Dados recentemente divulgados sobre a Lotaria Nacional mostram como duas contas suspeitas, presumivelmente pertencentes ao ex-Comissário da UE e à sua mulher, se destacaram: gastaram em conjunto quase 50.000 euros em bilhetes de lotaria num ano.
O antigo ministro das Finanças belga e ex-comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, foi interrogado pela polícia na terça-feira, 3 de dezembro, por suspeitas de branqueamento de capitais, em parte através da Lotaria Nacional.
Didier Reynders negou as acusações criminais que lhe foram feitas, afirmando que os fundos eram provenientes do seu património privado e que está a ajudar o magistrado nas investigações.
Mas novas informações agora divulgadas pela Lotaria Nacional belga, num documento visto pela Euronews, revelam como a alegada fraude pode ter funcionado - ou não.
A alegaçãoé que Reynders e a mulher compraram bilhetes eletrónicos: cupões da lotaria que valem até 100 euros e que podem ser comprados em lojas físicas antes de serem depositados na conta online do jogador. Os prémios podem depois ser transferidos para uma conta bancária normal.
Primeiro problema: os bilhetes eletrónicos não são uma parte importante do modelo de negócio da lotaria, pelo que os elevados volumes de vendas chamaram muito a atenção. Em 2024, dos 6.500 pontos de venda, apenas quatro venderam mais de 10.000 euros de bilhetes eletrónicos, segundo a Lotaria Nacional.
Em 2021, verificações regulares da Lotaria - que é copropriedade do estado belga e do fundo soberano - observaram que um único ponto de venda havia vendido um grande número de ingressos; outras investigações sugerem que estes estavam vinculados a apenas duas contas, identificadas como politicamente sensíveis.
De entre mais de um milhão de pessoas que jogam na lotaria, as 39 contas que depositaram mais de 20.000 euros por ano fizeram soar um alarme extra a nível interno.
Exatamente duas contas se destacaram: cada uma depositou quase 25.000 euros e levantou suspeitas extras porque recarregou usando e-tickets de alto valor e em grande parte transferiu em vez de reinvestir os ganhos.
Estas duas contas, que se crê serem propriedade de Reynders e da mulher, aparecem de forma acentuada num gráfico notável emitido pela Lotaria Nacional.
O Ministério Público foi notificado pela primeira vez em 2022
A Lotaria Nacional disse que, depois de ter notado o comportamento suspeito, pediu à KPMG para o estudar melhor e, no início de 2022, concluiu que havia risco de branqueamento de capitais - uma preocupação assinalada aos procuradores federais em março de 2022.
Os procuradores só responderam com um pedido de informações adicionais em agosto de 2023, segundo a Lotaria - e, entretanto, havia a preocupação de que a tomada de outras medidas, como o congelamento da conta de Reynders, levantasse indevidamente suspeitas.
Não se sabe muito bem o que explica este longo hiato - embora o facto de os procuradores terem esperado apenas dois dias após o termo do mandato de cinco anos de Reynders na Comissão sugira que estavam preocupados com o facto de ele beneficiar de alguma forma de imunidade legal devido ao seu mandato.
O procurador-geral de Bruxelas confirmou à Euronews a existência do caso, mas não quis fazer mais comentários.
A polícia também não sabe qual é a origem dos fundos alegadamente ilícitos, que os meios de comunicação social belgas afirmam valer cerca de um milhão de euros, dos quais cerca de 20% terão sido canalizados através da lotaria.
Reynders, através de um advogado, afirmou que os fundos provêm do seu "património privado" e não estão relacionados com as suas funções políticas.
Reynders também já afirmou que as acusações de que aceitou subornos enquanto ministro belga foram um "ataque cruel" destinado a impedi-lo de se tornar Comissário da UE, e que não foram levadas por diante pelos procuradores.
Os casinos são conhecidos por atraírem aqueles que querem fazer branqueamento de capitais devido à elevada utilização de dinheiro e ao relativo anonimato. Mas as lotarias são geralmente vistas como um problema menor.
A própria Lotaria Nacional aponta as taxas de pagamento relativamente baixas e os controlos rigorosos sobre os depósitos como prova de que não são úteis a potenciais criminosos.
O facto de o alegado comportamento de Reynders ter atraído tanta atenção sugere que eles podem ter razão e que esta não é uma forma eficaz de qualquer malfeitor esconder fundos ilícitos.
O conselho da Euronews é simples: não façam branqueamento de capitais e, se o fizerem, não o façam com a Lotaria Nacional.