{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/2024/07/24/hubert-vedrine-tem-de-haver-um-calendario-realista-para-a-adesao-da-ucrania" }, "headline": "Hubert V\u00e9drine: tem de haver um \u0022calend\u00e1rio realista\u0022 para a ades\u00e3o da Ucr\u00e2nia", "description": "A euronews falou com Hubert V\u00e9drine, antigo conselheiro do Presidente franc\u00eas Fran\u00e7ois Mitterrand e antigo Ministro dos Neg\u00f3cios Estrangeiros.", "articleBody": "Euronews: \u0022Neste ver\u00e3o de 2024, a quest\u00e3o da governabilidade est\u00e1 a ser colocada a todos os n\u00edveis: nacional, internacional, da Uni\u00e3o Europeia e mundial. Ser\u00e1 que estamos perante o\u00a0 fim de uma ordem pol\u00edtica e de uma ordem econ\u00f3mica mundial?\u0022Hubert V\u00e9drine: \u201cGlobalmente, nunca houve uma ordem mundial. Na realidade, sempre houve mais ou menos desordem mundial. Mas em certas alturas, havia pot\u00eancias que conseguiam dominar o sistema. Depois da Segunda Guerra Mundial, foram os americanos que organizaram o rescaldo, e muito bem. Foi um dos raros momentos em que uma pot\u00eancia dominante conseguiu combinar os interesses nacionais, que s\u00e3o os de todas as pot\u00eancias, com uma esp\u00e9cie de vis\u00e3o mais geral. Depois houve a Guerra Fria, que foi bastante est\u00e1vel, e compreens\u00edvel. Havia o Leste, o Oeste e o Sul, o famoso Terceiro Mundo. E depois, quando a Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica desapareceu, houve uma onda de entusiasmo e de triunfalismo no Ocidente, com uma forma ligeiramente nacionalista nos Estados Unidos: \u201cGanh\u00e1mos, somos os senhores! Agora voltamos \u00e0 geopol\u00edtica cl\u00e1ssica - a for\u00e7a dos Estados Unidos, a for\u00e7a da China, o que ser\u00e1 da R\u00fassia, etc., etc. Por isso, n\u00e3o diria que todos os regimes est\u00e3o em crise, depende se falarmos da China ou da R\u00fassia, cada caso \u00e9 diferente. Mas, diria que todas as democracias est\u00e3o em crise e, na minha opini\u00e3o, est\u00e3o amea\u00e7adas.A rela\u00e7\u00e3o entre a Europa e os EUAEuronews: \u0022E h\u00e1 um problema de governabilidade\u0022.Hubert V\u00e9drine: \u201cN\u00e3o \u00e9 s\u00f3 na Europa, s\u00e3o todas as democracias. Veja os Estados Unidos, est\u00e3o numa situa\u00e7\u00e3o assustadora. \u00c9 como se fossem dois pa\u00edses a lutar entre si. Portanto, h\u00e1 uma crise nas democracias e nas democracias representativas. A velha ideia de que elegemos pessoas, presidentes, membros do parlamento, etc. deixamo-las trabalhar e depois julgamos o desempenho e vemos se a elegemos ou n\u00e3o, isso acabou.Euronews: \u0022H\u00e1 tamb\u00e9m uma amea\u00e7a, um risco de cis\u00e3o definitiva entre os Estados Unidos e a Europa, em termos de interesses\u0022.Hubert V\u00e9drine: \u201enso que a Europa e os Estados Unidos v\u00e3o evoluir de forma diferente em rela\u00e7\u00e3o ao s\u00e9culo ado. Porque o que for\u00e7ou a uni\u00e3o dos Estados Unidos e da Europa foi a Primeira Guerra Mundial, depois Hitler e depois Estaline. Agora \u00e9 Putin. Mas, a longo prazo, s\u00e3o mundos diferentes. No seu testamento, o primeiro presidente, George Washington, disse: \u201cNunca se intrometa em conflitos entre europeus\u201d, mas os EUA nunca foram isolacionistas. Em geral, nunca foram isolacionistas para controlar por exemplo, o M\u00e9xico, Cuba ou as Filipinas. Mas, o caso da Europa \u00e9 particular. Os EUA foram obrigados a implicar-se muito mais do que tinham planeado. E estamos a ver isso de novo agora, porque n\u00e3o s\u00e3o apenas os Trumpistas que est\u00e3o a dizer que est\u00e3o fartos de pagar pelos europeus e que eles n\u00e3o est\u00e3o a fazer o suficiente. At\u00e9 os democratas est\u00e3o a dizer o mesmo. Barack Obama, que lan\u00e7ou o movimento de recentragem em dire\u00e7\u00e3o \u00e0 \u00c1sia disse: 'a Europa \u00e9 importante, mas \u00e9 secund\u00e1rio'. Mas isso pode obrigar os europeus a reagir mais do que antes\u0022.Euronews: Ent\u00e3o, quer tenhamos uma presid\u00eancia republicana, como toda a gente parece pensar, com Trump, ou presid\u00eancia uma democrata, n\u00e3o teremos uma grande mudan\u00e7a na pol\u00edtica?\u0022Hubert V\u00e9drine: \u201cH\u00e1 uma mudan\u00e7a gigantesca no estilo, no comportamento\u201d.\u00a0Euronews: \u201cNa Narrativa? como se costuma dizer\u201d?Hubert V\u00e9drine: \u201cSim, na narrativa, mas tamb\u00e9m \u00e9 uma quest\u00e3o de dec\u00eancia pol\u00edtica. Mas, basicamente, acho que estamos perante uma evolu\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica, qualquer que seja o cen\u00e1rio. Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 Ucr\u00e2nia, mesmo que ainda sejam os democratas a governar, eles n\u00e3o v\u00e3o voltar a votar num segundo plano de 61 mil milh\u00f5es. Portanto, de uma maneira ou de outra, a quest\u00e3o da Ucr\u00e2nia vai mudar\u0022.A R\u00fassia: um dilema para Europeus e AmericanosEuronews: \u201cA R\u00fassia continua a ser um dilema para Europeus e Americanos. H\u00e1 pa\u00edses europeus que est\u00e3o numa linha de confronto duro, dizem que a R\u00fassia \u00e9 uma amea\u00e7a existencial que temos de suprimir, eliminar, enquanto que para os outros, a R\u00fassia \u00e9 de facto um risco, mas control\u00e1vel. E h\u00e1 quem fale do envolvimento da R\u00fassia\u0022.Hubert V\u00e9drine: \u0022Para ser franco, sou da opini\u00e3o dos velhos realistas americanos, Kissinger, Brezinski que, neste ponto estavam