{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/2014/07/23/ingrid-betancourt-trabalhar-no-processo-de-paz-poderia-ser-uma-opcao" }, "headline": "Ingrid Betancourt: \u0022Trabalhar no processo de paz poderia ser uma op\u00e7\u00e3o\u0022", "description": "Ingrid Betancourt: \u0022Trabalhar no processo de paz poderia ser uma op\u00e7\u00e3o\u0022", "articleBody": "Isabelle Kumar, euronews: Seis anos de liberdade, precedidos de seis anos de cativeiro. Ingrid Betancourt foi ref\u00e9m das FARC na selva colombiana e esteve privada de qualquer liga\u00e7\u00e3o ao mundo exterior. Esteve certamente bastante ocupada nestes anos de liberdade, regressou \u00e0 universidade, \u00e9 uma m\u00e3e dedicada e tamb\u00e9m \u00e9 escritora, tendo publicado um segundo livro, \u201cLa Ligne Bleue\u201d. Anda sempre t\u00e3o ocupada para afastar os fantasmas do ado?Ingrid Betancourt, ex-ref\u00e9m das FARC: N\u00e3o, j\u00e1 ou. O ado \u00e9 ado. N\u00e3o estou a lutar para n\u00e3o me lembrar. Quero viver a minha vida. Estou a tentar recuperar o tempo perdido na selva. \u00c9 por isso que gosto de ter uma vida intensa e que quero viver cada momento ao m\u00e1ximo. I.K.:O seu romance \u201cLa Ligne Bleue\u201d \u00e9 bastante intenso, l\u00ea-se de um s\u00f3 f\u00f4lego, \u00e9 uma hist\u00f3ria de amor, um drama, que tem como pano de fundo a \u201cGuerra Suja\u201d na Argentina. J\u00falia \u00e9 uma personagem forte, apesar da experi\u00eancia nas m\u00e3os dos militares, tendo sido alvo de tortura e de pris\u00e3o. At\u00e9 que ponto \u00e9 biogr\u00e1fico? I.B.: N\u00e3o, a J\u00falia \u00e9 diferente e talvez gostasse de ser como ela, mas n\u00e3o sou. A J\u00falia tem um dom que \u00e9 a capacidade de olhar para o futuro. 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S\u00e3o coisas que na vida real aparecem como abstratas mas n\u00e3o deveriam\u2026I.K.: Ent\u00e3o tenta dar-lhes vida ao criar hist\u00f3rias?I.B. : Sim e espero que as pessoas consigam entrar no romance com a mente aberta. Abordo quest\u00f5es como a viol\u00eancia, as nossas escolhas, como nos tornamos her\u00f3is ou maus da fita, como \u00e9 que algu\u00e9m pode torturar uma pessoa\u2026I.K.: Deve ter-se baseado na sua experi\u00eancia enquanto constru\u00eda a personagem e a hist\u00f3ria. Foi dif\u00edcil escrever?I.B.: Na realidade foi um prazer escrever. O meu primeiro livro \u201cAt\u00e9 o Sil\u00eancio Tem um Fim\u201d foi dif\u00edcil porque se tratava das minhas mem\u00f3rias, do que vivi na selva. Neste, estava a compor, a criar, a seguir as minhas personagens. Assim que aram a ter uma personalidade e um contexto, estava de certa forma a segui-las. Foi uma experi\u00eancia simp\u00e1tica e agrad\u00e1vel.I.K.: Agora que o seu livro foi publicado, n\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil perder o controlo sobre ele, uma vez que \u00e9 alvo de v\u00e1rias interpreta\u00e7\u00f5es? N\u00e3o teme perder a autoria da hist\u00f3ria?I.B.: Sim, mas penso que \u00e9 importante e \u00e9 uma b\u00ean\u00e7\u00e3o, de certa forma. Um livro \u00e9 um ser humano a falar. Depois, h\u00e1 um di\u00e1logo. Quando se fala com algu\u00e9m, h\u00e1 uma resposta. Cada leitor vai ter uma resposta diferente e \u00e9 disso que se trata.I.K.: A J\u00falia consegue atirar o ado para tr\u00e1s das costas, mas isso \u00e9 fic\u00e7\u00e3o. Conseguiu deixar o ado para tr\u00e1s?I.B.: Sim, aquilo que quis deixar para tr\u00e1s. H\u00e1 coisas que quero recuperar e h\u00e1 coisas que, para mim, \u00e9 importante n\u00e3o perder. Houve uma esp\u00e9cie de tesouro que saiu dessa experi\u00eancia.I.K.: Que tesouro?I.B.: O tesouro \u00e9 o di\u00e1logo que tenho comigo. A forma como consegui conhecer-me e conhecer os outros. Na selva, fui