{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/2015/10/14/thomas-piketty-o-reconhecimento-mundial-da-esquerda-economica-europeia" }, "headline": "Thomas Piketty: O reconhecimento mundial da esquerda econ\u00f3mica europeia", "description": "Rebelde, carism\u00e1tico, celebridade... pode n\u00e3o parecer, mas falamos de um economista: Thomas Piketty, autor do estrondoso sucesso \u0022O Capital no S\u00e9culo 21\u0022, em entrevista, no Global Conversation.", "articleBody": "As palavras \u201crebelde\u201d e \u201cestrela mundial\u201d n\u00e3o se costumam associar a um economista. A n\u00e3o ser que falemos de Thomas Piketty, que alcan\u00e7ou um estrondoso reconhecimento global com o livro \u201cO Capital no S\u00e9culo 21\u201d, considerado uma refer\u00eancia sobre o fen\u00f3meno da desigualdade. A jornalista Isabelle Kumar entrevistou o carism\u00e1tico autor franc\u00eas. Biografia: Thomas Piketty Thomas Piketty \u00e9 um economista franc\u00eas especializado em quest\u00f5es de desigualdade e reparti\u00e7\u00e3o de riqueza. \u00c9 autor de v\u00e1rios livros e artigos. A sua obra \u201cO Capital no S\u00e9culo 21\u201d trouxe-lhe reconhecimento mundial. \u00c9 professor na Escola de Economia de Paris. Isabelle Kumar, euronews: O seu discurso sobre as desigualdades provocou um debate muito intenso. Ficou surpreendido com o sucesso que o livro teve? Thomas Piketty: Eu tentei escrever um livro que fosse \u00edvel a um p\u00fablico mais vasto. Mas \u00e9 claro que n\u00e3o estava \u00e0 espera que tivesse tanto sucesso. J\u00e1 foram vendidas mais de dois milh\u00f5es de c\u00f3pias no mundo inteiro, o que revela que h\u00e1 um enorme interesse pela quest\u00e3o da desigualdade. Existe uma grande preocupa\u00e7\u00e3o relativamente aos efeitos da globaliza\u00e7\u00e3o: ser\u00e1 que \u00e9 ben\u00e9fica para toda a gente ou foi sequestrada por uma pequena parte da popula\u00e7\u00e3o? O que \u00e9 novo no meu livro \u00e9 que, juntamente com investigadores de mais de trinta pa\u00edses, agreg\u00e1mos a maior base de dados hist\u00f3rica de sempre sobre os rendimentos e a reparti\u00e7\u00e3o da riqueza. Foi essa a novidade: estudar a desigualdade do ponto de vista hist\u00f3rico. euronews: Recentemente, o Papa Francisco declarou no Twitter que \u201cas desigualdades s\u00e3o a raiz do mal na sociedade\u201d. Considera o mesmo ou acha que o Papa \u00e9 ainda mais radical nestas quest\u00f5es? TP: Normalmente, n\u00e3o me sinto muito pr\u00f3ximo das afirma\u00e7\u00f5es do Papa. Mas se ele se preocupa com as desigualdades, tanto melhor. N\u00e3o sei muito bem como \u00e9 que a Igreja Cat\u00f3lica contribuiu para reduzir as desigualdades ao longo da sua hist\u00f3ria. Mas considero que \u00e9 uma quest\u00e3o que preocupa as pessoas de esquerda, de direita, de diferentes confiss\u00f5es religiosas \u2013 \u00e9 uma preocupa\u00e7\u00e3o universal. N\u00e3o podemos s\u00f3 pensar no crescimento do PIB, temos de saber como \u00e9 que ele \u00e9 distribu\u00eddo, quem s\u00e3o os benefici\u00e1rios, que impacto produz sobre os recursos naturais\u2026 euronews: Esse \u00e9 um ponto interessante \u2013 gostaria de saber a sua opini\u00e3o sobre um tema importante da atualidade: a Air . Vimos executivos com as camisas