{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/2021/04/26/o-mundo-pos-pandemia-entre-incerteza-medo-e-esperanca" }, "headline": "O mundo p\u00f3s-pandemia entre incerteza, medo e esperan\u00e7a", "description": "Como ser\u00e1 o mundo ap\u00f3s a pandemia? Coloc\u00e1mos a quest\u00e3o a tr\u00eas especialistas.", "articleBody": "Como ser\u00e1 o mundo p\u00f3s-pandemia? Coloc\u00e1mos a pergunta a tr\u00eas especialistas, Peter Frankopan, professor brit\u00e2nico de hist\u00f3ria global, Karina Knorr-Cetina, soci\u00f3loga austr\u00edaca da Universidade de Chicago e ao economista franc\u00eas Jean-Paul Fitoussi. Euronews : \u201cA capacidade da covid-19 de se espalhar t\u00e3o rapidamente e facilmente \u00e9 uma novidade absoluta na hist\u00f3ria das pandemias?\u201d Peter Frankopan : \u201cN\u00e3o. Ou seja, vivemos num mundo em que a tecnologia e os transportes permitem que as coisas se acelerem, mas as pandemias s\u00e3o uma parte muito importante da hist\u00f3ria global, remontam a muitos milhares de anos. O problema \u00e9 quando os seres humanos vivem pr\u00f3ximos dos animais e que algo sai do reino animal e se transforma em algo prejudicial e perigoso para os seres humanos. \u00c9 uma parte do pre\u00e7o que pagamos pelos alimentos que temos \u00e0 nossa disposi\u00e7\u00e3o. O que \u00e9 invulgar nesta pandemia, ap\u00f3s ter sido identificada em Wuhan, \u00e9 a rapidez com que se espalhou pela Europa, mas, na verdade, mesmo esses elementos de rapidez t\u00eam de ser examinados de forma diferente. ou-se mais de um ano e meio desde que o v\u00edrus foi identificado pela primeira vez, e s\u00f3 agora come\u00e7ou a espalhar-se pela \u00cdndia segundo um padr\u00e3o devastador. Essas coisas levam tempo, mas de facto dizem-nos muito sobre como a forma como comunicamos e como viajamos. Mas a velocidade, creio eu, n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o espetacular quanto poder\u00edamos pensar\u201d. euronews : \u201cOlhando para tr\u00e1s, na hist\u00f3ria, se compararmos com cont\u00e1gios anteriores, como \u00e9 que esta pandemia pode mudar a ordem pol\u00edtica global?\u201d Peter Frankopan: \u201cTudo depende do que acontecer\u00e1 a seguir. Antes da pandemia, toda a gente tinha percebido que se tratava de uma \u00e9poca em que a China estava a crescer muito rapidamente de formas previs\u00edveis e imprevis\u00edveis. No caso da R\u00fassia, as rela\u00e7\u00f5es com os pa\u00edses vizinhos, especialmente com a Ucr\u00e2nia, j\u00e1 eram extremamente problem\u00e1ticas. As altera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas e o impacto que podem ter no Sul da \u00c1sia, no M\u00e9dio Oriente e na \u00c1frica Ocidental s\u00e3o quest\u00f5es sobre as quais muitas pessoas pensam e que suscitam preocupa\u00e7\u00f5es. Vivemos numa \u00e9poca de grandes mudan\u00e7as, de qualquer forma. De certa maneira, a pandemia agiu como um catalisador para desacelerar algumas coisas, pois o nosso ar est\u00e1 mais limpo. Os p\u00e1ssaros cantam porque n\u00e3o estamos a viajar muito. Mas o impacto real de longo prazo ser\u00e1 sentido pelos pobres do mundo. \u00c9 nos ambientes pobres que a maior press\u00e3o se faz sentir porque os pa\u00edses ricos s\u00e3o capazes de gerar o m\u00e1ximo de d\u00edvida de que precisam e convencer os investidores de que v\u00e3o pag\u00e1-la. Mas os mercados e pa\u00edses emergentes subdesenvolvidos, j\u00e1 est\u00e3o a sofrer terrivelmente, e esse fosso vai aumentar muito nos pr\u00f3ximos anos\u201d. Euronews : \u201cVoltemos \u00e0 hist\u00f3ria novamente. J\u00e1 t\u00ednhamos visto esse efeito econ\u00f3mico ou financeiro das pandemias?\u201d Peter Frankopan : \u201cA diferen\u00e7a em rela\u00e7\u00e3o a esta pandemia \u00e9 que embora tenha afetado milh\u00f5es de pessoas, na verdade, as taxas de mortalidade n\u00e3o s\u00e3o assim t\u00e3o m\u00e1s. Parece muito dram\u00e1tico, tudo o que vemos na televis\u00e3o. Mas vejamos a gripe espanhola, por exemplo, h\u00e1 cem anos. Se o coronav\u00edrus tivesse matado o mesmo n\u00famero de pessoas que a gripe espanhola matou h\u00e1 100 anos, teriam morrido mais de 250 milh\u00f5es de pessoas, em vez de tr\u00eas milh\u00f5es. Cada uma dessas mortes \u00e9 uma trag\u00e9dia pessoal para a fam\u00edlia e teria sido evit\u00e1vel, se melhores medidas tivessem sido implementadas. Mas esta epidemia n\u00e3o mudar\u00e1 as rela\u00e7\u00f5es de trabalho da mesma forma que a anterior porque n\u00e3o h\u00e1 uma grande mudan\u00e7a demogr\u00e1fica, em termos de impacto. Ter\u00e1 mais a ver com a forma como os governos istram as d\u00edvidas e como \u00e9 que vamos redifinir a rela\u00e7\u00e3o entre os centros pol\u00edticos e os cidad\u00e3os ou contribuintes. Trata-se de uma discuss\u00e3o muito importante que j\u00e1 est\u00e1 acontecer. Mas que vai acelerar-se nos pr\u00f3ximos anos\u201d. Euronews : \u201ensa que o mundo p\u00f3s-Covid ser\u00e1 menos interdependente?\u201d Peter Frankopan : \u201cEstou muito ansioso na medida em que que a dissocia\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m tem um lado negro. \u00c9 muito mais dif\u00edcil do que o o que as pessoas parecem dar a entender. \u00c9 preciso analisar as pe\u00e7as do quebra-cabe\u00e7a geopol\u00edtico de alto n\u00edvel. Mas n\u00e3o. Eu espero que voltemos \u00e0 normalidade porque se n\u00e3o voltar ao normal, resultado final poder\u00e1 ser infla\u00e7\u00e3o e pre\u00e7os mais altos. E isso seria devastador no curto prazo\u201d. Euronews : \u201cA vacina russa, o Sputnik, \u00e9 uma ferramenta pol\u00edtica e de poder ou uma arma contra a Covid 19, o nosso inimigo comum?