de acordo um com o outro. Eles pensavam que a d\u00e9cada de 90 tinha sido um falhan\u00e7o. Eu tamb\u00e9m penso que nesse per\u00edodo, Ieltsin, Putin I e II, Medvedev, dev\u00edamos ter feito o que Kissinger prop\u00f4s, ou seja, um grande acordo de seguran\u00e7a, incluindo a R\u00fassia. Brzezinski, era polaco, esteve com Carter, e teve mais tarde uma enorme influ\u00eancia disse: 'A Ucr\u00e2nia deve ser separada da R\u00fassia'. Por isso, temos de reinventar a Ucr\u00e2nia, separ\u00e1-la da R\u00fassia, para que a R\u00fassia deixe de ser um imp\u00e9rio. Mas n\u00e3o devemos integr\u00e1-la na NATO. Deve ter um estatuto neutro, como a \u00c1ustria durante a Guerra Fria. N\u00e3o foi isso que fizeram. Mas n\u00e3o foi por duplicidade estrat\u00e9gica. Uso um termo para os Estados Unidos: desenvoltura ol\u00edmpica. 'Ganh\u00e1mos. Os nossos valores v\u00e3o ser impostos em todo o lado, com serm\u00f5es, san\u00e7\u00f5es, bombardeamentos, etc. Ganh\u00e1mos\u0022.\u00a0O realismo n\u00e3o falhou. A realpolitik n\u00e3o falhou. N\u00e3o foi tentada. Portanto, prevaleceu uma esp\u00e9cie de realpolitik confusa. E aqui concordo plenamente com Biden. E apenas com Biden e n\u00e3o com todos os europeus. Biden, disse desde o in\u00edcio: 'Temos de impedir Putin de ganhar na Ucr\u00e2nia. Sem d\u00favida. Mas n\u00e3o nos vamos deixar arrastar para a espiral de guerra com a R\u00fassia'. E h\u00e1 aqui uma divis\u00e3o, porque h\u00e1 alguns europeus que n\u00e3o se atrevem a diz\u00ea-lo assim, mas pensam que o regime russo deve ser derrubado\u0022.Euronews:\u00a0 \u201cVoltar \u00e0 Mosc\u00f3via, como dizem alguns?\u201dHubert V\u00e9drine: \u201cSim, Walesa j\u00e1 tinha dito isso, por exemplo, porque a R\u00fassia tamb\u00e9m \u00e9 um imp\u00e9rio colonial. Mas agora h\u00e1 uma linha americana. E mesmo na altura em que pens\u00e1vamos, esper\u00e1vamos, que os ucranianos iam ganhar, o Chefe do Estado-Maior das For\u00e7as Armadas dos EUA deixou claro que n\u00e3o apoiaria o ataque \u00e0 Crimeia, por exemplo. Bem, ainda n\u00e3o cheg\u00e1mos a esse ponto. a-se o contr\u00e1rio. Existe uma amea\u00e7a para a Ucr\u00e2nia e, neste ponto, estou totalmente de acordo. Temos de impedir Putin de ganhar\u0022.Euronews: \u201cDisse que para Biden, para a escola de Biden, a R\u00fassia n\u00e3o pode ganhar. Mas o que \u00e9 que isso significa em termos concretos? Uma esp\u00e9cie de paralelo ao estilo europeu, ou seja, congelamos o conflito onde os russos chegaram?Hubert V\u00e9drine: \u201cEstou \u00e0 espera de uma forma de congelamento: como o famoso plano de Trump. Conhecemos o in\u00edcio desse plano. Trump diz a Zelensky que tem de parar, por isso Zelensky antecipa-se, diz que vai chegar a um acordo com Trump, convidar os russos para negocia\u00e7\u00f5es. Ele j\u00e1 percebeu a situa\u00e7\u00e3o, e mesmo que sejam os democratas a vencer as elei\u00e7\u00f5es, eles n\u00e3o v\u00e3o prometer apoio perp\u00e9tuo.\u00a0Portanto, espero uma esp\u00e9cie de congelamento. Depois disso, n\u00e3o consigo imaginar negocia\u00e7\u00f5es diretas. A Ucr\u00e2nia sofreu demasiado, \u00e9 demasiado repugnante a guerra russa na Ucr\u00e2nia, \u00e9 monstruosa em termos humanos, os alvos, etc. \u00c9 assustador. Por isso, n\u00e3o podem negociar com nenhum presidente, mesmo que n\u00e3o seja Zelensky, mesmo que seja outra pessoa, ele n\u00e3o pode negociar com a R\u00fassia\u201d.Euronews: \u201cQue f\u00f3rmula?\u201dHubert V\u00e9drine: \u201cH\u00e1 v\u00e1rios planos de diferentes pa\u00edses. Planos de coexist\u00eancia, de vizinhan\u00e7a, um cessar-fogo organizado, etc. Os turcos, que salientaram o facto de terem permitido a realiza\u00e7\u00e3o de negocia\u00e7\u00f5es no primeiro ano. H\u00e1 os indianos, os chineses, Lula, todos, mas n\u00e3o os europeus, que agora est\u00e3o num s\u00f3 campo. Penso que os europeus, sem renunciar a nada, continuando a ajudar a Ucr\u00e2nia, deveriam posicionar-se para poderem desempenhar um papel no seguimento deste processo. E isso significa ser capaz de aceitar que, a dada altura, teremos de voltar a falar com os russos.Euronews: \u201cMas os russos n\u00e3o querem falar com os americanos\u201d.Hubert V\u00e9drine: \u201cEu sei\u201d.Euronews: \u201cE os americanos n\u00e3o querem falar com os russos. Talvez Trump?\u201d\u00a0\u00a0Hubert V\u00e9drine: \u201cTrump tem um plano: 'paramos, n\u00e3o h\u00e1 mais dinheiro e n\u00e3o fornecemos mais alvos militares'. Mas depois todos lhe dir\u00e3o, mesmo nos Estados Unidos, que temos de impedir Putin de atacar novamente. Mesmo para Trump, isso pode funcionar, porque se os russos voltarem a atacar, ele j\u00e1 n\u00e3o pode impressionar os chineses\u0022. Euronews: \u201cA ades\u00e3o da Ucr\u00e2nia \u00e0 Uni\u00e3o Europeia poder\u00e1 ser uma solu\u00e7\u00e3o aceit\u00e1vel para todos? \u201cHubert V\u00e9drine: \u201cO alargamento em geral, um dia, tem de parar algures. Por isso, a ideia de que vamos alargar at\u00e9 \u00e0 Mong\u00f3lia \u00e9 uma piada, ainda n\u00e3o cheg\u00e1mos l\u00e1. Quanto \u00e0 Ucr\u00e2nia, posso compreender que, em determinada altura, por raz\u00f5es de solidariedade humana, dadas as atrocidades sofridas pelos ucranianos, fa\u00e7amos este gesto, mas \u00e9 muito complicado. Na realidade, eles n\u00e3o cumprem as condi\u00e7\u00f5es. Por isso, tem de haver um calend\u00e1rio realista. Por outro lado, n\u00e3o podemos desiludir os pa\u00edses dos Balc\u00e3s Ocidentais, que est\u00e3o