confrontada com o pior lado do ser humano mas tamb\u00e9m com o melhor. De certa forma, foi algo que me fez amar o pr\u00f3ximo. Hoje, tenho a capacidade de ultraar a primeira impress\u00e3o que possa ter de uma pessoa.I.K.: Houve v\u00e1rios atritos, n\u00e3o apenas com os sequestradores, mas tamb\u00e9m com os ref\u00e9ns que estavam consigo. Onde \u00e9 que viu o lado bom? I.B.: Em certas situa\u00e7\u00f5es, como na compaix\u00e3o, na generosidade, em alguns guardas que tentavam ser bons, mesmo que lhes dissessem, \u00e0s vezes, para serem s\u00e1dicos\u2026 Neste tipo de humildade que se encontra em algumas pessoas dispostas a dar tudo para ajudar o outro\u2026n Na generosidade dos meus companheiros ref\u00e9ns em partilhar comida\u2026 At\u00e9 nos abra\u00e7os. O ser humano \u00e9 uma m\u00e1quina muito complexa, mas maravilhosa. Dever\u00edamos estar orgulhosos de sermos seres humanos, de termos a capacidade de nos transcendermos, de ultraarmos os medos e a escurid\u00e3o, de procurarmos a luz.I.K.: Neste programa, tentamos ter o m\u00e1ximo de pessoas e pedimos aos internautas para nos enviar quest\u00f5es. Kamran Deyhimi pergunta se \u00e9 poss\u00edvel perdoar depois de tudo por que ou. I.B.: O perd\u00e3o n\u00e3o \u00e9 uma coisa espont\u00e2nea, mas \u00e9 preciso perdoar.I.K.: Porqu\u00ea?I.B.: Porque o perd\u00e3o \u00e9 uma quest\u00e3o de liberta\u00e7\u00e3o. Quando o \u00f3dio nos domina, deixamos a pessoa que nos magoou impor-se. Temos de ser livres para sentirmos o que quisermos e para n\u00e3o estarmos sob o controlo da pessoa que nos feriu. O perd\u00e3o \u00e9 o primeiro o para sermos realmente, emocionalmente, livres.I.K.: Mas n\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil.I.B.: N\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil, mas \u00e9 algo que temos de fazer. Racionalmente \u00e9 muito f\u00e1cil dizer \u201cVou perdoar\u201d, mas emocionalmente \u00e9 algo que se tem de fazer no quotidiano. \u00c0s vezes h\u00e1 umas imagens que v\u00eam do ado e consigo sentir a minha emo\u00e7\u00e3o, e \u00e9 dif\u00edcil. A\u00ed, tenho de regressar ao que decidi sentir e estar em sintonia com as minhas decis\u00f5es. O perd\u00e3o \u00e9 uma quest\u00e3o de disciplina espiritual e \u00e9 preciso estar sempre presente.I.K.: A espiritualidade \u00e9 obviamente importante para si, que \u00e9 muito cat\u00f3lica. Quando estava na selva, alguma vez questionou a sua religi\u00e3o e foi tentada a desistir da f\u00e9 e da cren\u00e7a em Deus?I.B.: Tenho muitos problemas com a minha religi\u00e3o. Sou uma cat\u00f3lica rebelde. H\u00e1 muitos aspetos na minha religi\u00e3o que n\u00e3o me agradam. Coloquemos de lado a religi\u00e3o e falemos da rela\u00e7\u00e3o que temos connosco e, gra\u00e7as a isso, da outra dimens\u00e3o a que podemos chamar Deus. Isso \u00e9 que \u00e9 uma for\u00e7a.I.K.: Est\u00e1 livre, mas \u00e9 prisioneira da sua identidade porque \u00e9 sempre vista como a Ingrid Betancourt que esteve em cativeiro. Quer livrar-se disso ou tem, de alguma forma, um objetivo?I.B.: A liberdade \u00e9 um conceito muito complicado. \u00c9 um conceito relacional. \u00c9-se livre de algu\u00e9m ou livre com algu\u00e9m. \u00c9 tamb\u00e9m algo que precisamos de praticar connosco: libertar-nos da nossa personalidade, dos nossos preconceitos e at\u00e9 de coisas que fizemos no ado.I.K.: Incomoda-a ser sempre vista como uma antiga ref\u00e9m?I.B.: N\u00e3o, porque \u00e9 a minha realidade. Sou uma antiga ref\u00e9m em cada aspeto do que sou \u2013 como mulher, como m\u00e3e, como escritora e at\u00e9 como pol\u00edtica. Serei sempre uma antiga ref\u00e9m.I.K.: E usa-o a seu favor?I.B.: Penso que sim e penso que devemos tentar transformar as coisas tristes das nossas vidas