As perspetivas de paz são sombrias, uma vez que a guerra civil continua, apesar da pressão internacional sobre os militares, quatro anos depois de estes terem tomado o poder a um governo civil eleito.
A situação política continua tensa e não se vislumbra qualquer espaço de negociação entre o governo militar e os principais grupos da oposição que lutam contra ele.
Os quatro anos que se seguiram à tomada do poder pelo exército, em 1 de fevereiro de 2021, criaram uma situação profunda de crises múltiplas e sobrepostas, com quase metade da população na pobreza e a economia em desordem, afirmou o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
O Gabinete dos Direitos Humanos da ONU afirmou que, no ano ado, os militares aumentaram a violência contra os civis para níveis sem precedentes, infligindo o maior número de mortes de civis desde a tomada do poder pelo exército, à medida que o seu controlo sobre o poder se ia desgastando.
O exército lançou vaga após vaga de ataques aéreos de retaliação e de bombardeamentos de artilharia contra civis e zonas povoadas por civis, obrigou milhares de jovens a cumprir o serviço militar, efectuou detenções e perseguições arbitrárias, provocou deslocações em massa e negou o o a pessoal humanitário, mesmo em caso de catástrofes naturais, afirmou o gabinete dos direitos humanos numa declaração na sexta-feira.
“Ao fim de quatro anos, é profundamente angustiante constatar que a situação no terreno para os civis está a piorar de dia para dia”, afirmou Volker Türk, o chefe da ONU para os direitos humanos. “Enquanto o poder dos militares diminui, as atrocidades e a violência aumentam de âmbito e de intensidade”, afirmou, acrescentando que a natureza retaliatória dos ataques foi concebida para controlar, intimidar e punir a população.
Os Estados Unidos, o Reino Unido, a União Europeia e outros países criticaram a tomada do poder pelos militares numa declaração que apelava também à libertação da líder deposta Aung San Suu Kyi e de outros presos políticos.
Segundo estes países, cerca de 20 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária e cerca de 3,5 milhões de pessoas estão deslocadas internamente, o que representa um aumento de quase um milhão no último ano.
Na declaração conjunta, os países ocidentais manifestaram também a sua preocupação com o aumento da criminalidade transfronteiriça em Myanmar, como o tráfico de droga e de seres humanos e as operações de burla em linha, que afectam os países vizinhos e podem provocar uma maior instabilidade.
“A atual trajetória não é sustentável para Myanmar nem para a região”, afirmaram os países na declaração que incluía também a Austrália, o Canadá, a Coreia do Sul, a Nova Zelândia, a Noruega e a Suíça.
O estado da luta
A tomada do poder pelos militares em 2021 deu origem a protestos públicos generalizados, cuja repressão violenta pelas forças de segurança desencadeou uma resistência armada que conduziu agora a um estado de guerra civil.
As milícias de minorias étnicas e as forças de defesa do povo que apoiam a principal oposição de Myanmar controlam grandes partes do país, enquanto os militares detêm grande parte do centro de Myanmar e das grandes cidades, incluindo a capital, Naypyidaw.
A Associação de Assistência aos Presos Políticos, que mantém um registo pormenorizado das detenções e baixas relacionadas com a repressão do governo militar, afirmou que pelo menos 6 239 pessoas foram mortas e 28 444 foram detidas desde a tomada do poder. É provável que o número real de mortos seja muito superior, uma vez que o grupo não inclui geralmente os mortos do lado do governo militar e não pode verificar facilmente os casos em áreas remotas.
Aung Thu Nyein, diretor de comunicações do Instituto de Estratégia e Política de Myanmar, disse à The Associated Press que a situação atual de Myanmar é a pior possível, com a paz e o desenvolvimento a serem adiados.
“O pior é que a soberania, sempre proclamada pelos militares, está a perder-se e as fronteiras do país podem mesmo deslocar-se”, afirmou Aung Thu Nyein numa mensagem de texto.
O exército de Myanmar sofreu derrotas sem precedentes no campo de batalha durante o ano ado, quando uma coligação de grupos étnicos armados obteve vitórias no nordeste do país, perto da fronteira com a China, e no estado ocidental de Rakhine.
Os rebeldes étnicos conseguiram capturar rapidamente várias cidades, bases militares e dois importantes comandos regionais, e a sua ofensiva enfraqueceu o controlo do exército noutras partes do país.
As minorias étnicas lutam há décadas por uma maior autonomia em relação ao governo central de Myanmar e são aliadas da Força de Defesa Popular, a resistência armada pró-democracia formada após a tomada do poder pelo exército em 2021.
O Gabinete dos Direitos Humanos das Nações Unidas e grupos de defesa dos direitos humanos, incluindo a Amnistia Internacional, também fizeram raras alegações em declarações recentes de que grupos armados que se opõem aos militares também cometeram violações dos direitos humanos em áreas sob o seu controlo.
Planos eleitorais
Em busca de uma solução política, o governo militar está a insistir na realização de eleições, que prometeu realizar este ano. Os críticos afirmam que as eleições não seriam livres nem justas, uma vez que os direitos civis foram restringidos e muitos opositores políticos foram presos, e que as eleições seriam uma tentativa de normalizar o controlo militar.
Na sexta-feira, o governo militar prorrogou o estado de emergência por mais seis meses, alegando que era necessário mais tempo para restaurar a estabilidade antes das eleições, informou a televisão estatal MRTV. Não foi indicada uma data exacta para as eleições.
Tom Andrews, um relator especial do gabinete dos direitos humanos da ONU, afirmou que não era possível realizar eleições legítimas enquanto se prendiam, detinham, torturavam e executavam os líderes da oposição e quando era ilegal os jornalistas ou os cidadãos criticarem o governo militar.
“Os governos devem rejeitar estes planos pelo que são - uma fraude”, disse Tom Andrews.