na sala de espera h\u00e1 anos\u201d.Euronews: \u201cMas esse \u00e9 o problema. \u00a0 Sabemos muito bem que este \u00e9, oficialmente, o maior problema que se coloca quando falamos do alargamento aos Balc\u00e3s Ocidentais: o reconhecimento do Kosovo, o senhor era Ministro dos Neg\u00f3cios Estrangeiros na altura da guerra\u201d.Hubert V\u00e9drine:\u00a0 \u201cEu fazia parte do grupo de o, incluindo o ministro russo da altura, Igor Ivanov. Mas gostaria de salientar que a Espanha n\u00e3o reconheceu o Kosovo. H\u00e1 v\u00e1rios pa\u00edses europeus que n\u00e3o o reconheceram porque \u00e9 um precedente demasiado perigoso. Por isso, n\u00e3o percebo como \u00e9 que a m\u00e1quina europeia, que \u00e9 muito psicor\u00edgida com muito arrog\u00e2ncia, talvez um pouco menos agora, n\u00e3o percebo como \u00e9 que isto \u00e9 uma condi\u00e7\u00e3o\u0022Euronews: \u201cAt\u00e9 porque a constru\u00e7\u00e3o de uma defesa europeia, sobretudo do ponto de vista industrial, continua a ser algo absolutamente irreal\u201d.Hubert V\u00e9drine: \u201cEm todo o caso, \u00e9 tudo um pouco teatral. Mesmo antes de Macron, que est\u00e1 ainda mais convencido pessoalmente, os ses sempre sugeriram uma defesa europeia e os europeus n\u00e3o a querem. Uma das formas de o fazer \u00e9 criar ind\u00fastrias de defesa na Europa. Mas os americanos, ao mesmo tempo que afirmam que os europeus precisam de gastar mais, est\u00e3o a lutar contra os seus concorrentes europeus. Por isso, querem que os europeus gastem mais para comprarem produtos americanos. Os pa\u00edses que contam quando se trata de defesa, que s\u00e3o seis ou sete - secretamente, digo isto publicamente, mas devia ser feito secretamente - deviam pensar sobre o que fazer se Trump ganhar\u0022.Euronews: \u201cOs Estados Unidos est\u00e3o a fazer press\u00e3o para trazer a NATO de volta, para alargar a NATO, para alargar o alcance da NATO \u00e0 \u00c1sia-Pac\u00edfico. Nem todos os europeus est\u00e3o convencidos disso\u0022.Hubert V\u00e9drine: \u201cTenho um ponto de vista cl\u00e1ssico, franc\u00eas e cl\u00e1ssico. \u00c9 o Tratado do Atl\u00e2ntico Norte. Sempre houve a tenta\u00e7\u00e3o de sair da zona, de a alargar. Isto n\u00e3o \u00e9 novidade. N\u00e3o \u00e9 uma boa solu\u00e7\u00e3o. \u00c9 incontrol\u00e1vel e extremamente perigoso. N\u00e3o sabemos como \u00e9 que isso nos iria alargar. A chave da NATO \u00e9 o artigo 5\u00ba, a obriga\u00e7\u00e3o de defender os aliados. Por isso, penso que precisamos de uma alian\u00e7a diferente, uma verdadeira alian\u00e7a, e em certos casos, para certas opera\u00e7\u00f5es pontuais, pode haver uma colabora\u00e7\u00e3o pontual e limitada entre este ou aquele pa\u00eds da NATO na Europa e esta alian\u00e7a asi\u00e1tica, que podemos aceitar ou n\u00e3o. Podemos dizer que n\u00e3o. Mas, em todo o caso, n\u00e3o pode ser a mesma alian\u00e7a, na minha opini\u00e3o. Al\u00e9m disso, j\u00e1 foi um abuso estender a compet\u00eancia te\u00f3rica da NATO ao Afeganist\u00e3o, que, al\u00e9m disso, acabou por fracassar\u201d.A solu\u00e7\u00e3o dos dois Estados: Israel e PalestinaEuronews: \u201cO M\u00e9dio Oriente, por outro lado, \u00e9, digamos, um enorme problema para a seguran\u00e7a europeia\u201d.Hubert V\u00e9drine: \u201c H\u00e1 uma s\u00e9rie de cen\u00e1rios, incluindo alguns terr\u00edveis: os israelitas nacionalistas, extremistas, quase fascistas, n\u00e3o necessariamente Netanyahu, mas os seus aliados, conseguem expulsar todos os palestinianos e tornar a vida in\u00e1vel na Cisjord\u00e2nia. Portanto, s\u00e3o de facto incendi\u00e1rios na Cisjord\u00e2nia. Ou temos outra hip\u00f3tese atroz: um dia, os israelitas recebem uma verdadeira bomba na cabe\u00e7a. Estes s\u00e3o cen\u00e1rios, n\u00e3o solu\u00e7\u00f5es.\u00a0A \u00fanica solu\u00e7\u00e3o \u00e9 a que Itzak Rabin teve a coragem de aceitar: dois Estados, com um Estado palestiniano. Rabin, Shimon Peres, Olmert, Ehud Barak e mesmo Sharon, no final, antes de Netanyahu ganhar e retomar o poder. Clinton dizia, devido \u00e0 influ\u00eancia dos judeus russos no eleitorado: comigo, nunca haver\u00e1 um Estado palestiniano. E depois tivemos o horror de 7 de outubro e o horror da guerra. Portanto, n\u00e3o se trata de uma quest\u00e3o de seguran\u00e7a\u201d.Euronews: \u201cEm que se baseia o Estado Palestiniano?\u00a0 Na altura, havia Arafat, a OLP\u2026\u201dHubert V\u00e9drine: \u201cMas at\u00e9 a equipa de Biden, que \u00e9 muito boa em rela\u00e7\u00e3o a isso, t\u00e3o boa quanto poss\u00edvel, tendo em conta a realidade da Am\u00e9rica. Biden, Blinken, Sullivan dizem que tem de haver um caminho para um Estado palestiniano. At\u00e9 os pa\u00edses \u00e1rabes tinham desistido dessa ideia completamente. Parto do pressuposto de que Netanyahu ser\u00e1 posto de lado. Precisamos de um governo israelita que assuma o risco. Do lado palestiniano, \u00e9 preciso reinventar uma Autoridade Palestiniana nova e cred\u00edvel. \u00c9 a \u00fanica amea\u00e7a para o Hamas. E o Hamas far\u00e1 tudo o que estiver ao seu alcance para o impedir. Por isso, se encontrarmos outro primeiro-ministro israelita, outro l\u00edder palestiniano, que n\u00e3o seja do Hamas, temos de os proteger\u201d.\u00a0\u00a0Euronews: \u201cE um \u00fanico Estado?\u201dHubert Vedrine: \u201cN\u00e3o creio que seja poss\u00edvel\u201d.Euronews: \u201cCom uma mudan\u00e7a de nome, talvez?\u201dHubert Vedrine: \u201c\u00c9 preciso come\u00e7ar por separar os dois povos.