em oportunidades para crescer e em coisas positivas. I.K.: Aubin H\u00e9ritier Mboukou pergunta o que est\u00e1 agora a fazer para ajudar ref\u00e9ns que estejam em situa\u00e7\u00f5es semelhantes \u00e0 que viveu ou outros ref\u00e9ns que ainda estejam detidos na Col\u00f4mbia.I.B.: Tento fazer o m\u00e1ximo que posso. Empenho-me imenso sempre que me pedem. Por exemplo, sou muito ativa com a associa\u00e7\u00e3o \u201cOtages du monde\u201d, acompanho-os a confer\u00eancias para que sejam ouvidos e tenham a aten\u00e7\u00e3o da imprensa em casos espec\u00edficos, como os ref\u00e9ns ses. Na Col\u00f4mbia tamb\u00e9m tento defender os direitos das v\u00edtimas. No mundo, h\u00e1 algo muito curioso: as v\u00edtimas s\u00e3o apontadas como culpadas pelo pr\u00f3prio destino. I.K.: Sentiu isso?I.B.: Sim, imenso. Muitas das pessoas que estiveram nesta situa\u00e7\u00e3o e com quem falei \u2013 e eu pr\u00f3pria \u2013 todos sentimos que os outros se viravam para n\u00f3s e diziam \u201cBem, n\u00e3o foi cuidadosa nem prudente, podia ter evitado o que lhe aconteceu\u201d. Isso n\u00e3o \u00e9 verdade.I.K.: Sentiu-se culpada por ter sido libertada por ser muito famosa, enquanto os outros n\u00e3o foram libertados?I.B.: N\u00e3o, sinto-me uma pessoa com sorte. Se n\u00e3o fosse isso, ainda estaria provavelmente na selva. Isso ajudou-me a mim e aos outros ref\u00e9ns tamb\u00e9m. Acho que \u00e9 muito importante dar voz aos outros porque, muitas vezes, os que est\u00e3o presos na selva, ou sequestrados n\u00e3o t\u00eam essa exposi\u00e7\u00e3o medi\u00e1tica e temos de lhes dar essa exposi\u00e7\u00e3o. I.K.: Deu um grande apoio durante a campanha ao agora presidente colombiano, Juan Manuel Santos, devido ao apoio dele ao processo de paz com os rebeldes das FARC. Como \u00e9 que foi regressar \u00e0 pol\u00edtica?I.B.: Foi relativamente estranho. Foi a primeira vez que o fiz desde a minha liberta\u00e7\u00e3o. Foi estranho porque n\u00e3o queria entrar na pol\u00edtica por n\u00e3o me sentir forte o suficiente, mas era um momento importante para os colombianos e precis\u00e1vamos de tomar a decis\u00e3o certa. Juan Manuel Santos estava a perder a campanha quando reagi e o favorito era o candidato da guerra. Os colombianos reagiram de forma muito positiva. De repente houve esta ideia: \u201cTemos duas op\u00e7\u00f5es para conquistar a paz\u201d. Uma era acabar com os que pensam de forma diferente; a outra era apertar as m\u00e3os e ver o outro como um ser humano com quem pod\u00edamos trabalhar para um mundo melhor. I.K.: At\u00e9 onde ir\u00e1 a sua carreira pol\u00edtica. Estamos no princ\u00edpio? I.B.: N\u00e3o tenho a certeza. Vejo-me como algu\u00e9m que abre portas. Estou dispon\u00edvel. Quero estar dispon\u00edvel para as melhores causas. N\u00e3o tenho a certeza de querer regressar \u00e0 arena pol\u00edtica. A lembran\u00e7a que tenho da minha experi\u00eancia em pol\u00edtica \u00e9 muito dif\u00edcil e dolorosa.I.K.: Era uma boa pol\u00edtica?I.B.: Sim, era uma muito boa pol\u00edtica. Era uma lutadora, mas quem vai \u00e0 guerra d\u00e1 e leva. Essas coisas magoam e \u00e9 preciso ser forte. N\u00e3o sei se sou forte o suficiente para voltar, mas talvez possa reconquistar aquela for\u00e7a \u2013 se a Col\u00f4mbia achar que \u00e9 o momento e se eu puder ser \u00fatil, talvez possa voltar a pensar nisso.I.K.: Trabalhar no processo de paz?I.B.: Trabalhar no processo de paz poderia ser uma op\u00e7\u00e3o, sim.I.K.: Como \u00e9 que os rebeldes das FARC poderiam ser integrados na vida pol\u00edtica \u2013 algo que j\u00e1 est\u00e1 em cima da mesa. Pensa que ser\u00e1 poss\u00edvel? Voc\u00ea conhece-os, viveu com eles\u2026I.B.: Sim, conhe\u00e7o-os. Uma das coisas que aprendi na selva \u00e9 que