rasgadas, atacados por alguns manifestantes revoltados contra os cortes no grupo\u2026 TP: Eu n\u00e3o estou aqui para classificar de forma positiva ou negativa a a\u00e7\u00e3o de diferentes grupos de atores sociais. Posso apenas dizer que os conflitos sobre a reparti\u00e7\u00e3o da riqueza s\u00e3o, muitas vezes, violentos. Em alguns pa\u00edses, sobretudo nos mais pobres, esses conflitos podem assumir uma dimens\u00e3o realmente violenta, mais do que em pa\u00edses ricos como a Fran\u00e7a. Quando h\u00e1 falta de transpar\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o a sal\u00e1rios, aos rendimentos, \u00e0 propriedade \u2013 quem \u00e9 dono do qu\u00ea e quem recebe quanto -, os conflitos tendem a agravar-se. De uma forma geral, \u00e9 muito importante para o debate democr\u00e1tico a exist\u00eancia de mais informa\u00e7\u00f5es sobre a distribui\u00e7\u00e3o de rendimentos e de riqueza. Um dos grandes entraves, hoje em dia, \u00e9 que a opacidade financeira relativa \u00e0 propriedade parece ser um padr\u00e3o comum que atravessa fronteiras. Muitas vezes n\u00e3o se sabe quem \u00e9 dono do qu\u00ea, o que torna dif\u00edcil falar sobre desigualdades e fiscalidade\u2026 euronews: Pegando ent\u00e3o na quest\u00e3o da fiscalidade: defende a aplica\u00e7\u00e3o progressiva de impostos e, para aqueles que ganham mais de um milh\u00e3o de euros por ano, uma taxa de 80% sobre os rendimentos. Pedimos aos nossos espetadores para nos enviarem perguntas atrav\u00e9s das redes sociais. O Thomas Jones perguntou: \u201orque \u00e9 que quer castigar com mais impostos as pessoas que correram riscos para gerar empregos e riqueza?\u201d TP: \u00c9 muito dif\u00edcil tocar na quest\u00e3o das desigualdades e da fiscalidade, porque as pessoas reagem de forma exaltada. Num pa\u00eds como os Estados Unidos, no per\u00edodo entre 1930 e 1980 \u2013 meio s\u00e9culo -, o teto da taxa marginal sobre os rendimentos acima de um milh\u00e3o de d\u00f3lares era, em m\u00e9dia, 82%. Houve alturas em que subiu at\u00e9 aos 91%, outras que desceu at\u00e9 aos 70%. Mas, se tomarmos todo esse per\u00edodo, a taxa m\u00e9dia foi de 82%. Isto destruiu o capitalismo americano? Pelos vistos, n\u00e3o. Na verdade, o crescimento da produtividade e do PIB foi maior durante os anos 50, 60, 70, durante a era Reagan. Desde essa altura, houve um grande decr\u00e9scimo na taxa marginal e um grande aumento das desigualdades. As desigualdades est\u00e3o em todo o lado, menos nas estat\u00edsticas de produtividade. H\u00e1 muita gente que ainda n\u00e3o est\u00e1 preparada para ter este debate. Em parte, porque parece haver uma amn\u00e9sia hist\u00f3rica. \u00c0s vezes, as pessoas n\u00e3o sabem que isto j\u00e1 foi aplicado no ado e que, se olharmos para o per\u00edodo durante o qual foi aplicado, os resultados em termos de produtividade n\u00e3o foram assim t\u00e3o horr\u00edveis. euronews: Ficou desiludido quando o presidente franc\u00eas, Fran\u00e7ois Hollande, revogou o imposto de 75% que esteve em vigor sobre os rendimentos dos mais ricos? TP: Eu n\u00e3o estava muito de acordo com a aplica\u00e7\u00e3o desse imposto em Fran\u00e7a. Primeiro, porque n\u00e3o h\u00e1 tanta gente assim em Fran\u00e7a a ganhar mais de um milh\u00e3o de euros por ano. Se fosse nos