Fragmentos de esperança misturam-se com realidades sombrias em How to Save the Amazon, publicado no Reino Unido e no Brasil esta semana.
Depois de o jornalista britânico Dom Phillips ter sido morto enquanto preparava um ambicioso livro sobre a forma de proteger a maior floresta tropical do mundo, os amigos prometeram terminar a obra. Três anos depois, a tarefa está concluída.
O livro "Como salvar a Amazónia" foi publicado ontem (28 de maio) no Brasil e no Reino Unido, antes do seu lançamento nos Estados Unidos (EUA) a 10 de junho. O livro foi elaborado por colegas jornalistas que mergulharam nas anotações de Phillips, nos esboços e no punhado de capítulos que ele já tinha escrito.
O livro junta a escrita do próprio Phillips com as contribuições de outros, num exame poderoso da causa pela qual o jornalista britânico deu a sua vida.
Para além do grupo central que liderou o trabalho de finalização do livro, outros colegas e amigos ajudaram a editar capítulos, incluindo os jornalistas da AP Fabiano Maisonnave e David Biller.
O que aconteceu a Dom Phillips?
Phillips, que era colaborador regular do jornal The Guardian, estava a fazer uma das últimas viagens de reportagem planeadas para o seu livro quando foi morto a tiro por pescadores no dia 5 de junho de 2022, no Vale do Javari, no oeste do Amazonas.
Também foi morto Bruno Pereira, um especialista brasileiro em tribos indígenas que tinha feito inimigos na região por defender as comunidades locais da intrusão de pescadores, caçadores furtivos e garimpeiros ilegais.
As suas mortes foram notícia em todo o mundo. Nove pessoas foram indiciadas pelos assassinatos.
"Foi um momento horrível e muito triste. Toda a gente pensava: como é que se pode lidar com uma coisa destas? E o livro estava lá", disse Jonathan Watts, um escritor ambientalista do The Guardian baseado na Amazónia, coautor do prefácio e de um dos capítulos.
Com a bênção da viúva de Phillips, Alessandra Sampaio, um grupo de cinco amigos concordou em levar o projeto por diante. O grupo liderado por Watts também incluía Andrew Fishman, presidente do The Intercept Brasil, sediado no Rio de Janeiro; a agente de Phillips, Rebecca Carter; David Davies, um colega dos seus dias em Londres como jornalista musical; e Tom Hennigan, correspondente do The Irish Times na América Latina.
"Era uma forma de não apenas se sentir mal com o que havia acontecido, mas de seguir em frente com alguma coisa. Especialmente porque muitos dos amigos de Dom são jornalistas", disse Watts. "E aquilo a que recorremos é o que sabemos fazer melhor, que é o jornalismo."
Trabalho inacabado na investigação de soluções para a floresta tropical
Na altura da sua morte, Phillips tinha viajado extensivamente pela Amazónia e tinha completado uma introdução e quase quatro dos 10 capítulos planeados. Deixou também um esboço dos restantes capítulos, com diferentes graus de pormenor, e muitas páginas de notas escritas à mão, algumas delas pouco legíveis.
"Penso que é justo dizer que nem mesmo Dom sabia ainda o que iria fazer exatamente nesses capítulos", disse Watts.
Phillips estava à procura de esperança. Prometeu aos seus editores um livro de viagens com personagens, no qual os leitores ficariam a conhecer um vasto elenco de pessoas que vivem na região. "Todos eles conhecem e compreendem intimamente a Amazónia e têm soluções inovadoras para os milhões de pessoas que lá vivem".
O grupo liderado por Watts selecionou escritores para os restantes capítulos, com temas que vão desde uma iniciativa de bioeconomia no estado brasileiro do Acre até ao financiamento global para a preservação da floresta tropical.
O líder indígena Beto Marubo, do Vale do Javari, foi recrutado para coescrever um posfácio. A equipa também lançou uma campanha de crowdfunding bem-sucedida para pagar mais viagens de reportagem.
Um dos desafios do grupo foi assegurar que o livro refletisse uma mudança política na abordagem do Brasil à Amazónia nos anos que se seguiram à morte de Phillips. A maior parte da pesquisa de Phillips foi feita durante o mandato do presidente de direita Jair Bolsonaro, quando o desmatamento da Amazónia no Brasil atingiu um pico de 15 anos em 2021.
O ritmo de destruição diminuiu após a derrota de Bolsonaro em 2022 para o líder esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva.
Fragmentos de esperança e estatísticas sombrias na Amazónia
Ao longo das mais de 300 páginas do livro, fragmentos de esperança misturam-se com realidades sombrias.
No capítulo 2, "O Caos do Gado", Phillips refere que 16% da Amazónia brasileira já foi convertida em pastagens. Até um agricultor que se tornou um modelo de sucesso no aumento da produtividade sem desbravar a maior parte das suas terras é criticado pela sua utilização generalizada de fertilizantes.
No seu capítulo sobre bioeconomia, o jornalista Jon Lee Anderson visita uma iniciativa de reflorestação em que Benki Piyãko, um líder Ashaninka, promove a recuperação ambiental associada a um tratamento com ayahuasca e a uma exploração piscícola. Mas o veterano repórter não vê como isso pode ser escalonado e reproduzido, dadas as ameaças causadas pelo homem e as mudanças climáticas.
Mais adiante no capítulo, cita Marek Hanusch, um economista alemão do Banco Mundial, que diz: "No fim de contas, a desflorestação é uma escolha macroeconómica e, enquanto o modelo de crescimento do Brasil se basear na agricultura, assistiremos a uma expansão para a Amazónia."
No prefácio, o grupo de cinco organizadores afirma: "Tal como Dom, nenhum de nós tinha a ilusão de que a nossa escrita salvaria a Amazónia, mas podíamos certamente seguir o seu exemplo e perguntar às pessoas que poderiam saber."
Mas neste livro manchado de sangue e de pouca esperança, há outra mensagem, segundo Watts: "O mais importante é que se trata de solidariedade com o nosso amigo e com o jornalismo em geral."