os seres humanos s\u00e3o complexos e temos sempre de abrir portas para dar a oportunidade a uma pessoa de mudar \u2013 mesmo que tenha sido horr\u00edvel connosco.Se nos limitarmos a dizer que s\u00e3o terroristas e maus, a \u00fanica coisa que podemos fazer \u00e9 met\u00ea-los na cadeia, negando-lhes a oportunidade de se transformarem em pessoas que possam ser \u00fateis para a sociedade. Digo isto porque temos outros exemplos na Col\u00f4mbia. Temos o grupo rebelde M19 que teve um processo de paz h\u00e1 alguns anos. Os seus l\u00edderes s\u00e3o hoje pol\u00edticos importantes na Col\u00f4mbia e t\u00eam vindo a transformar a pol\u00edtica, a trazer boas ideias e, ainda que tenham sido violentos e tenham morto pessoas \u2013 algo que n\u00e3o podemos ignorar \u2013 aproveitaram a oportunidade para ser bons colombianos.I.K.: Os crimes a que fez alus\u00e3o deveriam ser perdoados? Aceitaria que os que a sequestraram saissem impunes se isso ajudasse o processo de paz?I.B.: N\u00e3o, impunes n\u00e3o \u00e9 a palavra certa. O perd\u00e3o n\u00e3o \u00e9 equivalente \u00e0 impunidade. Tem de ser feita justi\u00e7a, mas temos de ser criativos na forma como a aplicamos. \u00c0s vezes, a pris\u00e3o \u00e9 uma op\u00e7\u00e3o, mas podemos pensar noutras op\u00e7\u00f5es. Por exemplo, tenho vindo a pensar em algo que seria maravilhoso: houve raparigas que me vigiavam e adoraria v\u00ea-las trocar as espingardas, as armas, por flores. Temos uma enorme ind\u00fastria de exporta\u00e7\u00e3o de flores na Col\u00f4mbia. Adoraria criar planta\u00e7\u00f5es de flores onde elas pudessem ser propriet\u00e1rias e trabalhadoras e em que tivessem a oportunidade de ganhar dinheiro mas a fazer coisas boas.I.K.: Fala como um pol\u00edtico\u2026I.B.: Pois, acho que ainda o sou.I.K.: Quando deixou a selva, disse que n\u00e3o iria abdicar dos pequenos prazeres da vida, como flores no quarto, um ch\u00e1 se assim o desejasse, um bolo, um gelado\u2026 Ainda pensa o mesmo?I.B.: Claro. Tenho andado a afinar as minhas regras di\u00e1rias. Falo disso no romance. A Linha Azul \u00e9 o horizonte de felicidade, onde nos vemos em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 felicidade. \u00c0s vezes, ela est\u00e1 no ado e sentimo-nos tristes porque j\u00e1 n\u00e3o est\u00e1 nas nossas vidas. \u00c0s vezes, ela est\u00e1 no futuro e \u00e9 algo por que ansiamos e corremos para alcan\u00e7ar.Para mim, a felicidade \u00e9 o momento presente. Como \u00e9 que podemos aprender a viver a felicidade no presente, a caminhar na linha azul, no presente. Por exemplo, estar consigo, nesta linda cidade de Paris, com este tempo maravilhoso, isso \u00e9 felicidade para mim.I.K.: \u201cLa Ligne Bleue\u201d (\u201cA Linha Azul\u201d) \u00e9 quando o c\u00e9u e o mar se encontram. Isso \u00e9 irrealiz\u00e1vel.I.B.: Bem, \u00e9 uma alegoria para as partes f\u00edsica e espiritual que existem dentro de n\u00f3s. No final, a J\u00falia percebe que deixou de existir uma linha entre o espiritual e o f\u00edsico, entre o mar e o c\u00e9u. Precisamos de perceber que tudo o que somos \u2013 espiritual e f\u00edsico \u2013 deve combinar-se para nos apercebermos da vida que estamos a viver no presente. N\u00e3o podemos viver de outra forma. I.K.: Vamos terminar com uma quest\u00e3o de Francis Grady. \u201c\u00c9 uma pessoa feliz e realizada?\u201dI.B.: Sim e n\u00e3o. Sim porque tenho tudo o que desejei ter e aprendi a ser grata pela vida; N\u00e3o porque \u00e9 preciso ter esperan\u00e7a e a esperan\u00e7a tem a ver com ir sempre mais al\u00e9m. Esse \u00e9 o motor que temos em n\u00f3s e que nos faz caminhar para a frente. 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Ingrid Betancourt: "Trabalhar no processo de paz poderia ser uma opção"