Estados Unidos, Hollande teria sido um \u00f3timo presidente. Esse \u00e9 precisamente o tipo de pol\u00edtica para aplicar l\u00e1. Em Fran\u00e7a, n\u00e3o faz tanto sentido essa quest\u00e3o. Essa medida foi mais um pretexto para n\u00e3o implementar reformas fiscais ambiciosas do que outra coisa. H\u00e1 muitas outras reformas a fazer em Fran\u00e7a que ainda n\u00e3o t\u00eam resposta. euronews: J\u00e1 que estamos a falar da Europa, vamos olhar para a austeridade. O senhor est\u00e1 alinhado com os partidos anti-austeridade. Para si, as pol\u00edticas de conten\u00e7\u00e3o foram verdadeiramente um fracasso? TP: \u00c9 sempre poss\u00edvel fazer ainda pior. Mas basta comparar a situa\u00e7\u00e3o dos dois lados do Atl\u00e2ntico. A verdade \u00e9 que a Europa transformou uma crise desencadeada nos Estados Unidos \u2013 a partir do setor financeiro privado \u2013 numa crise de d\u00edvida p\u00fablica. Tudo por causa de uma s\u00e9rie de m\u00e1s pol\u00edticas e de austeridade excessiva. Se recuarmos at\u00e9 2008, a d\u00edvida p\u00fablica europeia n\u00e3o era mais elevada do que a americana, nem do que a japonesa. Se olharmos para o contexto em 2015 \u2013 quase dez anos depois -, vemos o PIB americano que voltou a recuperar, \u00e9 10-15% mais alto do que em 2007. Na Europa, sobretudo na zona euro, ainda n\u00e3o houve retoma, ainda temos o mesmo n\u00edvel de PIB do que t\u00ednhamos h\u00e1 dez anos. euronews: H\u00e1 novos partidos europeus a propor alternativas pol\u00edticas. \u00c9 considerado pr\u00f3ximo de alguns deles. Estou a pensar, por exemplo, no Podemos, liderado por Pablo Iglesias, ou no novo dirigente trabalhista brit\u00e2nico, Jeremy Corbyn. Para si, eles configuram a melhor hip\u00f3tese que a Europa tem de um futuro mais justo? As pol\u00edticas econ\u00f3micas que eles defendem s\u00e3o vi\u00e1veis? TP: As elei\u00e7\u00f5es em Espanha, no pr\u00f3ximo m\u00eas de dezembro, v\u00e3o ser muito importantes para o futuro da Europa. E porqu\u00ea? Porque podem mudar a maioria pol\u00edtica na zona euro. Se a Espanha virar \u00e0 esquerda, ou para o centro-esquerda, isso representar\u00e1 uma mudan\u00e7a na maioria e poder\u00e1 conduzir \u00e0 ado\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas or\u00e7amentais mais razo\u00e1veis. No fundo, isto vai muito al\u00e9m da divis\u00e3o entre a esquerda e a direita. O mundo inteiro est\u00e1 de olhos postos na zona euro. Todos podem ver, independentemente da \u00e1rea pol\u00edtica, que as decis\u00f5es or\u00e7amentais ditadas pela Alemanha e pela Fran\u00e7a \u2013 porque \u00e9 f\u00e1cil a Fran\u00e7a queixar-se, mas as decis\u00f5es foram conjuntas \u2013 n\u00e3o foram bem-sucedidas. euronews: \u00c9 importante real\u00e7ar que falamos de partidos da esquerda radical. N\u00e3o sei se concorda com esta terminologia\u2026 Mas dir-se-ia que os l\u00edderes destes partidos est\u00e3o a provocar mais receios entre as institui\u00e7\u00f5es europeias e os l\u00edderes europeus do que a extrema-direita\u2026 TP: Isso seria um grande erro. No final de contas, \u00e9 muito melhor ter no poder partidos que situam \u00e0 esquerda da esquerda do que os que est\u00e3o \u00e0 direita da direita. Em Fran\u00e7a vai haver elei\u00e7\u00f5es regionais em