\u00a0 Talvez um dia vivamos mais juntos. Mas por agora parece-me ainda mais complicado do que o outro cen\u00e1rio, que j\u00e1 \u00e9\u2026\u201dEuronews: \u201c...j\u00e1 \u00e9 suficientemente complicado.Hubert V\u00e9drine: \u201cMas n\u00e3o devemos deixar de ter esperan\u00e7a\u201d.\u00a0Em busca de um novo governo (minorit\u00e1rio) em Fran\u00e7aEuronews: \u201dTerminamos com um cen\u00e1rio um pouco menos complicado. Pensamos e temos esperan\u00e7a. A situa\u00e7\u00e3o em Fran\u00e7a ap\u00f3s as elei\u00e7\u00f5es. Pela primeira vez, estamos a assistir a grandes dificuldades em encontrar uma maioria. Coloca-se a quest\u00e3o de uma coabita\u00e7\u00e3o. Mas com que maioria? Foi ministro num governo de coabita\u00e7\u00e3o...\u0022Hubert V\u00e9drine: \u201cei pelas tr\u00eas coabita\u00e7\u00f5es. O Presidente Macron j\u00e1 n\u00e3o tinha uma maioria real, por isso tinha um governo que navegava de acordo com as quest\u00f5es. A situa\u00e7\u00e3o \u00e9 ainda mais complicada do que antes. Em primeiro lugar, porque ningu\u00e9m tinha previsto a coliga\u00e7\u00e3o eleitoral conhecida como Frente Popular. \u00c9 surpreendente, porque...Euronews: \u0022Um cartel?\u0022Hubert Vedrine: \u201cSim, aquilo a que se chamou o cartel da esquerda nos anos 22-23, Macron n\u00e3o estava \u00e0 espera, mas ningu\u00e9m estava. Porque h\u00e1 uma contradi\u00e7\u00e3o absoluta na subst\u00e2ncia. Relativamente a outros assuntos, basta olhar para o programa. \u00c9 evidente que h\u00e1 contradi\u00e7\u00f5es pessoais, ambi\u00e7\u00f5es contradit\u00f3rias e enormes contradi\u00e7\u00f5es program\u00e1ticas. O que \u00e9 que vai acontecer no pr\u00f3ximo ano? A menos que a Frente Popular consiga impor uma candidatura \u00fanica, mas de momento n\u00e3o o consegue fazer. E se isso n\u00e3o acontecer, em ambos os casos, aremos \u00e0 fase das tentativas de coliga\u00e7\u00e3o governamental, seja com o que resta dos macronianos, o Ensemble, com um pouco da direita moderada, n\u00e3o o RN, um pouco da esquerda, um pouco... e ningu\u00e9m sabe. Mas, em todo o caso, ser\u00e1 uma minoria\u0022.Euronews: \u201c Mas, na sua opini\u00e3o, ser\u00e1 necess\u00e1rio, em algum momento, envolver-se ou mesmo criar um desanuviamento institucional, uma forma de desanuviamento institucional com a RN? Dado que representa uma parte consider\u00e1vel do eleitorado franc\u00eas\u0022.Hubert V\u00e9drine: \u201dSim, penso que atingimos os limites do esp\u00edrito democr\u00e1tico quando tentamos excluir o RN dos cargos, etc., pessoas que representam quase metade do eleitorado, pelo que isso j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 aceit\u00e1vel.\u00a0Al\u00e9m disso, a coliga\u00e7\u00e3o da Frente Republicana contra a extrema-direita baseia-se no moralismo e na narrativa do fascismo. Na minha opini\u00e3o a realidade \u00e9 completamente diferente. \u00c9 uma forma de pregui\u00e7a intelectual comparar a situa\u00e7\u00e3o atual com os anos 30, \u00e9 completamente diferente. Mas se tivesse funcionado, o RN estaria nos 15%, n\u00e3o estaria nos 40. Ent\u00e3o, \u00e9 verdade, a quest\u00e3o \u00e9 delicada, e as minhas respostas podem chocar algumas pessoas. Mas, na minha opini\u00e3o, ou os partidos do governo conseguem responder, o que n\u00e3o acontece h\u00e1 30 anos, ao desejo de ordem, que n\u00e3o \u00e9 uma vontade fascista, \u00e9 algo banal. Ou ent\u00e3o, mais cedo ou mais tarde, o RN vai governar. Ent\u00e3o, nessa altura, veremos os seus limites. Haver\u00e1 uma forma de banaliza\u00e7\u00e3o. Tornar-se-\u00e1 um partido de governo odiado como todos os outros.\u00a0As iniciativas de Viktor Orb\u00e1nEuronews: \u201cE a prop\u00f3sito de extremos, para terminar, houve uma iniciativa de Viktor Orb\u00e1n, o primeiro-ministro h\u00fangaro, que foi muito criticado por ter aberto negocia\u00e7\u00f5es com os russos e os chineses, e tamb\u00e9m com Trump. Acha que iniciativas como essa tamb\u00e9m podem ser \u00fateis?Hubert V\u00e9drine: \u201c N\u00e3o, n\u00e3o isoladamente. Mas n\u00e3o vou dizer que \u00e9 um esc\u00e2ndalo porque ningu\u00e9m se lembra que costumava haver presid\u00eancias rotativas. Portanto, de certa forma...\u0022Euronews: \u0022Ele deu visibilidade \u00e0 presid\u00eancia rotativa?\u201dHubert V\u00e9drine: \u201cD\u00e1-lhe um novo brilho. Al\u00e9m disso, trata-se de um jogo particular. Quando Putin o recebe, Putin sabe muito bem que ele s\u00f3 fala em nome pr\u00f3prio ou de um ou dois outros pa\u00edses, mas n\u00e3o a disso. Por isso, n\u00e3o vou fazer um esc\u00e2ndalo em rela\u00e7\u00e3o a Orb\u00e1n, mesmo que isso coloque todo o sistema da Comiss\u00e3o, da PESC, etc., em estado de coma. E, em todo o caso, o quadro vai mudar no final do ano. Ser\u00e1 Trump? \u00e9 o mais prov\u00e1vel, mas se os democratas ganharem n\u00e3o v\u00e3o continuar a seguir a mesma linha que antes. Portanto, Orb\u00e1n pode dizer que preparou o terreno, mas isso n\u00e3o significa nada, ele n\u00e3o pode preparar o terreno. Porque a discuss\u00e3o em que os russos est\u00e3o interessados \u00e9 a discuss\u00e3o americana e Zelensky vai precisar de pessoas que possam falar tanto com os americanos como com os russos. Por isso, \u00e9 um esc\u00e2ndalo exagerado. \u00c9 mais uma quest\u00e3o de batalhas territoriais, mas isso tamb\u00e9m n\u00e3o \u00e9 a solu\u00e7\u00e3o. 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Hubert Védrine: tem de haver um "calendário realista" para a adesão da Ucrânia