Ingrid Betancourt: "Trabalhar no processo de paz poderia ser uma opção"
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Isabelle Kumar, euronews: Seis anos de liberdade, precedidos de seis anos de cativeiro. Ingrid Betancourt foi refém das FARC na selva colombiana e esteve privada de qualquer ligação ao mundo exterior. Esteve certamente bastante ocupada nestes anos de liberdade, regressou à universidade, é uma mãe dedicada e também é escritora, tendo publicado um segundo livro, “La Ligne Bleue”. Anda sempre tão ocupada para afastar os fantasmas do ado?

Ingrid Betancourt, ex-refém das FARC: Não, já ou. O ado é ado. Não estou a lutar para não me lembrar. Quero viver a minha vida. Estou a tentar recuperar o tempo perdido na selva. É por isso que gosto de ter uma vida intensa e que quero viver cada momento ao máximo.

I.K.:O seu romance “La Ligne Bleue” é bastante intenso, lê-se de um só fôlego, é uma história de amor, um drama, que tem como pano de fundo a “Guerra Suja” na Argentina. Júlia é uma personagem forte, apesar da experiência nas mãos dos militares, tendo sido alvo de tortura e de prisão. Até que ponto é biográfico?

I.B.: Não, a Júlia é diferente e talvez gostasse de ser como ela, mas não sou. A Júlia tem um dom que é a capacidade de olhar para o futuro. O que eu quis fazer com as personagens principais – a Júlia e o Theo – foi tratar de temas como o destino. O que acontece se acreditarmos no destino? Estamos a pôr em perigo a nossa liberdade? Para mim, a liberdade é a nossa capacidade de agir ou de reagir mediante situações que não podemos alterar e a que chamamos destino.

