Volodymyr Zelenskyy excluiu a possibilidade de permitir o trânsito de gás de fabrico russo sob o rótulo do Azerbaijão.
A Ucrânia deixará de permitir o trânsito de gás russo através do seu território a partir do final deste ano, anunciou Volodymyr Zelenskyy na quinta-feira, após uma reunião com os líderes da União Europeia em Bruxelas.
A proibição, acrescentou, aplicar-se-á a qualquer fluxo de gás "proveniente da Rússia", para evitar o risco de o gás russo ser vendido à Europa sob o disfarce de gás produzido no Azerbaijão.
"Não vamos alargar o trânsito do gás russo", disse Zelenskyy aos jornalistas.
"Não vamos permitir que eles ganhem mais biliões à custa do nosso sangue. E qualquer país do mundo que possa obter algo barato da Rússia acabará por se tornar dependente da Rússia - quer isso aconteça num mês ou num ano. É essa a política deles".
A declaração vai cair mal junto de Robert Fico, o primeiro-ministro da Eslováquia, um país sem litoral que continua a ser altamente dependente do gás canalizado da Rússia.
A Eslováquia importa três mil milhões de metros cúbicos da Gazprom, o monopólio russo do gás, todos os anos, cobrindo a maior parte da sua procura interna.
Um importante acordo de trânsito entre a Ucrânia e a Gazprom, do qual Kiev obtém receitas constantes, deverá expirar no final deste ano. Segundo o Bruegel, este acordo representa metade das exportações russas de gás por gasoduto para a UE.
Embora as exportações de gás por gasoduto da Rússia para o bloco tenham caído desde o início da invasão em grande escala, uma parte dos fornecimentos continua a circular sem problemas, livre de sanções.
Com a aproximação do fim do trânsito, a Eslováquia intensificou os esforços diplomáticos para garantir que os fluxos de energia do país não sejam interrompidos.
Como alternativa, Bratislava poderá recorrer ao Azerbaijão, um pequeno país do Cáucaso que se posiciona como uma opção económica para a Europa, em substituição do gás russo. Os acordos com o Azerbaijão são controversos , devido ao fraco historial do país em matéria de direitos humanos.
Segundo o Bruegel, a Rússia forneceria gás à Ucrânia com a designação de "gás azeri" e o Azerbaijão compraria gás à Rússia com a designação de "gás russo", utilizando as mesmas infraestruturas.
"Em termos simples, não haveria qualquer alteração nos fluxos de gás: os negociantes da UE comprariam gás ao Azerbaijão, que por sua vez compraria gás à Rússia", afirmou o Bruegel num estudo de outubro.
Mas na quinta-feira, Zelenskyy deixou claro que não toleraria uma operação tão enganosa, argumentando que o Kremlin continuaria a ganhar dinheiro e, como resultado, manteria uma fonte chave de receitas para financiar a sua invasão dispendiosa e brutal. Não referiu o nome do Azerbaijão, mas o jornalista do Financial Times que fez a pergunta fê-lo.
"Não queremos jogar um jogo em que este outro país recebe gás da Rússia e depois o transita. Isto é o mesmo que continuar a lucrar com esta guerra e enviar dinheiro para a Rússia", respondeu Zekenskyy.
O líder ucraniano propôs uma exceção à proibição: a Ucrânia permitiria o trânsito de gás russo se o comprador europeu concordasse em não pagar à Rússia até ao fim da guerra. No entanto, tal resultaria muito provavelmente numa quebra de contrato e numa suspensão por parte da Gazprom.
"Vamos refletir sobre isso", afirmou. "Mas não queremos dar à Rússia qualquer hipótese de ganhar mais milhares de milhões que seriam investidos na guerra".
O principal comprador de gás da Eslováquia, a SPP, avisou que a perda de fornecimentos a Leste custaria mais 150 milhões de euros em taxas mais elevadas. Segundo Zelenskyy, a Ucrânia também pode perder dinheiro com o fim do trânsito do gás russo. (O Bruegel estima esse valor em 0,5% do PIB).
"Para ser honesto, durante a guerra, é um pouco vergonhoso falar de dinheiro, porque estamos a perder pessoas", disse Zelenskyy.
A notícia deverá azedar ainda mais os laços entre Kiev e Bratislava.
Zelenskyy e Fico têm mantido relações tensas desde que o populista eslovaco regressou ao poder em outubro do ano ado. Fico tem vindo a alinhar-se gradualmente com o húngaro Viktor Orbán, adoptando uma posição profundamente cética em relação ao apoio militar à Ucrânia.
"A Ucrânia não será convidada para a NATO. Vai perder um terço do seu território. Haverá forças militares estrangeiras", disse Fico na véspera da cimeira em Bruxelas.
A Eslováquia está em o com o governo ucraniano e com a Comissão Europeia, que defende a eliminação total do gás russo, para encontrar uma solução antes do fim do acordo de trânsito entre a Ucrânia e a Gazprom.
"Estamos a manter conversações muito intensas a nível internacional sobre o fornecimento de gás em 2025", afirmou Fico na semana ada. "Existem muitos obstáculos, como as declarações políticas do lado ucraniano, a pressão sobre a suspensão dos fornecimentos do Leste para o Oeste, as propostas de fornecimento de gás muito mais caras, incluindo os direitos de trânsito, que rejeitamos. Não vemos qualquer razão para pagar mais do que o necessário pelo gás devido a razões geopolíticas".
A interrupção do trânsito do gás russo através da Ucrânia poderá também afetar a Áustria e a Hungria, embora de forma diferente. No início deste mês, a empresa austríaca OMV rescindiu o seu contrato de longo prazo com a Gazprom depois de a Rússia ter cortado o fornecimento, um incidente que o chanceler Karl Nehammer denunciou como "chantagem".