Hubert Védrine: tem de haver um "calendário realista" para a adesão da Ucrânia
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De Sergio Cantone
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A euronews falou com Hubert Védrine, antigo conselheiro do Presidente francês François Mitterrand e antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Euronews: "Neste verão de 2024, a questão da governabilidade está a ser colocada a todos os níveis: nacional, internacional, da União Europeia e mundial. Será que estamos perante o  fim de uma ordem política e de uma ordem económica mundial?"

Hubert Védrine: “Globalmente, nunca houve uma ordem mundial. Na realidade, sempre houve mais ou menos desordem mundial. Mas em certas alturas, havia potências que conseguiam dominar o sistema. Depois da Segunda Guerra Mundial, foram os americanos que organizaram o rescaldo, e muito bem. Foi um dos raros momentos em que uma potência dominante conseguiu combinar os interesses nacionais, que são os de todas as potências, com uma espécie de visão mais geral. Depois houve a Guerra Fria, que foi bastante estável, e compreensível. Havia o Leste, o Oeste e o Sul, o famoso Terceiro Mundo. E depois, quando a União Soviética desapareceu, houve uma onda de entusiasmo e de triunfalismo no Ocidente, com uma forma ligeiramente nacionalista nos Estados Unidos: “Ganhámos, somos os senhores! Agora voltamos à geopolítica clássica - a força dos Estados Unidos, a força da China, o que será da Rússia, etc., etc. Por isso, não diria que todos os regimes estão em crise, depende se falarmos da China ou da Rússia, cada caso é diferente. Mas, diria que todas as democracias estão em crise e, na minha opinião, estão ameaçadas.