I.K.: Estamos a falar de algo muito pessoal?

I.B.: Os escritores alimentam-se da própria experiência. A Júlia é diferente porque eu quis que ela tivesse uma vida própria. Ela não tem a minha vida, nem a minha experiência mas, ao mesmo tempo, consigo compreender aquilo por que ela está a ar – o que me ajuda a falar de coisas como a espiritualidade, a metafísica, o amor, as escolhas, a liberdade e a dignidade humana. São coisas que na vida real aparecem como abstratas mas não deveriam…

I.K.: Então tenta dar-lhes vida ao criar histórias?

I.B. : Sim e espero que as pessoas consigam entrar no romance com a mente aberta. Abordo questões como a violência, as nossas escolhas, como nos tornamos heróis ou maus da fita, como é que alguém pode torturar uma pessoa…

I.K.: Deve ter-se baseado na sua experiência enquanto construía a personagem e a história. Foi difícil escrever?

I.B.: Na realidade foi um prazer escrever. O meu primeiro livro “Até o Silêncio Tem um Fim” foi difícil porque se tratava das minhas memórias, do que vivi na selva.

Neste, estava a compor, a criar, a seguir as minhas personagens. Assim que aram a ter uma personalidade e um contexto, estava de certa forma a segui-las. Foi uma experiência simpática e agradável.

I.K.: Agora que o seu livro foi publicado, não é difícil perder o controlo sobre ele, uma vez que é alvo de várias interpretações? Não teme perder a autoria da história?

I.B.: Sim, mas penso que é importante e é uma bênção, de certa forma. Um livro é um ser humano a falar. Depois, há um diálogo. Quando se fala com alguém, há uma resposta. Cada leitor vai ter uma resposta diferente e é disso que se trata.

I.K.: A Júlia consegue atirar o ado para trás das costas, mas isso é ficção. Conseguiu deixar o ado para trás?

I.B.: Sim, aquilo que quis deixar para trás. Há coisas que quero recuperar e há coisas que, para mim, é importante não perder. Houve uma espécie de tesouro que saiu dessa experiência.

I.K.: Que tesouro?

I.B.: O tesouro é o diálogo que tenho comigo. A forma como consegui conhecer-me e conhecer os outros. Na selva, fui confrontada com o pior lado do ser humano mas também com o melhor.

De certa forma, foi algo que me fez amar o próximo. Hoje, tenho a capacidade de ultraar a primeira impressão que possa ter de uma pessoa.

I.K.: Houve vários atritos, não apenas com os sequestradores, mas também com os reféns que estavam consigo. Onde é que viu o lado bom?

I.B.: Em certas situações, como na compaixão, na generosidade, em alguns guardas que tentavam ser bons, mesmo que lhes dissessem, às vezes, para serem sádicos… Neste tipo de humildade que se encontra em algumas pessoas dispostas a dar tudo para ajudar o outro…n Na generosidade dos meus companheiros reféns em partilhar comida… Até nos abraços.

O ser humano é uma máquina muito complexa, mas maravilhosa. Deveríamos estar orgulhosos de sermos seres humanos, de termos a capacidade de nos transcendermos, de ultraarmos os medos e a escuridão, de procurarmos a luz.

I.K.: Neste programa, tentamos ter o máximo de pessoas e pedimos aos internautas para nos enviar questões. Kamran Deyhimi pergunta se é possível perdoar depois de tudo por que ou.

I.B.: O perdão não é uma coisa espontânea, mas é preciso perdoar.

I.K.: Porquê?

I.B.: Porque o perdão é uma questão de libertação. Quando o ódio nos domina, deixamos a pessoa que nos magoou impor-se. Temos de ser livres para sentirmos o que quisermos e para não estarmos sob o controlo da pessoa que nos feriu. O perdão é o primeiro o para sermos realmente, emocionalmente, livres.

I.K.: Mas não é fácil.

I.B.: Não é fácil, mas é algo que temos de fazer. Racionalmente é muito fácil dizer “Vou perdoar”, mas emocionalmente é algo que se tem de fazer no quotidiano.

