O desaparecimento de Rita Roberts, nos anos 90 , foi um mistério até que a iniciativa "Identifique-me" da Interpol ajudou a identificar o seu corpo através de uma tatuagem. Agora, a agência está a pedir a ajuda dos cidadãos para dezenas de outros casos.
Pouco tempo depois de Rita Roberts se ter mudado de Cardiff, no Reino Unido, para os Países Baixos, a família deixou de receber as suas cartas e postais.
No início, não suspeitaram de nada; afinal, estávamos no início dos anos 90 e não se podia simplesmente pegar no telefone ou perguntar como estava alguém através de uma aplicação de mensagens.
aram-se semanas e, depois, meses sem notícias.
Rita tinha trinta e poucos anos. Conhecia bem os Países Baixos, pois já o tinha visitado muitas vezes antes de se mudar. Apesar de existir a hipótese de estar apenas a tentar construir uma vida própria ou a desfrutar de estar finalmente fora da sua cidade natal para sempre, existia algum sobressalto.
Em outubro de 1992, um avião da El-Al embateu num edifício residencial em Amesterdão e a família de Rita ou a acreditar que ela poderia estar entre as muitas vítimas ainda por identificar.
Mas a sua irmã Donna não estava convencida. O instinto dizia-lhe que essa não era a resposta.
"Era mais fácil pensar que ela tinha morrido naquele acidente de avião do que deixar a nossa mente ir para sítios sombrios", disse Donna, a irmã de Rita Roberts.
"Talvez ela se tenha fartado desta família, foi-se embora, casou com esta pessoa, foi ter filhos - seguiu com a sua vida."
Entretanto, a família Roberts começou a ouvir todo o tipo de hipóteses, como Donna referiu, que afirmavam que ela tinha sido vista em lugares tão distantes como Marrocos. Donna decidiu iniciar uma investigação por conta própria. Bateu a todas as portas, desde o Crimewatch da BBC, ao Exército de Salvação a solicitadores em Roterdão - outro local para onde Rita se poderia ter mudado - na esperança de encontrar a irmã.
No entanto, não havia nada.
A dolorosa procura de respostas arrastou-se até ao ano ado, quando uma iniciativa da Interpol chamada "Identifique-me" tornou públicos 22 casos de mulheres mortas não identificadas.
No espaço de dois dias, a família de Rita viu numa reportagem a imagem de uma tatuagem de uma rosa que lhe era familiar. aram a Interpol e o corpo de Rita foi identificado.
Rita tinha sido encontrada em Antuérpia em 1992, tendo sido violentamente assassinada, mas as autoridades nunca tinham determinado quem ela era.
Agora, a Interpol decidiu ampliar esta iniciativa, pedindo a todos os cidadãos do mundo que ajudem a identificar 46 mulheres - muitas delas presume-se que tenham sido assassinadas - em seis países europeus.
'Uma memória, uma dica, uma história partilhada'
O que era originalmente uma iniciativa belga, neerlandesa e alemã foi alargada a França, Itália e Espanha, onde as autoridades acreditam que as respostas aos casos podem estar além fronteiras.
A Interpol e as autoridades nacionais fizeram tudo o que estava ao seu alcance, desde análises de ADN e dados biométricos a exames de ressonância magnética e IA. Agora, é a vez dos cidadãos.
"O objetivo da campanha "Identifique-me" é simples. Queremos identificar as mulheres mortas, dar respostas às famílias e fazer justiça às vítimas. Mas não podemos fazer isso sozinhos", disse o secretário-geral da Interpol, Jürgen Stock.
"É por isso que estamos a apelar à comunidade para que se junte a nós neste esforço. A sua ajuda pode fazer a diferença".
"Mesmo a mais pequena informação pode ser vital para ajudar a resolver estes casos arquivados. Quer se trate de uma memória, de uma dica ou de uma história partilhada, o mais pequeno pormenor pode ajudar a descobrir a verdade. Esta pode ser a chave para desvendar um nome, um ado e para fazer justiça há muito esperada."
A consulta dos materiais fornecidos pela Interpol está longe de ser fácil. Ao folhear as fichas, cada caso deixa-nos com perguntas: como é que esta mulher morreu? Quem a matou e porquê?
Os rostos reconstruídos parecem olhar diretamente para o espectador, alguns deles quase sorriem- um contraste chocante com o facto de muitas das vítimas terem sido encontradas num estado tal que os investigadores tiveram dificuldade em reunir uma imagem útil.
É por isso que, em alguns casos, se optou por utilizar fotografias de objetos encontrados com os corpos: um anel com uma inscrição, uma peça de roupa colorida, um saco de viagem preto onde foi encontrado um dos corpos das vítimas.
Nalguns casos, há apenas uma tatuagem, como a que serviu para identificar Rita Roberts.
Embora a informação de que dispõem seja, por vezes, apenas um fragmento, os peritos da Interpol acreditam que pode ser suficiente para avivar a memória de alguém ou levar os seus entes queridos a á-los.
Todas as dicas são bem-vindas
No ano ado, os investigadores receberam cerca de 2.000 dicas e um total de 3 milhões de visitas à página online. Desta vez, esperam atrair um interesse muito maior e estão a acolher todas as sugestões dos cidadãos, por mais insignificantes que possam parecer.
"Temos três ou quatro tipos de dicas que recebemos", disse à Euronews François-Xavier Laurent, da unidade de ADN da Interpol.
"A primeira é de pessoas próximas de alguém que desapareceu.Vêem uma fotografia de um objeto ou do rosto de alguém e escrevem-nos a dizer: "Acho que pode ser a minha mãe, acho que pode ser a minha irmã, pode ser o meu filho".
"O segundo tipo de mensagem que recebemos é dos cidadãos que não conhecem diretamente a pessoa, mas viram um caso de pessoa desaparecida na web ou pesquisaram no Google, e tentam ajudar a polícia ou encontraram uma pista".
"E o resto das mensagens pode ser informação sobre algo que foi visto numa das fotografias, por exemplo, talvez tenham visto um tipo de jóias ou brincos e depois dizem: eu tenho um parecido, comprei-o nesta loja no país nesta data, por isso talvez isto possa ajudar e, sabe, às vezes ajuda".
Ao contrário do que acontece na ficção, em que os detetives mais duros torcem o nariz quando são abordados por detetives amadores da Internet, na vida real, a Interpol quer ouvir toda a gente.
"Não hesitem em ar-nos com quaisquer pistas, porque analisamos todas as mensagens e acreditamos realmente que os cidadão comum pode ajudar-nos a encerrar alguns destes casos", disse Laurent.
"Algumas mulheres foram assassinadas num local muito remoto, por exemplo, e não tinham quase nada com elas. Não há nenhuma pista atual que possa ajudar na identificação. Por isso, acreditamos realmente que, algures no planeta, alguém sabe alguma coisa."
Nas imagens de família em VHS fornecidas por Donna Roberts, é possível identificar imediatamente Rita, uma mulher jovem e sorridente, quando ela entra na sala e se senta no sofá. Pouco depois, um cão com uma barba de chocolate vem ter com ela e sobe para o seu colo. Todos na sala se riem.
"A Rita era uma mulher dura e independente, que não aceitava disparates. Defendia a família e os amigos", diz Donna. "Tinha uma personalidade alegre, a sua vida era cheia de cor e ela trouxe cor à minha vida."
"Ela será sempre uma parte da pessoa que sou hoje."