\u201d Peter Frankopan : \u201cQuando vemos os russos a oferecer a sua vacina, pensamos que \u00e9 uma ferramenta pol\u00edtica. E a primeira pergunta que podemos colocar \u00e9: qual \u00e9 a nossa? Onde est\u00e3o as vacinas e o nosso apoio m\u00e9dico para outras partes do mundo? Por que \u00e9 que n\u00e3o usamos as nossas vacinas da mesma forma dita diplom\u00e1tica? Com certeza, a R\u00fassia e Moscovo tentam exercer influ\u00eancia. Acontece que a R\u00fassia tem uma posi\u00e7\u00e3o global muito mais fraca do que a maioria das pessoas pensa, na minha opini\u00e3o. Tem de usar as suas habilidades diplom\u00e1ticas de forma cuidadosa. Penso que n\u00f3s, na Europa, n\u00e3o sabemos o que queremos. J\u00e1 se falou em limitar o envio de vacinas da Europa para outras partes do mundo. A nossa ind\u00fastria farmac\u00eautica impede o uso da propriedade intelectual o que permitiria reduzir o pre\u00e7o dos medicamentos e salvar vidas nos pa\u00edses em desenvolvimento. Penso que na Europa, toda a gente espera que os outros fa\u00e7am as coisas como n\u00f3s. Mas, na verdade, quando nos olhamos ao espelho, penso que h\u00e1 muito para melhorar\u201d. Euronews : \u201cComo cidad\u00e3os do mundo, somos agora obrigados a dar mais import\u00e2ncia \u00e0s normas do sistema de sa\u00fade e \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o m\u00e9dica a n\u00edvel regional, e ao n\u00edvel dos acordos de livre com\u00e9rcio, por causa das pandemias?\u201d Peter Frankopan : \u201cO mais engra\u00e7ado \u00e9 que as crises t\u00eam tamb\u00e9m geralmente resultados positivos. E uma das coisas que a pandemia nos ensinou \u00e9 necessidade de termos uma resposta mais global e integrada das doen\u00e7a e das pandemias. A quantidade de investiga\u00e7\u00f5es e a forma como a colabora\u00e7\u00e3o funcionou entre centros de investiga\u00e7\u00e3o universit\u00e1rios... tem sido um verdadeiro milagre. As vacinas foram desenvolvidas rapidamente e h\u00e1 muitas vacinas. Na realidade, apenas 3% do financiamento m\u00e9dico se destina \u00e0 pesquisa de antiv\u00edrus. Por isso, a reflex\u00e3o sobre como podemos cooperar melhor para curar doen\u00e7as, de um modo mais estruturado, \u00e9 algo muito importante , nomeadamente, em rela\u00e7\u00e3o a doen\u00e7as como o cancro ou a SIDA. Penso que h\u00e1 uma verdadeira esperan\u00e7a de que essas colabora\u00e7\u00f5es possam ser replicadas noutras \u00e1reas, para podermos beneficiar das vantagens de trabalhamos juntos. O problema \u00e9, obviamente, que os pol\u00edticos em todos os pa\u00edses criam sempre confus\u00e3o, causam problemas desnecess\u00e1rios ou entram em jogos de poder uns com os outros. Mas, em rela\u00e7\u00e3o ao lado m\u00e9dico da coopera\u00e7\u00e3o, espero que estejamos em melhor posi\u00e7\u00e3o quando a pandemia acabar. Euronews : \u201cS\u00f3 uma \u00faltima pergunta. Os n\u00fameros desta pandemia s\u00e3o tr\u00e1gicos, como j\u00e1 disse mas quando comparados aos da gripe espanhola e da peste do s\u00e9culo 14, os efeitos da Covid parecem ser menos graves para a humanidade. Somos mais vulner\u00e1veis psicologicamente do que os nossos anteados?\u201d Peter Frankopan : \u201cIsso eu n\u00e3o sei. O que posso dizer como historiador global que olha para a hist\u00f3ria de milhares de anos \u00e9 que os seres humanos s\u00e3o muito resistentes e somos muito bons a recuperar ap\u00f3s guerras devastadoras, genoc\u00eddios, ap\u00f3s uma grande trag\u00e9dia. Somos muito bons na recupera\u00e7\u00e3o e tentamos aprender algumas li\u00e7\u00f5es. N\u00e3o \u00e9 isso que me preocupa. O problema \u00e9 que, quando os governos assumem d\u00edvidas muito grandes, podem ser levados a tomar decis\u00f5es err\u00e1ticas, quando n\u00e3o conseguem cumprir as suas obriga\u00e7\u00f5es. Como toda a gente sabe \u00e9 que n\u00e3o se tem comida suficiente na mesa ou se fica sem dinheiro, que os problemas surgem. E eu penso que nas economias desenvolvidas do mundo, somos mais resilientes neste momento.\u00a0 Mas a minha preocupa\u00e7\u00e3o \u00e9 saber se haver\u00e1 um aumento dos conflitos entre Estados que n\u00e3o t\u00eam capacidade de dar apoio. E n\u00e3o \u00e9 preciso muito para que isso aconte\u00e7a, em caso de mau tempo, ou colheitas danificadas. H\u00e1 muitos problemas nos mercados agr\u00edcolas, desde a viticultura em Fran\u00e7a este ano, ao pre\u00e7o dos cereais. E n\u00e3o \u00e9 preciso muito para que a situa\u00e7\u00e3o fique fora de controle. Por isso, a resili\u00eancia n\u00e3o \u00e9 a quest\u00e3o-chave. A quest\u00e3o \u00e9: ser\u00e1 que os seres humanos deixar\u00e3o as diferen\u00e7as de lado para encontrar uma maneira de trabalhar e de se apoiar uns aos outros? E a resposta n\u00e3o \u00e9 \u00f3bvia, vamos ter que esperar para ver. Mas, enquanto pessoa otimista e pragm\u00e1tica, penso que somos muito bons a ultraar problemas\u201d. O impacto do v\u00edrus na nossa vida social As nossas sociedades aguentaram meses de isolamento, solid\u00e3o e barreiras sociais. Os seres humanos tiveram que mudar as suas vidas de forma radical. A euronews abordou o tema com a soci\u00f3loga austr\u00edaca Knorr Cetina. Euronews : \u0022Que tipo de li\u00e7\u00f5es fundamentais aprendemos com as pandemias?