Às vezes há umas imagens que vêm do ado e consigo sentir a minha emoção, e é difícil. Aí, tenho de regressar ao que decidi sentir e estar em sintonia com as minhas decisões. O perdão é uma questão de disciplina espiritual e é preciso estar sempre presente.

I.K.: A espiritualidade é obviamente importante para si, que é muito católica. Quando estava na selva, alguma vez questionou a sua religião e foi tentada a desistir da fé e da crença em Deus?

I.B.: Tenho muitos problemas com a minha religião. Sou uma católica rebelde. Há muitos aspetos na minha religião que não me agradam. Coloquemos de lado a religião e falemos da relação que temos connosco e, graças a isso, da outra dimensão a que podemos chamar Deus. Isso é que é uma força.

I.K.: Está livre, mas é prisioneira da sua identidade porque é sempre vista como a Ingrid Betancourt que esteve em cativeiro. Quer livrar-se disso ou tem, de alguma forma, um objetivo?

I.B.: A liberdade é um conceito muito complicado. É um conceito relacional. É-se livre de alguém ou livre com alguém. É também algo que precisamos de praticar connosco: libertar-nos da nossa personalidade, dos nossos preconceitos e até de coisas que fizemos no ado.

I.K.: Incomoda-a ser sempre vista como uma antiga refém?

I.B.: Não, porque é a minha realidade. Sou uma antiga refém em cada aspeto do que sou – como mulher, como mãe, como escritora e até como política. Serei sempre uma antiga refém.

I.K.: E usa-o a seu favor?

I.B.: Penso que sim e penso que devemos tentar transformar as coisas tristes das nossas vidas em oportunidades para crescer e em coisas positivas.

I.K.: Aubin Héritier Mboukou pergunta o que está agora a fazer para ajudar reféns que estejam em situações semelhantes à que viveu ou outros reféns que ainda estejam detidos na Colômbia.

I.B.: Tento fazer o máximo que posso. Empenho-me imenso sempre que me pedem. Por exemplo, sou muito ativa com a associação “Otages du monde”, acompanho-os a conferências para que sejam ouvidos e tenham a atenção da imprensa em casos específicos, como os reféns ses. Na Colômbia também tento defender os direitos das vítimas. No mundo, há algo muito curioso: as vítimas são apontadas como culpadas pelo próprio destino.

I.K.: Sentiu isso?

I.B.: Sim, imenso. Muitas das pessoas que estiveram nesta situação e com quem falei – e eu própria – todos sentimos que os outros se viravam para nós e diziam “Bem, não foi cuidadosa nem prudente, podia ter evitado o que lhe aconteceu”. Isso não é verdade.

I.K.: Sentiu-se culpada por ter sido libertada por ser muito famosa, enquanto os outros não foram libertados?

I.B.: Não, sinto-me uma pessoa com sorte. Se não fosse isso, ainda estaria provavelmente na selva. Isso ajudou-me a mim e aos outros reféns também. Acho que é muito importante dar voz aos outros porque, muitas vezes, os que estão presos na selva, ou sequestrados não têm essa exposição mediática e temos de lhes dar essa exposição.

I.K.: Deu um grande apoio durante a campanha ao agora presidente colombiano, Juan Manuel Santos, devido ao apoio dele ao processo de paz com os rebeldes das FARC. Como é que foi regressar à política?

I.B.: Foi relativamente estranho. Foi a primeira vez que o fiz desde a minha libertação. Foi estranho porque não queria entrar na política por não me sentir forte o suficiente, mas era um momento importante para os colombianos e precisávamos de tomar a decisão certa.

Juan Manuel Santos estava a perder a campanha quando reagi e o favorito era o candidato da guerra. Os colombianos reagiram de forma muito positiva. De repente houve esta ideia: “Temos duas opções para conquistar a paz”. Uma era acabar com os que pensam de forma diferente; a outra era apertar as mãos e ver o outro como um ser humano com quem podíamos trabalhar para um mundo melhor.

I.K.: Até onde irá a sua carreira política. Estamos no princípio?