dezembro. \u00c9 poss\u00edvel que a extrema-direita conquiste duas ou tr\u00eas regi\u00f5es. Depois \u00e9 que as pessoas se v\u00e3o aperceber do qu\u00e3o perigoso isso \u00e9, comparando com o Syriza ou com o Podemos, que t\u00eam pelo menos uma vis\u00e3o internacional. N\u00e3o estou a dizer que as propostas destes partidos s\u00e3o sempre satisfat\u00f3rias. Mas creio que \u00e9 poss\u00edvel, pelo menos, faz\u00ea-los avan\u00e7ar na dire\u00e7\u00e3o certa. euronews: Deu o exemplo da Gr\u00e9cia, do Syriza. O primeiro-ministro, Alexis Tsipras, foi reeleito. Acha que ele tem margem para renegociar as medidas de austeridade? Varoufakis afirma que h\u00e1 uma l\u00f3gica de \u201cfazer de conta\u201d que o pa\u00eds vai pagar as d\u00edvidas\u2026 TP: A Europa vai ter de esbo\u00e7ar um novo plano para a Gr\u00e9cia. As decis\u00f5es tomadas durante o ver\u00e3o foram apenas uma forma de ganhar tempo. O resultado final vai ter de ser uma redu\u00e7\u00e3o da d\u00edvida grega. A boa not\u00edcia \u00e9 que j\u00e1 houve v\u00e1rias reestrutura\u00e7\u00f5es de d\u00edvidas no ado. A Alemanha tinha uma d\u00edvida p\u00fablica gigantesca depois da Segunda Guerra Mundial. Todo o projeto europeu constru\u00eddo nos anos 50 assentou no perd\u00e3o de d\u00edvidas\u2026 euronews: Mas o contexto \u00e9 muito diferente\u2026 TP: H\u00e1 pontos de compara\u00e7\u00e3o. Houve muitos governos, antes dos anos 50, que cometeram erros e criaram uma enorme d\u00edvida p\u00fablica, sobretudo a Alemanha. Mas, na altura, a op\u00e7\u00e3o pol\u00edtica foi a de olhar para o futuro. Olhemos para as novas gera\u00e7\u00f5es em Fran\u00e7a e na Alemanha na altura e agora para as novas gera\u00e7\u00f5es na Gr\u00e9cia. Como \u00e9 que podemos dizer: \u2018os vossos pais cometeram erros, mas s\u00e3o voc\u00eas que v\u00e3o pagar por eles durante os pr\u00f3ximos 40 anos\u2019. Vai chegar um momento em que temos de olhar para o futuro e investir no crescimento, no ensino superior, nas infraestruturas p\u00fablicas. euronews: Temos de avan\u00e7ar para as perguntas feitas nas redes sociais. Haezel Mischael Chandra quer saber: \u201cQual \u00e9 a chave de uma economia sustent\u00e1vel?\u201d TP: O mais importante para o futuro \u00e9 investir em conhecimento e no ensino superior. Avan\u00e7o com n\u00fameros que ilustram aquilo que devia ser feito: toda a gente na Europa gosta do programa Erasmus, que permite a mobilidade dos estudantes. Neste momento, o or\u00e7amento do Erasmus \u00e9 de 4 mil milh\u00f5es de euros por ano. Mas se compararmos com o pagamento de juros na zona euro, este ascende aos 400 mil milh\u00f5es de euros anualmente. N\u00e3o acho que tenhamos de inverter totalmente os n\u00fameros, mas \u00e9 nessa dire\u00e7\u00e3o que dever\u00edamos ir. \u00c9 por isso que temos de reequacionar o pagamento das d\u00edvidas, de forma a podermos investir mais no futuro. euronews: Falamos da Gr\u00e9cia, mas tamb\u00e9m temos o exemplo do Reino Unido. S\u00e3o dois pa\u00edses que podem deixar a Uni\u00e3o Europeia, e a Gr\u00e9cia, a zona euro tamb\u00e9m. Tamb\u00e9m existe a possibilidade de a Catalunha se separar da Espanha. Que impacto teriam estes cen\u00e1rios na economia europeia? TP: A crise na zona euro tem consequ\u00eancias profundas. As