\u0022 Knorr Cetina : \u201cUma li\u00e7\u00e3o fundamental \u00e9 o facto de a epidemia n\u00e3o ser apenas um problema biol\u00f3gico ou epidemiol\u00f3gico, mas ter causado enormes rupturas na nossa vida social, e em rela\u00e7\u00e3o ao que a vida social e a sociedade significam para n\u00f3s. H\u00e1 muitos pequenos la\u00e7os que estabelecemos normalmente na vida social, pequenas trocas de presentes, como ir a uma padaria e pedir um bolo ou um caf\u00e9, e receber em troca um sorriso, receber um servi\u00e7o e dizer obrigado. S\u00e3o trocas totalmente isentas de compromisso. N\u00e3o envolvem solidariedade, n\u00e3o temos de voltar a esse s\u00edtio. E ainda assim esses la\u00e7os produzem uma esp\u00e9cie de intera\u00e7\u00e3o social, funcionam como o meio natural onde nadamos, por assim dizer. E esse meio desapareceu\u201d. Euronews : \u201cFicou de alguma forma surpreendida com o comportamento da sociedade em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s pessoas mais velhas? Porque de repente surgiu uma grande preocupa\u00e7\u00e3o da sociedade com a vida das pessoas mais velhas. N\u00e3o foram abandonadas\u201d. Knorr Cetina : \u201cSim, penso que foi uma parte muito positiva, porque n\u00e3o tinha de ser assim, poder\u00edamos ter adotado outra atitude, como alguns pa\u00edses fizeram: os mais aptos sobrevivem e os menos aptos n\u00e3o sobrevivem. E se as pessoas s\u00e3o propensas \u00e0 doen\u00e7a e n\u00e3o podem sobreviver, ent\u00e3o temos de aceitar esse facto. Mas a maioria dos Estados e das sociedades n\u00e3o o fez e teve cuidado. Mesmo o sistema capitalista, tem uma componente social\u201d. Euronews : \u201cRedescobrimos a import\u00e2ncia de investir no setor sa\u00fade. Ser\u00e1 que as pessoas v\u00e3o agora redescobrir a import\u00e2ncia da solidariedade e deixar de lado a gan\u00e2ncia e o individualismo extremo?\u201d Knorr Cetina : \u201cN\u00e3o, n\u00e3o creio que isso ser\u00e1 assim. Mas a quest\u00e3o da solidariedade \u00e9 uma quest\u00e3o muito profunda, porque a pandemia fez-nos descobrir uma coisa e e falo principalmente dos Estados Unidos, porque estou presa aqui h\u00e1 um ano. Muitas pessoas recusam-se a usar m\u00e1scaras, o que \u00e9 uma coisa muito simples de pedir \u00e0s pessoas, n\u00e3o \u00e9 um problema grave usar uma m\u00e1scara. Mas as pessoas nos Estados Unidos come\u00e7aram uma guerra das m\u00e1scaras. E descobriu-se, de repente, que n\u00e3o h\u00e1 um \u201cn\u00f3s\u201d. N\u00e3o somos uma na\u00e7\u00e3o. Estamos completamente divididos, separados por linhas inesperadas. N\u00e3o digo que essa divis\u00e3o n\u00e3o existia antes, mas antes n\u00e3o era preciso prestar-lhe aten\u00e7\u00e3o. N\u00e3o era necess\u00e1rio\u201d. Euronews : \u201ensa que a pr\u00e1tica do distanciamento social veio para ficar, mesmo ap\u00f3s o fim da pandemia?\u201d Knorr Cetina : \u201cN\u00e3o, de todo. A esse n\u00edvel, acho que vamos recuperar completamente. Mas a quest\u00e3o \u00e9 mais pol\u00edtica, ao n\u00edvel coletivo. A comunidade que n\u00f3s imaginamos, como um povo unido, vai ser um problema surante um longo per\u00edodo de tempo. N\u00e3o vejo nenhuma prova, por exemplo, nos Estados Unidos, de que essa quest\u00e3o esteja a melhorar.\u201d Euronews : \u201cTrabalho inteligente e cimeiras de l\u00edderes virtuais. O mundo digital entrou nas nossas vidas mais rapidamente do que o esperado. Estaremos a enfrentar uma mudan\u00e7a significativa e duradoura da forma como vivemos as nossas vidas? Ou vamos simplesmente voltar ao normal quando isto acabar?\u201d Knorr Cetina : \u201cMuitas empresas nos Estados Unidos est\u00e3o a planear faz\u00ea-lo ou j\u00e1 come\u00e7aram a voltar ao trabalho presencial, a meio tempo, mas tamb\u00e9m est\u00e3o a livrar-se dos im\u00f3veis e a dizer que as pessoas podem trabalhar de casa e que devem trabalhar a partir de casa. Nas universidades onde trabalho, vamos regressar. Tentaremos voltar ao normal porque sabemos que os alunos v\u00eam para um campus universit\u00e1rio, n\u00e3o apenas pela aprendizagem, mas tamb\u00e9m pelas redes sociais que se formam nesses s\u00edtios. Eles querem os sociais e, nessas idades, n\u00e3o querem estar o tempo todo em frente a um ecr\u00e3. Por isso, provavelmente teremos de voltar completamente ao regime presencial.\u201d Euronews : \u201cH\u00e1 interesse de mercado, e tamb\u00e9m o interesse ao n\u00edvel da rela\u00e7\u00e3o entre o empregado e a empresa, basicamente\u201d. Knorr Cetina: \u0022A vida online tem de seguir um roteiro, h\u00e1 uma inicia\u00e7\u00e3o e um procedimento a seguir. As coisas n\u00e3o acontecem de forma informal e ligeira como na vida presencial. \u00c9 importante que as pessoas possam tirar partido do que acontece quando se est\u00e1 face a face, com as pessoas\u0022. As falhas da ordem econ\u00f3mica mundial A pandemia revelou as falhas da ordem econ\u00f3mica global. Os Estados foram obrigados a socorrer as economias. A euronews falou com o economista franc\u00eas Jean-Paul Fitoussi, sobre a recupera\u00e7\u00e3o da economia europeia ap\u00f3s a pandemia e o papel da Europa. Euronews : \u201rofessor Fitoussi, bem-vindo \u00e0 Euronews. Uma das suas teorias \u00e9 a teoria dos postes de luz, \u00e9 uma met\u00e1fora. Partes da sociedade s\u00e3o iluminadas pelo poste, mas tamb\u00e9m existem \u00e1reas apagadas, zonas escuras. A covid 19 ou a pandemia iluminaram as partes escuras?