Numa entrevista exclusiva à Euronews, o presidente do Conselho Europeu, afirma que a integridade territorial da Dinamarca é uma "questão essencial" para a União Europeia.
A União Europeia dá "total apoio" à Dinamarca contra a ameaça de Donald Trump de assumir o controlo da Gronelândia e está pronta para defender os princípios da soberania nacional e da integridade territorial, tal como fez quando a Rússia invadiu Ucrânia, disse António Costa à Euronews.
"São esses princípios fundamentais que nos levam a apoiar a Ucrânia. São os princípios fundamentais que nos levam a condenar as violações da fronteira na República Democrática do Congo.", disse o presidente do Conselho Europeu.
"Não devemos deixar de defender estes princípios quando está em causa a integridade territorial de um Estado-membro da União Europeia", acrescentou.
"A integridade territorial da Dinamarca, a soberania da Dinamarca, a estabilidade das suas fronteiras, como deve imaginar, obviamente é para nós uma questão essencial para nós".
Desde que Trump se recusou a descartar o uso da coerção económica e força militar para tomar a Gronelândia, que o bloco mostra algum nervosismo, tentando descobrir quão séria é esta ameaça. No fim de semana, o presidente dos EUA sublinhou a sua agenda expansionista.
"Acho que vamos conseguir", disse Trump aos jornalistas. "Não sei bem que direito tem a Dinamarca (sobre a Gronelândia), mas seria um ato muito hostil se não permitissem que isto acontecesse, porque é para a proteção do mundo livre."
Em reação, a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, iniciou uma rápida mini-digressão pela Europa para reforçar a unidade política face a este desafio sem precedentes. Frederiksen disse estar aberta a aprofundar os laços militares com os Estados Unidos, mas insiste que a ilha semiautónoma, que faz parte do Reino da Dinamarca, não está à venda.
Uma nova sondagem mostra que 85% dos adultos na Gronelândia se opõem aos planos de Trump.
Embora a Gronelândia não seja membro da União Europeia, o país goza de o especial aos fundos do bloco e garante liberdade de circulação para os gronelandeses, que são considerados cidadãos da UE. A Comissão Europeia confirmou que, em caso de agressão militar, a Gronelândia estaria abrangida pela cláusula de mútua defesa estabelecida pelos tratados.
"A Gronelândia faz parte do território do Reino da Dinamarca. A Dinamarca é um Estado soberano. A Dinamarca define quais são os seus interesses e a União Europeia apoiará a Dinamarca", disse Costa, sublinhando repetidamente a necessidade de defender o direito internacional.
"Não vamos estar a especular. Vamos desejar, naturalmente, primeiro que uma questão não se transforme em conflito e havendo um conflito que seja (resolvido) de uma forma amigável, como é próprio que aconteça entre aliados."
À espera das tarifas
Durante esta entrevista à Euronews, gravada na tarde de quarta-feira, Costa expressou ter esperança de estabelecer um diálogo construtivo com a istração Trump, que é guiada pelo princípio "American First" e parece estar em desacordo direto com o compromisso de longa data da UE com o sistema multilateral.
Costa e Trump ainda não falaram um com o outro desde a tomada de posse, este mês.
"Naturalmente, tal como Estados Unidos querem defender os seus interesses, à União Europeia cabe-lhe defender os interesses das suas empresas, dos seus cidadãos, da nossa, da nossa união. Isso é um diálogo que se deve desenvolver de uma forma normal, tranquila, sem ansiedades pela nossa parte", disse Costa.
"Temos a vontade que sempre tivemos de manter uma boa relação com os Estados Unidos e, portanto, se e quando os Estados Unidos entenderem que há uma questão a colocar à União Europeia, cá estamos para dialogar para negociar com os Estados Unidos."
Entre as suas promessas de campanha, Trump propôs tarifas generalizadas sobre todos os produtos importados, incluindo os provenientes da Europa. Estes impostos indiscriminados podem atingir duramente a economia do bloco, que já sofre com o declínio industrial e a lentidão dos investimentos.
Costa alertou que a diplomacia UE-EUA não deve decorrer "através de declarações públicas nos meios de comunicação social" ou ser influenciada por especulações. Disse ainda que Bruxelas iria fazer o melhor para resolver qualquer diferendo que possa surgir, mantendo o direito de responder se for apropriado.
"Se e quando o problema se colocar, nós naturalmente olharemos para o problema. Procuremos resolvê-lo ou reagiremos, isso faz parte", disse.
"O que a história nos ensinou é que sempre fomos capazes de ultraar esses momentos com proveito mútuo para ambas as partes."
Do Leste para Oeste
O antigo primeiro-ministro de Portugal assumiu o comando do Conselho Europeu no início de dezembro, marcando o início do novo mandato legislativo. Uma das suas prioridades enquanto presidente é agilizar as discussões, muitas vezes longas, entre os líderes da UE e concentrá-las nas questões estratégicas mais amplas, em vez nos detalhes que consomem muita energia.
No topo da agenda de Costa está a defesa, que a guerra da Rússia contra a Ucrânia transformou numa questão quase existencial para o bloco.