pessoas em Espanha est\u00e3o muito descontentes, sobretudo na Catalunha\u2026 euronews: A crise econ\u00f3mica \u00e9 a respons\u00e1vel pelas eventuais sa\u00eddas? TP: Sim, no Reino Unido as pessoas n\u00e3o querem aderir \u00e0 zona euro, ou aprofundar a integra\u00e7\u00e3o europeia, porque as coisas n\u00e3o est\u00e3o a funcionar. Se queremos realmente que um dia o Reino Unido, a Su\u00e9cia ou a Pol\u00f3nia entrem para a zona euro, temos de fazer com que as coisas funcionem. euronews: A Europa est\u00e1 mais dividida do que nunca. Se n\u00e3o houver uma mudan\u00e7a de trajet\u00f3ria, como \u00e9 que v\u00ea o futuro da Europa? Dentro de 15 anos, por exemplo\u2026 TP: Eu quero ser otimista porque acredito que h\u00e1 respostas para os nossos problemas. Mas corremos o risco de ver subir o nacionalismo e o ego\u00edsmo. Quando as pessoas v\u00eaem que as pol\u00edticas pac\u00edficas n\u00e3o resolvem os problemas sociais, nem o desemprego, cai-se na tenta\u00e7\u00e3o de culpar os outros. H\u00e1 partidos pol\u00edticos que culpam os estrangeiros, os trabalhadores estrangeiros. Outros culpam outros pa\u00edses. Podem culpar a Alemanha, depois a Alemanha culpa a Gr\u00e9cia. \u00c9 sempre poss\u00edvel culpar os outros. Mas, a uma dada altura, se olharmos de uma forma ampla para o percurso hist\u00f3rico da Europa, compreendemos que dev\u00edamos estar a investir no crescimento. O drama da Europa \u00e9 que perdeu uma d\u00e9cada. Vamos chegar a 2017 com um PIB ao n\u00edvel do que existia em 2007. euronews: Outra quest\u00e3o que ainda n\u00e3o tem solu\u00e7\u00f5es \u00e9 a migra\u00e7\u00e3o. A Gr\u00e9cia est\u00e1 na linha da frente desse problema. Estima-se que, at\u00e9 ao final de 2016, cheguem \u00e0 Europa cerca de um milh\u00e3o e meio de pessoas. Temos uma pergunta de Kristoffer Nyborg: \u201cConsidera que a Europa tem a capacidade econ\u00f3mica de gerir esse volume de refugiados e migrantes?\u201d TP: A Europa tem uma popula\u00e7\u00e3o de 520 milh\u00f5es de pessoas. Segundo as estat\u00edsticas da ONU, entre 2000 e 2010, o fluxo de migrantes rumo \u00e0 Europa era cerca de um milh\u00e3o por ano. Dois ter\u00e7os do crescimento demogr\u00e1fico europeu, durante esse per\u00edodo, vieram da migra\u00e7\u00e3o. Por isso, acho que conseguimos gerir um fluxo migrat\u00f3rio muito maior agora. H\u00e1 contextos diferentes na Europa. H\u00e1 pa\u00edses como a Fran\u00e7a, onde h\u00e1 mais crian\u00e7as; noutros, como a Alemanha, h\u00e1 menos, por isso h\u00e1 mais recetividade aos migrantes. E depois h\u00e1 outros pa\u00edses que n\u00e3o querem nem crian\u00e7as, nem migrantes, como na Europa de Leste, que arrisca ver desaparecer a popula\u00e7\u00e3o, se continuar no mesmo caminho. S\u00e3o op\u00e7\u00f5es muito ego\u00edstas. Podemos e devemos ser muito mais abertos, se quisermos alcan\u00e7ar o crescimento econ\u00f3mico, e ter um modelo europeu mais pr\u00f3spero e atrativo. euronews: Diria que um milh\u00e3o de migrantes e refugiados seria um n\u00famero aceit\u00e1vel em termos de gest\u00e3o? TP: N\u00e3o acho que um milh\u00e3o seja um n\u00famero m\u00e1gico, mas aqueles que dizem que n\u00e3o podemos aceitar mais migrantes n\u00e3o conhecem a hist\u00f3ria. euronews: Aquele que \u00e9 considerado