\u201d Jean-Paul Fitoussi: \u201cDestacou o facto de os sistemas de sa\u00fade europeus n\u00e3o terem uma sa\u00fade t\u00e3o boa como toda a gente pensava. Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 Fran\u00e7a, foi uma grande surpresa descobrir que o sistema m\u00e9dico franc\u00eas estava longe de ser o melhor do mundo, como se pensava antes. Porque n\u00e3o investimos o suficiente no sistema hospitalar. Regul\u00e1mos o sistema e estic\u00e1mo-lo ao m\u00e1ximo para reduzir os gastos. Mas, na realidade, torn\u00e1mo-lo disfuncional e substitu\u00edmos os m\u00e9dicos por es. Euronews : \u201cE o papel do Estado?\u0022 Jean-Paul Fitoussi : \u201cA principal miss\u00e3o de um Estado \u00e9 proteger o seu pr\u00f3prio povo. A crise da Covid-19 recordou-nos essa miss\u00e3o de forma dram\u00e1tica. Cada estado come\u00e7ou a proteger o seu povo. N\u00e3o h\u00e1 um \u00fanico estado que n\u00e3o o tenha feito. Mas antes da pandemia, proteger os desempregados ou quem estivesse em vias de ficar desempregado, ou proteger as empresas prestes a falir, era sin\u00f3nimo de infringir o pensamento dominante. Agora, redescobrimos que, num sistema global, se deixarmos as fronteiras bem abertas, e \u00e9 isso que implica a globaliza\u00e7\u00e3o, temos que proteger mais o nosso povo. Caso contr\u00e1rio, seremos for\u00e7ados a faz\u00ea-lo devido a uma grande crise ou a uma revolu\u00e7\u00e3o\u0022. Euronews : \u201cO plano de recupera\u00e7\u00e3o aprovado pela Europa como resposta \u00e0 crise econ\u00f3mica gerada pela pandemia ser\u00e1 suficiente para remodelar o projeto de Europa social?\u201d Jean-Paul Fitoussi: \u201cH\u00e1 dois pontos no plano de recupera\u00e7\u00e3o. H\u00e1 o facto de esse plano existir e, em segundo lugar, de dar alguma subst\u00e2ncia \u00e0 ideia das obriga\u00e7\u00f5es europeias e de financiamento solid\u00e1rio da Europa\u201d. Euronews : \u201d\u00c9 um grande o ent\u00e3o?\u201d Jean-Paul Fitoussi : \u201c\u00c9 algo extremamente positivo. No entanto, o plano de recupera\u00e7\u00e3o ainda n\u00e3o foi implementado por causa de debates intermin\u00e1veis. Os EUA v\u00e3o gastar 7 mil bili\u00f5es de d\u00f3lares, enquanto a Uni\u00e3o Europeia vai gastar apenas 750 mil milh\u00f5es, e a Uni\u00e3o Europeia tem mais habitantes do que os EUA. Pelo que podemos ver, n\u00e3o jogamos no mesmo campeonato , estamos na liga dos pequenos. \u00c9 claro que, com esse esfor\u00e7o, os Estados Unidos v\u00e3o recuperar muito rapidamente e ter\u00e3o uma vantagem competitiva em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 Europa e essa vantagem tende a aumentar. Euronews : \u201cA Covid-19 revelou um d\u00e9fice democr\u00e1tico e uma falta de lideran\u00e7a na Uni\u00e3o Europeia?\u201d Jean-Paul Fitoussi: \u201cEst\u00e3o a fazer pouco da popula\u00e7\u00e3o. Dizem \u00e0s pessoas que elas n\u00e3o s\u00e3o verdadeiras cidad\u00e3s, porque n\u00e3o podem influenciar a pol\u00edtica do seu pa\u00eds mas continuam a fazer de conta que a cidadania existe. Tiram-lhes a soberania, e a soberania que lhes \u00e9 retirada n\u00e3o \u00e9 usada a n\u00edvel europeu. Esse \u00e9 o problema da Europa. H\u00e1 um vazio de soberania. N\u00e3o h\u00e1 soberania europeia e j\u00e1 n\u00e3o h\u00e1 soberania nacional. O que \u00e9 que as pessoas fazem neste caso? Viram-se para um curandeiro. E esse curandeiro \u00e9 o populismo. O populismo diz que tudo \u00e9 poss\u00edvel, mesmo n\u00e3o acreditando nisso. As pessoas pensam: n\u00e3o temos nada a perder. A pol\u00edtica n\u00e3o muda, continuamos no desemprego, estamos cada vez mais pobres, a classe m\u00e9dia est\u00e1 a desaparecer progressivamente. n\u00e3o h\u00e1 nada a perder, tentemos o populismo\u0022. ", "dateCreated": "2021-04-16T14:21:51+02:00", "dateModified": "2021-04-26T21:01:41+02:00", "datePublished": "2021-04-26T21:00:54+02:00", "image": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2Fstories%2F05%2F56%2F21%2F58%2F1440x810_cmsv2_713eaf79-4ab1-5f39-8b0b-a73b88f6bf71-5562158.jpg", "width": 1440, "height": 810, "caption": "Como ser\u00e1 o mundo ap\u00f3s a pandemia? Coloc\u00e1mos a quest\u00e3o a tr\u00eas especialistas.", "thumbnail": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2Fstories%2F05%2F56%2F21%2F58%2F432x243_cmsv2_713eaf79-4ab1-5f39-8b0b-a73b88f6bf71-5562158.jpg", "publisher": { "@type": "Organization", "name": "euronews", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png" } }, "author": [ { "@type": "Person", "familyName": "Cantone", "givenName": "Sergio", "name": "Sergio Cantone", "url": "/perfis/26", "worksFor": { "@type": "Organization", "name": "Euronews", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png", "width": 403, "height": 60 }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] }, "memberOf": { "@type": "Organization", "name": "R\u00e9daction" } } ], "publisher": { "@type": "Organization", "name": "Euronews", "legalName": "Euronews", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png", "width": 403, "height": 60 }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] }, "articleSection": [ "Mundo" ], "isAccessibleForFree": "False", "hasPart": { "@type": "WebPageElement", "isAccessibleForFree": "False", "cssSelector": ".poool-content" } }, { "@type": "WebSite", "name": "Euronews.com", "url": "/", "potentialAction": { "@type": "SearchAction", "target": "/search?query={search_term_string}", "query-input": "required name=search_term_string" }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] } ] }

