo a público, com queixas apresentadas sobre a conduta de juízes ( segundo o jornal Público, "há magistrados com mil inquéritos") em processos que envolvem violência doméstica.
É o caso do Tribunal de Família de Mafra que foi alvo de queixas. Em causa estará um juiz que alegadamente terá ignorado provas e determinado residências alternadas em situações de conflito e violência, nomeadamente em processos de custódia e de responsabilização parental.
O juiz em questão terá forçado "relações entre mães e pais alegadamente agressores, impondo terapias familiares", escreveu a CNN Portugal em janeiro deste ano.
Um juiz do Juízo Local Criminal de Santarém também foi acusado por três colegas do Tribunal da Relação de Évora de tecer comentários preconceituosos e de culpabilizar uma vítima de violência doméstica num julgamento em que absolveu o agressor, revelou o JN no início de maio.
A decisão foi revertida pelo Tribunal da Relação. O arguido foi condenado a uma pena suspensa de dois anos e quatro meses e ao pagamento de uma indemnização de 1.500 euros à vítima.
Outro caso que também gerou polémica tem que ver com um acórdão da Relação do Porto, em outubro de 2017, no qual o juiz relator, Neto de Moura, censurava a vítima de violência doméstica por ter sido infiel.
No acórdão, o magistrado citava a Bíblia e o Código Penal de 1886 para justificar a violência sobre a mulher. "O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte", escreveu na altura Neto de Moura na sentença.
Também em 2023, uma juíza do Tribunal da Amadora responsável por um caso de violência doméstica, em que foi dado como provado o crime de ofensa à integridade física, decidiu suspender provisoriamente o processo e obrigar o agressor a fazer um "eio lúdico" com a vítima e levá-la a jantar fora, a concertos, espetáculos e teatro.
Violência contra mulheres também preocupa na Europa
Cerca de 50 milhões de mulheres em toda a União Europeia continuam a ser vítimas de elevados níveis de violência sexual e física em casa, no trabalho e em público.
Na vizinha Espanha, em 2024, 34.684 mulheres foram vítimas de violência doméstica ou de género, 5,2% menos do que em 2023, mas os agressores condenados aumentaram para 39.056, recorde desde 2015.
Quanto à relação da vítima com o agressor em 2024, 39,9% eram parceiros ou ex-parceiros, 37,8% namoradas ou ex-namoradas, 21,4% cônjuge ou ex-cônjuge e 1,0% estavam em processo de separação.
Em Itália, os números também são preocupantes, com o Observatório Nacional Non Una Di Meno a reportar 27 femicídios desde o início do ano.
Além disso, há pelo menos 21 outras tentativas de feminicídio relatadas em reportagens da imprensa nacional e local e pelo menos um infanticídio, de um menino morto pelo pai.
As estatísticas sobre violência doméstica na Alemanha também mostram um aumento no número de casos registrados pela polícia em 2024. O número de vítimas de violência doméstica aumentou 6,5% para mais de 256 mil. A maioria eram mulheres.
Mais de 167 mil pessoas foram vítimas de violência por parceiro íntimo, um aumento de 9,1% em relação a 2022.