o seu protegido, o economista Gabriel Zucman, afirmou que h\u00e1 cerca de seis bili\u00f5es de d\u00f3lares que poder\u00e3o estar escondidos em para\u00edsos fiscais. Concorda com este n\u00famero? TP: Sim. Essa \u00e9 uma quest\u00e3o muito importante para a Europa e para os Estados Unidos, e ainda mais importante para \u00c1frica e para os pa\u00edses emergentes e em vias de desenvolvimento, que est\u00e3o a perder muito mais dinheiro do que n\u00f3s com esta opacidade financeira. Segundo as estimativas de Gabriel Zucman, cerca de 10% da riqueza europeia encontra-se em para\u00edsos fiscais, o que \u00e9 muito. Mas em \u00c1frica \u00e9 entre 30% a 50%. Como \u00e9 que um pa\u00eds se pode desenvolver, ou desenvolver um sistema fiscal justo, se grande parte da riqueza vai para outros s\u00edtios sem pagar impostos? euronews: O presidente da Comiss\u00e3o Europeia afirma que quer erradicar os para\u00edsos fiscais. Acredita que o vai fazer? TP: N\u00e3o, n\u00e3o acredito, porque n\u00e3o h\u00e1 qualquer medida concreta at\u00e9 ao momento. Se quisermos mudar a taxa\u00e7\u00e3o sobre as empresas europeias, temos de implementar um imposto \u00fanico. Talvez n\u00e3o em toda a Europa \u2013 pode haver pa\u00edses que n\u00e3o o querem fazer -, mas pelo menos avan\u00e7ar com essa medida em Fran\u00e7a, Alemanha, It\u00e1lia, Espanha, B\u00e9lgica ou em qualquer pa\u00eds membro da zona euro, ou fora, que pretenda aderir. Caso contr\u00e1rio, sujeitamo-nos a ver outro esc\u00e2ndalo como o dos acordos fiscais secretos com o Luxemburgo, no ano ado. euronews: Acha que Jean Claude Juncker apresentou argumentos convincentes sobre essa pol\u00e9mica? TP: N\u00e3o basta pedir desculpa. N\u00e3o basta dizer que n\u00e3o vai voltar a acontecer, porque vai voltar a acontecer. O problema n\u00e3o \u00e9 individual, n\u00e3o \u00e9 o Jean Claude Juncker, mas o facto \u00e9 que tudo aconteceu quando ele era primeiro-ministro do Luxemburgo. Havia acordos com grandes grupos multinacionais que pagavam apenas 1% ou 2% de impostos, quando em Fran\u00e7a ou na Alemanha temos pequenas e m\u00e9dias empresas a pagar de 20% a 30%. Como \u00e9 que querem dar li\u00e7\u00f5es \u00e0 Gr\u00e9cia para modernizar o sistema fiscal, quando no pr\u00f3prio pa\u00eds t\u00eam pol\u00edticas destas? euronews: Vamos voltar agora ao seu livro, \u201cO Capital no S\u00e9culo 21\u201d. Foi buscar in\u00fameras refer\u00eancias liter\u00e1rias para explicar as coisas e isso ajuda a tornar a obra mais \u00edvel. Um internauta chamado Mekkus colocou esta pergunta nas nossas redes sociais: \u201cQuais s\u00e3o os seus tr\u00eas livros preferidos?\u201d TP: \u00c9 uma pergunta complicada. No livro falo muito de \u201cO Pai Goriot\u201d, de Balzac. Acho que \u00e9 uma obra que ilustra de forma muito poderosa o capitalismo no s\u00e9culo 19. Marx costumava dizer que aprendeu realmente sobre o capitalismo a ler Balzac. Acho que, hoje em dia, \u00e9 a mesma coisa. Mas \u00e9 preciso procurar tamb\u00e9m outros autores. Ultimamente, um dos livros de que mais gostei foi o \u00faltimo de Carlos Fuentes, \u201cA Vontade e a Fortuna\u201d, uma novela incr\u00edvel sobre o capitalismo no M\u00e9xico. H\u00e1 um jovem autor franc\u00eas, Tancr\u00e8de Voituriez, que escreveu