A relação entre a Europa e os EUA

Euronews: "E há um problema de governabilidade".

Hubert Védrine: “Não é só na Europa, são todas as democracias. Veja os Estados Unidos, estão numa situação assustadora. É como se fossem dois países a lutar entre si. Portanto, há uma crise nas democracias e nas democracias representativas. A velha ideia de que elegemos pessoas, presidentes, membros do parlamento, etc. deixamo-las trabalhar e depois julgamos o desempenho e vemos se a elegemos ou não, isso acabou.

Euronews: "Há também uma ameaça, um risco de cisão definitiva entre os Estados Unidos e a Europa, em termos de interesses".

Hubert Védrine: “Penso que a Europa e os Estados Unidos vão evoluir de forma diferente em relação ao século ado. Porque o que forçou a união dos Estados Unidos e da Europa foi a Primeira Guerra Mundial, depois Hitler e depois Estaline. Agora é Putin. Mas, a longo prazo, são mundos diferentes. No seu testamento, o primeiro presidente, George Washington, disse: “Nunca se intrometa em conflitos entre europeus”, mas os EUA nunca foram isolacionistas. Em geral, nunca foram isolacionistas para controlar por exemplo, o México, Cuba ou as Filipinas. Mas, o caso da Europa é particular. Os EUA foram obrigados a implicar-se muito mais do que tinham planeado. E estamos a ver isso de novo agora, porque não são apenas os Trumpistas que estão a dizer que estão fartos de pagar pelos europeus e que eles não estão a fazer o suficiente. Até os democratas estão a dizer o mesmo. Barack Obama, que lançou o movimento de recentragem em direção à Ásia disse: 'a Europa é importante, mas é secundário'. Mas isso pode obrigar os europeus a reagir mais do que antes".

Euronews: Então, quer tenhamos uma presidência republicana, como toda a gente parece pensar, com Trump, ou presidência uma democrata, não teremos uma grande mudança na política?"

Hubert Védrine: “Há uma mudança gigantesca no estilo, no comportamento”. 

Euronews: “Na Narrativa? como se costuma dizer”?

Hubert Védrine: “Sim, na narrativa, mas também é uma questão de decência política. Mas, basicamente, acho que estamos perante uma evolução histórica, qualquer que seja o cenário. Em relação à Ucrânia, mesmo que ainda sejam os democratas a governar, eles não vão voltar a votar num segundo plano de 61 mil milhões. Portanto, de uma maneira ou de outra, a questão da Ucrânia vai mudar".

A Rússia: um dilema para Europeus e Americanos

Euronews: “A Rússia continua a ser um dilema para Europeus e Americanos. Há países europeus que estão numa linha de confronto duro, dizem que a Rússia é uma ameaça existencial que temos de suprimir, eliminar, enquanto que para os outros, a Rússia é de facto um risco, mas controlável. E há quem fale do envolvimento da Rússia".

Hubert Védrine: "Para ser franco, sou da opinião dos velhos realistas americanos, Kissinger, Brezinski que, neste ponto estavam de acordo um com o outro. Eles pensavam que a década de 90 tinha sido um falhanço. Eu também penso que nesse período, Ieltsin, Putin I e II, Medvedev, devíamos ter feito o que Kissinger propôs, ou seja, um grande acordo de segurança, incluindo a Rússia. Brzezinski, era polaco, esteve com Carter, e teve mais tarde uma enorme influência disse: 'A Ucrânia deve ser separada da Rússia'. Por isso, temos de reinventar a Ucrânia, separá-la da Rússia, para que a Rússia deixe de ser um império. Mas não devemos integrá-la na NATO. Deve ter um estatuto neutro, como a Áustria durante a Guerra Fria. Não foi isso que fizeram. Mas não foi por duplicidade estratégica. Uso um termo para os Estados Unidos: desenvoltura olímpica. 'Ganhámos. Os nossos valores vão ser impostos em todo o lado, com sermões, sanções, bombardeamentos, etc. Ganhámos". O realismo não falhou. A realpolitik não falhou. Não foi tentada. Portanto, prevaleceu uma espécie de realpolitik confusa. E aqui concordo plenamente com Biden. E apenas com Biden e não com todos os europeus. Biden, disse desde o início: 'Temos de impedir Putin de ganhar na Ucrânia. Sem dúvida. Mas não nos vamos deixar arrastar para a espiral de guerra com a Rússia'. E há aqui uma divisão, porque há alguns europeus que não se atrevem a dizê-lo assim, mas pensam que o regime russo deve ser derrubado".

Euronews:  “Voltar à Moscóvia, como dizem alguns?”

Hubert Védrine: “Sim, Walesa já tinha dito isso, por exemplo, porque a Rússia também é um império colonial. Mas agora há uma linha americana. E mesmo na altura em que pensávamos, esperávamos, que os ucranianos iam ganhar, o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA deixou claro que não apoiaria o ataque à Crimeia, por exemplo. Bem, ainda não chegámos a esse ponto. a-se o contrário. Existe uma ameaça para a Ucrânia e, neste ponto, estou totalmente de acordo. Temos de impedir Putin de ganhar".

Euronews: “Disse que para Biden, para a escola de Biden, a Rússia não pode ganhar. Mas o que é que isso significa em termos concretos? Uma espécie de paralelo ao estilo europeu, ou seja, congelamos o conflito onde os russos chegaram?

