A eleição da Alemanha entregou um resultado fragmentado, com a CDU/CSU a ganhar 28,5% mas a precisar do SPD para formar uma 'Grande Coligação'. Os economistas veem desafios na reforma do travão da dívida, enquanto os mercados observam as mudanças de política no investimento e nas regras fiscais.
A CDU/CSU, de centro-direita de Friedrich Merz, ganhou as eleições federais da Alemanha, mas com apenas 28,5% dos votos, o partido enfrenta uma paisagem política fragmentada e está preparado para reavivar a chamada 'Grande Coligação' com o enfraquecido SPD de Olaf Scholz.
À medida que as negociações de coligação começam, os investidores estão a observar atentamente os sinais sobre a trajetória fiscal da Alemanha, com os economistas divididos sobre se o novo governo será capaz de realizar reformas económicas significativas.
Um resultado fragmentado mas uma coligação familiar
Depois de uma longa noite eleitoral a 23 de Fevereiro, o centro político da Alemanha mantém-se, mas por pouco. A CDU/CSU de Merz assegurou 208 lugares, tornando-se o maior partido do Bundestag, seguido pelo extrema-direita Alternative para a Alemanha (AfD) com 152 lugares.
O SPD, que governa com Scholz desde 2021, sofreu fortes prejuízos, caindo para 120 lugares. Os Verdes, que faziam parte da coligação cessante, também registaram quedas, enquanto a extrema-esquerda, A Esquerda (Die Linke) teve pequenos ganhos.
O Partido Democrático Livre (FDP) sofreu um colapso estonteante, perdendo todos os 91 lugares conquistados nas eleições de 2021, depois de não conseguir cumprir o limiar de 5% para a entrada parlamentar. O seu líder e ex-ministro das Finanças, Christian Lindner, demitiu-se.
“O cenário político alemão tornou-se mais fragmentado do que nunca”, afirmou Carsten Brzeski, global head of macro do ING.
“Enquanto os democratas-cristãos entraram em primeiro lugar, ficaram muito aquém do mandato abrangente para reformar a Alemanha que o seu candidato a chanceler Friedrich Merz esperava”, disse ao grupo DWS numa nota na segunda-feira.
Apesar da vitória de Merz, a atuação da CDU/CSU estava longe de ser esmagadora — foi a segunda mais fraca da sua história — obrigando o partido a conversações de coligação com o SPD.
Markus Söder, o líder da CSU, partido irmão bávaro da CDU, já descartou trabalhar com os Verdes, deixando uma renovada 'Grande Coligação' como única opção viável.
A CDU/CSU e o SPD governaram juntos várias vezes, formando 'Grandes Coligações' em 1966-1969, 2005—2009, 2013—2018 e 2018—2021.
O dilema do travão da dívida
Um dos maiores desafios que o próximo governo enfrenta é se este pode reformar o freio constitucional da dívida da Alemanha, que limita estritamente os empréstimos do governo.
A Goldman Sachs observa que o desafio reside no facto de a AfD e o partido A Esquerda (Die Linke) deterem 216 lugares combinados — mais de um terço do Bundestag — concedendo-lhes a capacidade de vetar quaisquer emendas constitucionais.
“A AfD é contra uma reforma do travão da dívida. O Linke é contra um aumento dos gastos com a defesa, mesmo que possam apoiar uma reforma do travão da dívida para aumentar o investimento”, afirmou Niklas Garnadt, economista da Goldman Sachs.
Apesar destes obstáculos, existem formas alternativas de aumentar o espaço fiscal.
Uma abordagem poderia ar por usar o financiamento europeu conjunto para despesas militares, uma vez que a dívida emitida pela UE não contaria contra o travão da dívida da Alemanha.
Outra possibilidade é uma reforma do travão da dívida, que o Die Linke poderá apoiar se estiver ligado a despesas de investimento mais elevadas.
Por último, o governo poderia invocar a cláusula de fuga em resposta a uma crise externa, flexibilizando temporariamente os limites dos empréstimos. “Isso criaria algum espaço fiscal para além dos limites do travão da dívida no ano fiscal em que a cláusula de fuga é acionada”, disse Garnadt.
Philip Bokeloh, economista sénior do ABN Amro, está mais otimista em relação à reforma do travão da dívida, dizendo que há uma grande probabilidade disso numa renovada 'Grande Coalizão'.
“Aliviar o travão da dívida também abre a porta à implementação de propostas do relatório Draghi, que apela a uma maior integração europeia e maiores investimentos na transição energética, inovação e defesa”, disse Bokeloh.
Espaço limitado para grandes reformas económicas, mas podem surgir surpresas
Para além do travão da dívida, os economistas estão céticos quanto ao facto de um governo da CDU/CSU-SPD impulsionar grandes reformas estruturais.
“O anseio de muitos alemães e europeus pela estabilidade política e económica alemã não vai acabar hoje, e é difícil ver o próximo governo ser capaz de entregar muito mais para a economia do que um impacto positivo de curta duração de alguns cortes de impostos, pequenas reformas e um pouco mais de investimento”, afirmou Brzeski, do ING.
“Uma reforma do sistema de pensões parece altamente improvável”, acrescentou.
Segundo a DWS isso será “ligeiramente dececionante para os mercados acionistas no curto prazo. No entanto, a médio prazo, as implicações políticas reais serão mais importantes do que os resultados eleitorais.”
Apesar da incerteza política, existe agora “um sentido tangível de urgência entre os principais decisores políticos, principalmente face à pressão internacional”, notaram os analistas da DWS. “Isso poderia abrir caminho para uma formação de coligação relativamente suave, o que pode vir como uma surpresa modestamente positiva para os mercados”.
Na segunda-feira, o índice DAX da Alemanha subiu 1,6% às 11h00 CET, na sequência dos resultados eleitorais, a caminho da sua melhor sessão desde meados de janeiro. A Vonovia SE e a Rheinmetall AG lideraram os ganhos, com aumento de 4,1% e 3,9%, respetivamente.