sobre a \u201cinven\u00e7\u00e3o da pobreza\u201d, num conto muito engra\u00e7ado sobre os economistas que acham que v\u00e3o salvar o mundo, mas depois n\u00e3o conseguem. H\u00e1 muitos livros poderosos que giram em torno do dinheiro e do capitalismo. euronews: \u00c9 muitas vezes descrito como uma celebridade. Rev\u00ea-se nesse papel? TP: Eu n\u00e3o tenho problemas com a publicidade, desde que fa\u00e7a mais pessoas lerem o meu livro. O sucesso do livro demonstra que h\u00e1 muita gente, em muitos pa\u00edses, farta de ouvir dizer que isto s\u00e3o assuntos complicados, que as quest\u00f5es econ\u00f3micas e financeiras devem ser deixadas \u00e0 responsabilidade de um pequeno grupo de especialistas em ci\u00eancia econ\u00f3mica, que falam uma l\u00edngua que mais ningu\u00e9m conhece. Isso \u00e9 uma anedota. N\u00e3o existe uma \u201cci\u00eancia econ\u00f3mica\u201d. H\u00e1 quest\u00f5es pol\u00edticas, sociais, culturais, liter\u00e1rias\u2026 Toda a gente tem direito a uma opini\u00e3o.", "dateCreated": "2015-10-14T12:24:50+02:00", "dateModified": "2015-10-14T12:24:50+02:00", "datePublished": "2015-10-14T12:24:50+02:00", "image": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2F315178%2F1440x810_315178.jpg", "width": 1440, "height": 810, "caption": "Rebelde, carism\u00e1tico, celebridade... pode n\u00e3o parecer, mas falamos de um economista: Thomas Piketty, autor do estrondoso sucesso \u0022O Capital no S\u00e9culo 21\u0022, em entrevista, no Global Conversation.", "thumbnail": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2F315178%2F432x243_315178.jpg", "publisher": { "@type": "Organization", "name": "euronews", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png" } }, "author": [ { "@type": "Person", "familyName": "Prud\u00eancio", "givenName": "Nuno", "name": "Nuno Prud\u00eancio", "url": "/perfis/542", "worksFor": { "@type": "Organization", "name": "Euronews", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png", "width": 403, "height": 60 }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] }, "jobTitle": "Journaliste", "memberOf": { "@type": "Organization", "name": "R\u00e9daction" } } ], "publisher": { "@type": "Organization", "name": "Euronews", "legalName": "Euronews", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png", "width": 403, "height": 60 }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] }, "articleSection": [ "Mundo" ], "isAccessibleForFree": "False", "hasPart": { "@type": "WebPageElement", "isAccessibleForFree": "False", "cssSelector": ".poool-content" } }, { "@type": "WebSite", "name": "Euronews.com", "url": "/", "potentialAction": { "@type": "SearchAction", "target": "/search?query={search_term_string}", "query-input": "required name=search_term_string" }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] } ] }

Thomas Piketty: O reconhecimento mundial da esquerda económica europeia

Thomas Piketty: O reconhecimento mundial da esquerda económica europeia
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De Nuno Prudêncio
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Rebelde, carismático, celebridade... pode não parecer, mas falamos de um economista: Thomas Piketty, autor do estrondoso sucesso "O Capital no Século 21", em entrevista, no Global Conversation.