Hubert Védrine: “Estou à espera de uma forma de congelamento: como o famoso plano de Trump. Conhecemos o início desse plano. Trump diz a Zelensky que tem de parar, por isso Zelensky antecipa-se, diz que vai chegar a um acordo com Trump, convidar os russos para negociações. Ele já percebeu a situação, e mesmo que sejam os democratas a vencer as eleições, eles não vão prometer apoio perpétuo. Portanto, espero uma espécie de congelamento. Depois disso, não consigo imaginar negociações diretas. A Ucrânia sofreu demasiado, é demasiado repugnante a guerra russa na Ucrânia, é monstruosa em termos humanos, os alvos, etc. É assustador. Por isso, não podem negociar com nenhum presidente, mesmo que não seja Zelensky, mesmo que seja outra pessoa, ele não pode negociar com a Rússia”.

Euronews: “Que fórmula?”

Hubert Védrine: “Há vários planos de diferentes países. Planos de coexistência, de vizinhança, um cessar-fogo organizado, etc. Os turcos, que salientaram o facto de terem permitido a realização de negociações no primeiro ano. Há os indianos, os chineses, Lula, todos, mas não os europeus, que agora estão num só campo. Penso que os europeus, sem renunciar a nada, continuando a ajudar a Ucrânia, deveriam posicionar-se para poderem desempenhar um papel no seguimento deste processo. E isso significa ser capaz de aceitar que, a dada altura, teremos de voltar a falar com os russos.

Euronews: “Mas os russos não querem falar com os americanos”.

Hubert Védrine: “Eu sei”.

Euronews: “E os americanos não querem falar com os russos. Talvez Trump?”  

Hubert Védrine: “Trump tem um plano: 'paramos, não há mais dinheiro e não fornecemos mais alvos militares'. Mas depois todos lhe dirão, mesmo nos Estados Unidos, que temos de impedir Putin de atacar novamente. Mesmo para Trump, isso pode funcionar, porque se os russos voltarem a atacar, ele já não pode impressionar os chineses".

Euronews: “A adesão da Ucrânia à União Europeia poderá ser uma solução aceitável para todos? “

Hubert Védrine: “O alargamento em geral, um dia, tem de parar algures. Por isso, a ideia de que vamos alargar até à Mongólia é uma piada, ainda não chegámos lá. Quanto à Ucrânia, posso compreender que, em determinada altura, por razões de solidariedade humana, dadas as atrocidades sofridas pelos ucranianos, façamos este gesto, mas é muito complicado. Na realidade, eles não cumprem as condições. Por isso, tem de haver um calendário realista. Por outro lado, não podemos desiludir os países dos Balcãs Ocidentais, que estão na sala de espera há anos”.

Euronews: “Mas esse é o problema.   Sabemos muito bem que este é, oficialmente, o maior problema que se coloca quando falamos do alargamento aos Balcãs Ocidentais: o reconhecimento do Kosovo, o senhor era Ministro dos Negócios Estrangeiros na altura da guerra”.

Hubert Védrine:  “Eu fazia parte do grupo de o, incluindo o ministro russo da altura, Igor Ivanov. Mas gostaria de salientar que a Espanha não reconheceu o Kosovo. Há vários países europeus que não o reconheceram porque é um precedente demasiado perigoso. Por isso, não percebo como é que a máquina europeia, que é muito psicorígida com muito arrogância, talvez um pouco menos agora, não percebo como é que isto é uma condição"

Euronews: “Até porque a construção de uma defesa europeia, sobretudo do ponto de vista industrial, continua a ser algo absolutamente irreal”.

Hubert Védrine: “Em todo o caso, é tudo um pouco teatral. Mesmo antes de Macron, que está ainda mais convencido pessoalmente, os ses sempre sugeriram uma defesa europeia e os europeus não a querem. Uma das formas de o fazer é criar indústrias de defesa na Europa. Mas os americanos, ao mesmo tempo que afirmam que os europeus precisam de gastar mais, estão a lutar contra os seus concorrentes europeus. Por isso, querem que os europeus gastem mais para comprarem produtos americanos. Os países que contam quando se trata de defesa, que são seis ou sete - secretamente, digo isto publicamente, mas devia ser feito secretamente - deviam pensar sobre o que fazer se Trump ganhar".

Euronews: “Os Estados Unidos estão a fazer pressão para trazer a NATO de volta, para alargar a NATO, para alargar o alcance da NATO à Ásia-Pacífico. Nem todos os europeus estão convencidos disso".

Hubert Védrine: “Tenho um ponto de vista clássico, francês e clássico. É o Tratado do Atlântico Norte. Sempre houve a tentação de sair da zona, de a alargar. Isto não é novidade. Não é uma boa solução. É incontrolável e extremamente perigoso. Não sabemos como é que isso nos iria alargar. A chave da NATO é o artigo 5º, a obrigação de defender os aliados. Por isso, penso que precisamos de uma aliança diferente, uma verdadeira aliança, e em certos casos, para certas operações pontuais, pode haver uma colaboração pontual e limitada entre este ou aquele país da NATO na Europa e esta aliança asiática, que podemos aceitar ou não. Podemos dizer que não. Mas, em todo o caso, não pode ser a mesma aliança, na minha opinião. Além disso, já foi um abuso estender a competência teórica da NATO ao Afeganistão, que, além disso, acabou por fracassar”.

A solução dos dois Estados: Israel e Palestina

Euronews: “O Médio Oriente, por outro lado, é, digamos, um enorme problema para a segurança europeia”.

Hubert Védrine: “ Há uma série de cenários, incluindo alguns terríveis: os israelitas nacionalistas, extremistas, quase fascistas, não necessariamente Netanyahu, mas os seus aliados, conseguem expulsar todos os palestinianos e tornar a vida inável na Cisjordânia. Portanto, são de facto incendiários na Cisjordânia. Ou temos outra hipótese atroz: um dia, os israelitas recebem uma verdadeira bomba na cabeça. Estes são cenários, não soluções. A única solução é a que Itzak Rabin teve a coragem de aceitar: dois Estados, com um Estado palestiniano. Rabin, Shimon Peres, Olmert, Ehud Barak e mesmo Sharon, no final, antes de Netanyahu ganhar e retomar o poder. Clinton dizia, devido à influência dos judeus russos no eleitorado: comigo, nunca haverá um Estado palestiniano. E depois tivemos o horror de 7 de outubro e o horror da guerra. Portanto, não se trata de uma questão de segurança”.