O mundo pós-pandemia entre incerteza, medo e esperança

O mundo pós-pandemia entre incerteza, medo e esperança
Direitos de autor euronews
Direitos de autor euronews
De Sergio Cantone
Publicado a
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button
Copiar/colar o link embed do vídeo:Copy to clipboardCopied

Como será o mundo após a pandemia? Colocámos a questão a três especialistas.

Como será o mundo pós-pandemia? Colocámos a pergunta a três especialistas, Peter Frankopan, professor britânico de história global, Karina Knorr-Cetina, socióloga austríaca da Universidade de Chicago e ao economista francês Jean-Paul Fitoussi.

Euronews: “A capacidade da covid-19 de se espalhar tão rapidamente e facilmente é uma novidade absoluta na história das pandemias?”

Peter Frankopan: “Não. Ou seja, vivemos num mundo em que a tecnologia e os transportes permitem que as coisas se acelerem, mas as pandemias são uma parte muito importante da história global, remontam a muitos milhares de anos. O problema é quando os seres humanos vivem próximos dos animais e que algo sai do reino animal e se transforma em algo prejudicial e perigoso para os seres humanos. É uma parte do preço que pagamos pelos alimentos que temos à nossa disposição. O que é invulgar nesta pandemia, após ter sido identificada em Wuhan, é a rapidez com que se espalhou pela Europa, mas, na verdade, mesmo esses elementos de rapidez têm de ser examinados de forma diferente. ou-se mais de um ano e meio desde que o vírus foi identificado pela primeira vez, e só agora começou a espalhar-se pela Índia segundo um padrão devastador. Essas coisas levam tempo, mas de facto dizem-nos muito sobre como a forma como comunicamos e como viajamos. Mas a velocidade, creio eu, não é tão espetacular quanto poderíamos pensar”.