I.B.: Não tenho a certeza. Vejo-me como alguém que abre portas. Estou disponível. Quero estar disponível para as melhores causas. Não tenho a certeza de querer regressar à arena política. A lembrança que tenho da minha experiência em política é muito difícil e dolorosa.

I.K.: Era uma boa política?

I.B.: Sim, era uma muito boa política. Era uma lutadora, mas quem vai à guerra dá e leva. Essas coisas magoam e é preciso ser forte. Não sei se sou forte o suficiente para voltar, mas talvez possa reconquistar aquela força – se a Colômbia achar que é o momento e se eu puder ser útil, talvez possa voltar a pensar nisso.

I.K.: Trabalhar no processo de paz?

I.B.: Trabalhar no processo de paz poderia ser uma opção, sim.

I.K.: Como é que os rebeldes das FARC poderiam ser integrados na vida política – algo que já está em cima da mesa. Pensa que será possível? Você conhece-os, viveu com eles…

I.B.: Sim, conheço-os. Uma das coisas que aprendi na selva é que os seres humanos são complexos e temos sempre de abrir portas para dar a oportunidade a uma pessoa de mudar – mesmo que tenha sido horrível connosco.

Se nos limitarmos a dizer que são terroristas e maus, a única coisa que podemos fazer é metê-los na cadeia, negando-lhes a oportunidade de se transformarem em pessoas que possam ser úteis para a sociedade.

Digo isto porque temos outros exemplos na Colômbia. Temos o grupo rebelde M19 que teve um processo de paz há alguns anos. Os seus líderes são hoje políticos importantes na Colômbia e têm vindo a transformar a política, a trazer boas ideias e, ainda que tenham sido violentos e tenham morto pessoas – algo que não podemos ignorar – aproveitaram a oportunidade para ser bons colombianos.

I.K.: Os crimes a que fez alusão deveriam ser perdoados? Aceitaria que os que a sequestraram saissem impunes se isso ajudasse o processo de paz?

I.B.: Não, impunes não é a palavra certa. O perdão não é equivalente à impunidade. Tem de ser feita justiça, mas temos de ser criativos na forma como a aplicamos. Às vezes, a prisão é uma opção, mas podemos pensar noutras opções.

Por exemplo, tenho vindo a pensar em algo que seria maravilhoso: houve raparigas que me vigiavam e adoraria vê-las trocar as espingardas, as armas, por flores.

Temos uma enorme indústria de exportação de flores na Colômbia. Adoraria criar plantações de flores onde elas pudessem ser proprietárias e trabalhadoras e em que tivessem a oportunidade de ganhar dinheiro mas a fazer coisas boas.

I.K.: Fala como um político…

I.B.: Pois, acho que ainda o sou.

I.K.: Quando deixou a selva, disse que não iria abdicar dos pequenos prazeres da vida, como flores no quarto, um chá se assim o desejasse, um bolo, um gelado… Ainda pensa o mesmo?

I.B.: Claro. Tenho andado a afinar as minhas regras diárias. Falo disso no romance. A Linha Azul é o horizonte de felicidade, onde nos vemos em relação à felicidade. Às vezes, ela está no ado e sentimo-nos tristes porque já não está nas nossas vidas. Às vezes, ela está no futuro e é algo por que ansiamos e corremos para alcançar.

Para mim, a felicidade é o momento presente. Como é que podemos aprender a viver a felicidade no presente, a caminhar na linha azul, no presente. Por exemplo, estar consigo, nesta linda cidade de Paris, com este tempo maravilhoso, isso é felicidade para mim.

I.K.: “La Ligne Bleue” (“A Linha Azul”) é quando o céu e o mar se encontram. Isso é irrealizável.

I.B.: Bem, é uma alegoria para as partes física e espiritual que existem dentro de nós. No final, a Júlia percebe que deixou de existir uma linha entre o espiritual e o físico, entre o mar e o céu.

Precisamos de perceber que tudo o que somos – espiritual e físico – deve combinar-se para nos apercebermos da vida que estamos a viver no presente. Não podemos viver de outra forma.

I.K.: Vamos terminar com uma questão de Francis Grady. “É uma pessoa feliz e realizada"> Notícias relacionadas

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