Euronews: “Em que se baseia o Estado Palestiniano?  Na altura, havia Arafat, a OLP…”

Hubert Védrine: “Mas até a equipa de Biden, que é muito boa em relação a isso, tão boa quanto possível, tendo em conta a realidade da América. Biden, Blinken, Sullivan dizem que tem de haver um caminho para um Estado palestiniano. Até os países árabes tinham desistido dessa ideia completamente. Parto do pressuposto de que Netanyahu será posto de lado. Precisamos de um governo israelita que assuma o risco. Do lado palestiniano, é preciso reinventar uma Autoridade Palestiniana nova e credível. É a única ameaça para o Hamas. E o Hamas fará tudo o que estiver ao seu alcance para o impedir. Por isso, se encontrarmos outro primeiro-ministro israelita, outro líder palestiniano, que não seja do Hamas, temos de os proteger”.  

Euronews: “E um único Estado?”

Hubert Vedrine: “Não creio que seja possível”.

Euronews: “Com uma mudança de nome, talvez?”

Hubert Vedrine: “É preciso começar por separar os dois povos.  Talvez um dia vivamos mais juntos. Mas por agora parece-me ainda mais complicado do que o outro cenário, que já é…”

Euronews: “...já é suficientemente complicado.

Hubert Védrine: “Mas não devemos deixar de ter esperança”. 

Em busca de um novo governo (minoritário) em França

Euronews: ”Terminamos com um cenário um pouco menos complicado. Pensamos e temos esperança. A situação em França após as eleições. Pela primeira vez, estamos a assistir a grandes dificuldades em encontrar uma maioria. Coloca-se a questão de uma coabitação. Mas com que maioria? Foi ministro num governo de coabitação..."

Hubert Védrine: “ei pelas três coabitações. O Presidente Macron já não tinha uma maioria real, por isso tinha um governo que navegava de acordo com as questões. A situação é ainda mais complicada do que antes. Em primeiro lugar, porque ninguém tinha previsto a coligação eleitoral conhecida como Frente Popular. É surpreendente, porque...

Euronews: "Um cartel?"

Hubert Vedrine: “Sim, aquilo a que se chamou o cartel da esquerda nos anos 22-23, Macron não estava à espera, mas ninguém estava. Porque há uma contradição absoluta na substância. Relativamente a outros assuntos, basta olhar para o programa. É evidente que há contradições pessoais, ambições contraditórias e enormes contradições programáticas. O que é que vai acontecer no próximo ano? A menos que a Frente Popular consiga impor uma candidatura única, mas de momento não o consegue fazer. E se isso não acontecer, em ambos os casos, aremos à fase das tentativas de coligação governamental, seja com o que resta dos macronianos, o Ensemble, com um pouco da direita moderada, não o RN, um pouco da esquerda, um pouco... e ninguém sabe. Mas, em todo o caso, será uma minoria".

Euronews: “ Mas, na sua opinião, será necessário, em algum momento, envolver-se ou mesmo criar um desanuviamento institucional, uma forma de desanuviamento institucional com a RN? Dado que representa uma parte considerável do eleitorado francês".

Hubert Védrine: ”Sim, penso que atingimos os limites do espírito democrático quando tentamos excluir o RN dos cargos, etc., pessoas que representam quase metade do eleitorado, pelo que isso já não é aceitável. Além disso, a coligação da Frente Republicana contra a extrema-direita baseia-se no moralismo e na narrativa do fascismo. Na minha opinião a realidade é completamente diferente. É uma forma de preguiça intelectual comparar a situação atual com os anos 30, é completamente diferente. Mas se tivesse funcionado, o RN estaria nos 15%, não estaria nos 40. Então, é verdade, a questão é delicada, e as minhas respostas podem chocar algumas pessoas. Mas, na minha opinião, ou os partidos do governo conseguem responder, o que não acontece há 30 anos, ao desejo de ordem, que não é uma vontade fascista, é algo banal. Ou então, mais cedo ou mais tarde, o RN vai governar. Então, nessa altura, veremos os seus limites. Haverá uma forma de banalização. Tornar-se-á um partido de governo odiado como todos os outros. 

As iniciativas de Viktor Orbán

Euronews: “E a propósito de extremos, para terminar, houve uma iniciativa de Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro, que foi muito criticado por ter aberto negociações com os russos e os chineses, e também com Trump. Acha que iniciativas como essa também podem ser úteis?

Hubert Védrine: “ Não, não isoladamente. Mas não vou dizer que é um escândalo porque ninguém se lembra que costumava haver presidências rotativas. Portanto, de certa forma..."

Euronews: "Ele deu visibilidade à presidência rotativa?”

Hubert Védrine: “Dá-lhe um novo brilho. Além disso, trata-se de um jogo particular. Quando Putin o recebe, Putin sabe muito bem que ele só fala em nome próprio ou de um ou dois outros países, mas não a disso. Por isso, não vou fazer um escândalo em relação a Orbán, mesmo que isso coloque todo o sistema da Comissão, da PESC, etc., em estado de coma. E, em todo o caso, o quadro vai mudar no final do ano. Será Trump? é o mais provável, mas se os democratas ganharem não vão continuar a seguir a mesma linha que antes. Portanto, Orbán pode dizer que preparou o terreno, mas isso não significa nada, ele não pode preparar o terreno. Porque a discussão em que os russos estão interessados é a discussão americana e Zelensky vai precisar de pessoas que possam falar tanto com os americanos como com os russos. Por isso, é um escândalo exagerado. É mais uma questão de batalhas territoriais, mas isso também não é a solução. E não estou a ver os europeus, no contexto de Trump, seguirem a linha de Orbán".

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