É nos ambientes pobres que a maior pressão se faz sentir porque os países ricos são capazes de gerar o máximo de dívida de que precisam e convencer os investidores de que vão pagá-la. Mas os mercados e países emergentes subdesenvolvidos, já estão a sofrer terrivelmente, e esse fosso vai aumentar muito nos próximos anos.
Peter Frankopan
historiador britânico

euronews: “Olhando para trás, na história, se compararmos com contágios anteriores, como é que esta pandemia pode mudar a ordem política global?”

Peter Frankopan: “Tudo depende do que acontecerá a seguir. Antes da pandemia, toda a gente tinha percebido que se tratava de uma época em que a China estava a crescer muito rapidamente de formas previsíveis e imprevisíveis. No caso da Rússia, as relações com os países vizinhos, especialmente com a Ucrânia, já eram extremamente problemáticas. As alterações climáticas e o impacto que podem ter no Sul da Ásia, no Médio Oriente e na África Ocidental são questões sobre as quais muitas pessoas pensam e que suscitam preocupações. Vivemos numa época de grandes mudanças, de qualquer forma. De certa maneira, a pandemia agiu como um catalisador para desacelerar algumas coisas, pois o nosso ar está mais limpo. Os pássaros cantam porque não estamos a viajar muito. Mas o impacto real de longo prazo será sentido pelos pobres do mundo. É nos ambientes pobres que a maior pressão se faz sentir porque os países ricos são capazes de gerar o máximo de dívida de que precisam e convencer os investidores de que vão pagá-la. Mas os mercados e países emergentes subdesenvolvidos, já estão a sofrer terrivelmente, e esse fosso vai aumentar muito nos próximos anos”.

Euronews: “Voltemos à história novamente. Já tínhamos visto esse efeito económico ou financeiro das pandemias?”

Peter Frankopan: “A diferença em relação a esta pandemia é que embora tenha afetado milhões de pessoas, na verdade, as taxas de mortalidade não são assim tão más. Parece muito dramático, tudo o que vemos na televisão. Mas vejamos a gripe espanhola, por exemplo, há cem anos. Se o coronavírus tivesse matado o mesmo número de pessoas que a gripe espanhola matou há 100 anos, teriam morrido mais de 250 milhões de pessoas, em vez de três milhões. Cada uma dessas mortes é uma tragédia pessoal para a família e teria sido evitável, se melhores medidas tivessem sido implementadas. Mas esta epidemia não mudará as relações de trabalho da mesma forma que a anterior porque não há uma grande mudança demográfica, em termos de impacto. Terá mais a ver com a forma como os governos istram as dívidas e como é que vamos redifinir a relação entre os centros políticos e os cidadãos ou contribuintes. Trata-se de uma discussão muito importante que já está acontecer. Mas que vai acelerar-se nos próximos anos”.

Euronews: “Pensa que o mundo pós-Covid será menos interdependente?”

Peter Frankopan: “Estou muito ansioso na medida em que que a dissociação também tem um lado negro. É muito mais difícil do que o o que as pessoas parecem dar a entender. É preciso analisar as peças do quebra-cabeça geopolítico de alto nível. Mas não. Eu espero que voltemos à normalidade porque se não voltar ao normal, resultado final poderá ser inflação e preços mais altos. E isso seria devastador no curto prazo”.

Penso que nós, na Europa, não sabemos o que queremos. Já se falou em limitar o envio de vacinas da Europa para outras partes do mundo. A nossa indústria farmacêutica impede o uso da propriedade intelectual o que permitiria reduzir o preço dos medicamentos e salvar vidas nos países em desenvolvimento.
Peter Frankopan
historiador britânico

Euronews: “A vacina russa, o Sputnik, é uma ferramenta política e de poder ou uma arma contra a Covid 19, o nosso inimigo comum?”

Peter Frankopan: “Quando vemos os russos a oferecer a sua vacina, pensamos que é uma ferramenta política. E a primeira pergunta que podemos colocar é: qual é a nossa? Onde estão as vacinas e o nosso apoio médico para outras partes do mundo? Por que é que não usamos as nossas vacinas da mesma forma dita diplomática? Com certeza, a Rússia e Moscovo tentam exercer influência. Acontece que a Rússia tem uma posição global muito mais fraca do que a maioria das pessoas pensa, na minha opinião. Tem de usar as suas habilidades diplomáticas de forma cuidadosa. Penso que nós, na Europa, não sabemos o que queremos. Já se falou em limitar o envio de vacinas da Europa para outras partes do mundo. A nossa indústria farmacêutica impede o uso da propriedade intelectual o que permitiria reduzir o preço dos medicamentos e salvar vidas nos países em desenvolvimento. Penso que na Europa, toda a gente espera que os outros façam as coisas como nós. Mas, na verdade, quando nos olhamos ao espelho, penso que há muito para melhorar”.

Euronews: “Como cidadãos do mundo, somos agora obrigados a dar mais importância às normas do sistema de saúde e à investigação médica a nível regional, e ao nível dos acordos de livre comércio, por causa das pandemias?”

Peter Frankopan: “O mais engraçado é que as crises têm também geralmente resultados positivos. E uma das coisas que a pandemia nos ensinou é necessidade de termos uma resposta mais global e integrada das doença e das pandemias. A quantidade de investigações e a forma como a colaboração funcionou entre centros de investigação universitários... tem sido um verdadeiro milagre. As vacinas foram desenvolvidas rapidamente e há muitas vacinas. Na realidade, apenas 3% do financiamento médico se destina à pesquisa de antivírus. Por isso, a reflexão sobre como podemos cooperar melhor para curar doenças, de um modo mais estruturado, é algo muito importante , nomeadamente, em relação a doenças como o cancro ou a SIDA. Penso que há uma verdadeira esperança de que essas colaborações possam ser replicadas noutras áreas, para podermos beneficiar das vantagens de trabalhamos juntos. O problema é, obviamente, que os políticos em todos os países criam sempre confusão, causam problemas desnecessários ou entram em jogos de poder uns com os outros. Mas, em relação ao lado médico da cooperação, espero que estejamos em melhor posição quando a pandemia acabar.