As palavras “rebelde” e “estrela mundial” não se costumam associar a um economista. A não ser que falemos de Thomas Piketty, que alcançou um estrondoso reconhecimento global com o livro “O Capital no Século 21”, considerado uma referência sobre o fenómeno da desigualdade. A jornalista Isabelle Kumar entrevistou o carismático autor francês.

Biografia: Thomas Piketty

  • Thomas Piketty é um economista francês especializado em questões de desigualdade e repartição de riqueza.
  • É autor de vários livros e artigos.
  • A sua obra “O Capital no Século 21” trouxe-lhe reconhecimento mundial.
  • É professor na Escola de Economia de Paris.

Isabelle Kumar, euronews: O seu discurso sobre as desigualdades provocou um debate muito intenso. Ficou surpreendido com o sucesso que o livro teve?

Thomas Piketty: Eu tentei escrever um livro que fosse ível a um público mais vasto. Mas é claro que não estava à espera que tivesse tanto sucesso. Já foram vendidas mais de dois milhões de cópias no mundo inteiro, o que revela que há um enorme interesse pela questão da desigualdade. Existe uma grande preocupação relativamente aos efeitos da globalização: será que é benéfica para toda a gente ou foi sequestrada por uma pequena parte da população? O que é novo no meu livro é que, juntamente com investigadores de mais de trinta países, agregámos a maior base de dados histórica de sempre sobre os rendimentos e a repartição da riqueza. Foi essa a novidade: estudar a desigualdade do ponto de vista histórico.

euronews: Recentemente, o Papa Francisco declarou no Twitter que “as desigualdades são a raiz do mal na sociedade”. Considera o mesmo ou acha que o Papa é ainda mais radical nestas questões?

TP: Normalmente, não me sinto muito próximo das afirmações do Papa. Mas se ele se preocupa com as desigualdades, tanto melhor. Não sei muito bem como é que a Igreja Católica contribuiu para reduzir as desigualdades ao longo da sua história. Mas considero que é uma questão que preocupa as pessoas de esquerda, de direita, de diferentes confissões religiosas – é uma preocupação universal. Não podemos só pensar no crescimento do PIB, temos de saber como é que ele é distribuído, quem são os beneficiários, que impacto produz sobre os recursos naturais…

euronews: Esse é um ponto interessante – gostaria de saber a sua opinião sobre um tema importante da atualidade: a Air . Vimos executivos com as camisas rasgadas, atacados por alguns manifestantes revoltados contra os cortes no grupo…

TP: Eu não estou aqui para classificar de forma positiva ou negativa a ação de diferentes grupos de atores sociais. Posso apenas dizer que os conflitos sobre a repartição da riqueza são, muitas vezes, violentos. Em alguns países, sobretudo nos mais pobres, esses conflitos podem assumir uma dimensão realmente violenta, mais do que em países ricos como a França. Quando há falta de transparência em relação a salários, aos rendimentos, à propriedade – quem é dono do quê e quem recebe quanto -, os conflitos tendem a agravar-se. De uma forma geral, é muito importante para o debate democrático a existência de mais informações sobre a distribuição de rendimentos e de riqueza. Um dos grandes entraves, hoje em dia, é que a opacidade financeira relativa à propriedade parece ser um padrão comum que atravessa fronteiras. Muitas vezes não se sabe quem é dono do quê, o que torna difícil falar sobre desigualdades e fiscalidade…

euronews: Pegando então na questão da fiscalidade: defende a aplicação progressiva de impostos e, para aqueles que ganham mais de um milhão de euros por ano, uma taxa de 80% sobre os rendimentos. Pedimos aos nossos espetadores para nos enviarem perguntas através das redes sociais. O Thomas Jones perguntou: “Porque é que quer castigar com mais impostos as pessoas que correram riscos para gerar empregos e riqueza"> Notícias relacionadas

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