Esta segunda-feira, António Costa vai reunir os 27 líderes do bloco e o primeiro-ministro britânico, Kier Starmer, para uma cimeira informal dedicada exclusivamente à defesa e às relações entre a União Europeia e os Estados Unidos.
Embora os chefes de Estado e de Governo concordem que o aumento das despesas militares é fundamental, ainda não conseguiram decidir qual o método mais eficaz para fazê-lo. A França, a Polónia e os países bálticos propam a emissão de uma nova ronda de dívida conjunta, mas a Alemanha, a Áustria e os Países Baixos continuam relutantes em aumentar o fardo financeiro do bloco.
Questionado se era a favor dos empréstimos comuns, Costa recusou tomar uma posição clara e disse que a cimeira informal deveria servir como um "dia de brainstorming" para levar o processo a resultados concretos.
"Todas as ideias são muito bem-vindas e devem ser discutidas de uma forma aberta e franca entre os 27 Estados-membros", disse.
A pairar sobre este debate está a recente proposta de Trump de aumentar a meta da NATO de os países gastarem 2% do PIB em defesa para uma taxa de 5%, que nem os Estados Unidos cumprem.
O secretário-geral da NATO, Mark Rutte, elogiou a campanha de pressão de Trump. No mês ado, Rutte disse que os cidadãos da NATO deveriam "aceitar fazer sacrifícios", como cortes nas pensões, cuidados de saúde e serviços sociais para garantir a segurança da Europa a longo prazo.
"Todos temos consciência que a defesa é um bem público fundamental e, portanto, obviamente, exige o financiamento para assegurar esse bem público fundamental. Não creio que a escolha tenha que ser feita nos termos em que o secretário-geral da NATO enunciou", disse Costa .
"Todos os Estados-membros têm na sua política orçamental diversos objetivos", acrescentou, falando sobre saúde, educação, ação climática e a transição digital. "As escolhas orçamentais são sempre múltiplas".
Na visão de Costa, a defesa não deve ser um "esforço individual" feito apenas pelos países mais próximos da Rússia e, consequentemente, mais expostos à interferência do Kremlin, mas por todos os 27 Estados-membros, que partilham o espaço delimitado pelas mesmas fronteiras.
"A defesa da fronteira da Polónia não é só a defesa da fronteira da Polónia, é a defesa de toda a nossa fronteira, da nossa fronteira a leste, porventura nos Estados virados para o Atlântico, a ameaça é menos perceptível, mas eles não deixam de estar a ser defendidos por aqueles que têm que defender as suas, a nossa fronteira comum a Leste", disse Costa.
Como lidar com Orbán
Garantir que os 27 líderes estão na mesma página é a principal tarefa de Costa enquanto presidente do Conselho Europeu. Mas manter esta unidade intacta está a tornar-se cada vez mais difícil à medida que a perspetiva económica do bloco se agrava, a guerra na Ucrânia se arrasta e os partidos de extrema-direita continuam a ascender de forma aparentemente imparável nas sondagens.
Esta fragilidade veio ao de cima na semana ada, quando o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, ameaçou bloquear a renovação de todas as sanções sectoriais impostas contra a Rússia, argumentando que a tomada de posse de Trump merecia uma reformulação mais ampla da política punitiva.
Orbán acabou por recuarapós garantir uma declaração não vinculativa sobre a segurança energética. Mas o episódio lembrou como as regras de unanimidade podem ser utilizadas para paralisar, inviabilizar ou mesmo desmantelar decisões a nível europeu.
Enquanto primeiro-ministro de Portugal, Costa desenvolveu uma relação de amizade com Orbán, que pode ser útil neste novo cargo de moderador-chefe. Também no radar está Robert Fico, da Eslováquia, que está envolvido numa disputa renhida com o presidente Volodymyr Zelenskyy sobre o transporte de gás russo.
"Nem todos os países têm a mesma leitura sobre esta guerra, sim, é verdade. Mas a verdade é que conseguimos sempre, por unanimidade, tomar todas as posições que eram decisivas para apoiar de uma forma segura, previsível, a Ucrânia no seu esforço. E, portanto, é assim que temos que prosseguir. E a construção de uma política externa e de segurança comum é uma mais valia para todos", disse Costa.
"A forma como cada pessoa vê o mundo com base na sua história e posição geográfica não é, obviamente, a mesma. Tem sido assim várias vezes. Com o conflito no Médio Oriente, nem sempre houve uma visão comum. Mas há sempre uma mais importante: a vontade de continuar juntos, sabendo que juntos somos mais fortes e que sendo mais fortes, somos maiores."
Será que a Hungria e a Eslováquia deveriam abandonar o bloco? Costa não quis dizer. No entanto, sublinhou que a adesão é um "ato de liberdade", como quando o Reino Unido votou pelo Brexit.
"Apesar de pontos de vista diversos e da diversidade de opiniões, há uma enorme vontade comum dos 27 de estarem juntos. É por isso que estamos cá. E é por isso que vários outros se querem juntar a nós."