Euronews: “Só uma última pergunta. Os números desta pandemia são trágicos, como já disse mas quando comparados aos da gripe espanhola e da peste do século 14, os efeitos da Covid parecem ser menos graves para a humanidade. Somos mais vulneráveis psicologicamente do que os nossos anteados?”

Peter Frankopan: “Isso eu não sei. O que posso dizer como historiador global que olha para a história de milhares de anos é que os seres humanos são muito resistentes e somos muito bons a recuperar após guerras devastadoras, genocídios, após uma grande tragédia. Somos muito bons na recuperação e tentamos aprender algumas lições. Não é isso que me preocupa. O problema é que, quando os governos assumem dívidas muito grandes, podem ser levados a tomar decisões erráticas, quando não conseguem cumprir as suas obrigações. Como toda a gente sabe é que não se tem comida suficiente na mesa ou se fica sem dinheiro, que os problemas surgem. E eu penso que nas economias desenvolvidas do mundo, somos mais resilientes neste momento. Mas a minha preocupação é saber se haverá um aumento dos conflitos entre Estados que não têm capacidade de dar apoio. E não é preciso muito para que isso aconteça, em caso de mau tempo, ou colheitas danificadas. Há muitos problemas nos mercados agrícolas, desde a viticultura em França este ano, ao preço dos cereais. E não é preciso muito para que a situação fique fora de controle. Por isso, a resiliência não é a questão-chave. A questão é: será que os seres humanos deixarão as diferenças de lado para encontrar uma maneira de trabalhar e de se apoiar uns aos outros? E a resposta não é óbvia, vamos ter que esperar para ver. Mas, enquanto pessoa otimista e pragmática, penso que somos muito bons a ultraar problemas”.

euronews
Karin Knorr Cetina, socióloga austríacaeuronews

O impacto do vírus na nossa vida social

As nossas sociedades aguentaram meses de isolamento, solidão e barreiras sociais. Os seres humanos tiveram que mudar as suas vidas de forma radical. A euronews abordou o tema com a socióloga austríaca Knorr Cetina.

Euronews: "Que tipo de lições fundamentais aprendemos com as pandemias?"

Knorr Cetina: “Uma lição fundamental é o facto de a epidemia não ser apenas um problema biológico ou epidemiológico, mas ter causado enormes rupturas na nossa vida social, e em relação ao que a vida social e a sociedade significam para nós. Há muitos pequenos laços que estabelecemos normalmente na vida social, pequenas trocas de presentes, como ir a uma padaria e pedir um bolo ou um café, e receber em troca um sorriso, receber um serviço e dizer obrigado. São trocas totalmente isentas de compromisso. Não envolvem solidariedade, não temos de voltar a esse sítio. E ainda assim esses laços produzem uma espécie de interação social, funcionam como o meio natural onde nadamos, por assim dizer. E esse meio desapareceu”.

Euronews: “Ficou de alguma forma surpreendida com o comportamento da sociedade em relação às pessoas mais velhas? Porque de repente surgiu uma grande preocupação da sociedade com a vida das pessoas mais velhas. Não foram abandonadas”.

Knorr Cetina: “Sim, penso que foi uma parte muito positiva, porque não tinha de ser assim, poderíamos ter adotado outra atitude, como alguns países fizeram: os mais aptos sobrevivem e os menos aptos não sobrevivem. E se as pessoas são propensas à doença e não podem sobreviver, então temos de aceitar esse facto. Mas a maioria dos Estados e das sociedades não o fez e teve cuidado. Mesmo o sistema capitalista, tem uma componente social”.

As pessoas nos Estados Unidos começaram uma guerra das máscaras. E descobriu-se, de repente, que não há um “nós”. Não somos uma nação. Estamos completamente divididos.
Knorr Cetina
socióloga

Euronews: “Redescobrimos a importância de investir no setor saúde. Será que as pessoas vão agora redescobrir a importância da solidariedade e deixar de lado a ganância e o individualismo extremo?”

Knorr Cetina: “Não, não creio que isso será assim. Mas a questão da solidariedade é uma questão muito profunda, porque a pandemia fez-nos descobrir uma coisa e e falo principalmente dos Estados Unidos, porque estou presa aqui há um ano. Muitas pessoas recusam-se a usar máscaras, o que é uma coisa muito simples de pedir às pessoas, não é um problema grave usar uma máscara. Mas as pessoas nos Estados Unidos começaram uma guerra das máscaras. E descobriu-se, de repente, que não há um “nós”. Não somos uma nação. Estamos completamente divididos, separados por linhas inesperadas. Não digo que essa divisão não existia antes, mas antes não era preciso prestar-lhe atenção. Não era necessário”.

Euronews: “Pensa que a prática do distanciamento social veio para ficar, mesmo após o fim da pandemia?”

Knorr Cetina: “Não, de todo. A esse nível, acho que vamos recuperar completamente. Mas a questão é mais política, ao nível coletivo. A comunidade que nós imaginamos, como um povo unido, vai ser um problema surante um longo período de tempo. Não vejo nenhuma prova, por exemplo, nos Estados Unidos, de que essa questão esteja a melhorar.”

Euronews: “Trabalho inteligente e cimeiras de líderes virtuais. O mundo digital entrou nas nossas vidas mais rapidamente do que o esperado. Estaremos a enfrentar uma mudança significativa e duradoura da forma como vivemos as nossas vidas? Ou vamos simplesmente voltar ao normal quando isto acabar?”

Knorr Cetina: “Muitas empresas nos Estados Unidos estão a planear fazê-lo ou já começaram a voltar ao trabalho presencial, a meio tempo, mas também estão a livrar-se dos imóveis e a dizer que as pessoas podem trabalhar de casa e que devem trabalhar a partir de casa. Nas universidades onde trabalho, vamos regressar. Tentaremos voltar ao normal porque sabemos que os alunos vêm para um campus universitário, não apenas pela aprendizagem, mas também pelas redes sociais que se formam nesses sítios. Eles querem os sociais e, nessas idades, não querem estar o tempo todo em frente a um ecrã. Por isso, provavelmente teremos de voltar completamente ao regime presencial.”

Euronews: “Há interesse de mercado, e também o interesse ao nível da relação entre o empregado e a empresa, basicamente”.

Knorr Cetina: "A vida online tem de seguir um roteiro, há uma iniciação e um procedimento a seguir. As coisas não acontecem de forma informal e ligeira como na vida presencial. É importante que as pessoas possam tirar partido do que acontece quando se está face a face, com as pessoas".

euronews
Jean-Paul Fitoussi, economista francêseuronews

As falhas da ordem económica mundial

A pandemia revelou as falhas da ordem económica global. Os Estados foram obrigados a socorrer as economias. A euronews falou com o economista francês Jean-Paul Fitoussi, sobre a recuperação da economia europeia após a pandemia e o papel da Europa.

Euronews: “Professor Fitoussi, bem-vindo à Euronews. Uma das suas teorias é a teoria dos postes de luz, é uma metáfora. Partes da sociedade são iluminadas pelo poste, mas também existem áreas apagadas, zonas escuras. A covid 19 ou a pandemia iluminaram as partes escuras?”

Jean-Paul Fitoussi: “Destacou o facto de os sistemas de saúde europeus não terem uma saúde tão boa como toda a gente pensava. Em relação à França, foi uma grande surpresa descobrir que o sistema médico francês estava longe de ser o melhor do mundo, como se pensava antes. Porque não investimos o suficiente no sistema hospitalar. Regulámos o sistema e esticámo-lo ao máximo para reduzir os gastos. Mas, na realidade, tornámo-lo disfuncional e substituímos os médicos por es.

Há um vazio de soberania. Não há soberania europeia e já não há soberania nacional. O que é que as pessoas fazem neste caso? Viram-se para um curandeiro. E esse curandeiro é o populismo.
Jean-Paul Fitoussi
economista francês

Euronews: “E o papel do Estado?"

Jean-Paul Fitoussi : “A principal missão de um Estado é proteger o seu próprio povo. A crise da Covid-19 recordou-nos essa missão de forma dramática. Cada estado começou a proteger o seu povo. Não há um único estado que não o tenha feito. Mas antes da pandemia, proteger os desempregados ou quem estivesse em vias de ficar desempregado, ou proteger as empresas prestes a falir, era sinónimo de infringir o pensamento dominante. Agora, redescobrimos que, num sistema global, se deixarmos as fronteiras bem abertas, e é isso que implica a globalização, temos que proteger mais o nosso povo. Caso contrário, seremos forçados a fazê-lo devido a uma grande crise ou a uma revolução".

Euronews: “O plano de recuperação aprovado pela Europa como resposta à crise económica gerada pela pandemia será suficiente para remodelar o projeto de Europa social?”

Jean-Paul Fitoussi: “Há dois pontos no plano de recuperação. Há o facto de esse plano existir e, em segundo lugar, de dar alguma substância à ideia das obrigações europeias e de financiamento solidário da Europa”.

Euronews: ”É um grande o então?”

Jean-Paul Fitoussi: “É algo extremamente positivo. No entanto, o plano de recuperação ainda não foi implementado por causa de debates intermináveis. Os EUA vão gastar 7 mil biliões de dólares, enquanto a União Europeia vai gastar apenas 750 mil milhões, e a União Europeia tem mais habitantes do que os EUA. Pelo que podemos ver, não jogamos no mesmo campeonato , estamos na liga dos pequenos. É claro que, com esse esforço, os Estados Unidos vão recuperar muito rapidamente e terão uma vantagem competitiva em relação à Europa e essa vantagem tende a aumentar.

Euronews: “A Covid-19 revelou um défice democrático e uma falta de liderança na União Europeia?”

Jean-Paul Fitoussi: “Estão a fazer pouco da população. Dizem às pessoas que elas não são verdadeiras cidadãs, porque não podem influenciar a política do seu país mas continuam a fazer de conta que a cidadania existe. Tiram-lhes a soberania, e a soberania que lhes é retirada não é usada a nível europeu. Esse é o problema da Europa. Há um vazio de soberania. Não há soberania europeia e já não há soberania nacional. O que é que as pessoas fazem neste caso? Viram-se para um curandeiro. E esse curandeiro é o populismo. O populismo diz que tudo é possível, mesmo não acreditando nisso. As pessoas pensam: não temos nada a perder. A política não muda, continuamos no desemprego, estamos cada vez mais pobres, a classe média está a desaparecer progressivamente. não há nada a perder, tentemos o populismo".

Ir para os atalhos de ibilidade
Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Robert Kennedy Jr. destitui todos os membros de comité consultivo para as vacinas

Filipinas: erupção vulcânica do Monte Kanlaon faz chover cinza sobre aldeias

Itália assinala o dia em memória das vítimas da Covid-19